Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, dezembro 13, 2008

Mátria Nº 3: LÍNGUA - Caetano Veloso
























Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma'de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.

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A ilustração diz tudo!!!
Mas, uma Língua que sobreviveu aos godos,
aos mouros e ao tempo...
que se fez Trova e se fez Fado
e que nos deu Pessoa
e Drummond,

Produziria, um dia, a Antropofagia,
a Tropicália,
e inventaria, enfim, Caetano Veloso!!!

(clique na imagem para ir ao sítio de origem)



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5 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Olá Eurico, só hoje estou retribuindo minhas visitas! Eu gosto demais de Chico e Caetano, e mais ainda, eu amo a nossa língua. Mesmo que por muitas vezes acabamos matando , esfolando, detonando com ela... Beijo.

Sueli Maia (Mai) disse...

Ah!
Agora é inteira covardia.
Esta eu adoro.
Já estudei esta letra mil vezes.
E se reescreve, e se relê, e não há como fazer arquitetura de demolição diante disto ai.

Lingua, linguagem, signos, representações de um mundo e mundos...

Belíssimo post.

Muitos abraços.

lula eurico disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lula eurico disse...

Claudinha: grato pela visita! Mas quando matamos a língua, estamos paradoxalmente lhe trazendo vida. A Língua não vive sem o falar, sem os falares, sem as gírias, jargões e dialetos. Ela se nutre do coloquial, do presente, que um dia será arcaísmo.
Abraçamigo e fraterno.

lula eurico disse...

E se reescreverá e se relerâ por mais mil anos, Mai!!!