Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

segunda-feira, março 30, 2009

Sonata para o Dr. Alzheimer - Coda

















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Um cometa passou.
A minha vida...
Espiralada noúre.
Breve lida.
Vivê-la, importa, enquanto dure.

Um comboio passou,
sou o cão que late,
indigna-se, insiste,
e não se abate.

O vale fértil passou.
Sou um camelo que resiste.
Minha alma sucumbe à realidade.
Marteladas de Nietzsche:

Viver consiste em amor fati.


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quinta-feira, março 26, 2009

Sonata para o Dr. Alzheimer (3º mov.) allegro ma non troppo





















Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.

(João 10:10)



Apesar de tudo resta a Vida,
com tudo o que é insolvente e provisório
Embora, evanescente e imprecisa, a Vida...
Resta, ainda.

De algum modo, que não mais contente,
Há frestas para sorrisos
E o aceno transcendente.

De que adiantam saberes
e toda a inútil lógica humana?
Os gatos são mais felizes.
Brincam indenes sobre as casas,
Mesmo sem logus.
Mesmo sem asas.

Hoje vestirei a melhor roupa.
E celebrarei o ar que ainda respiro.
Tomarei banho de mar.
A água morna e arrepios pelo corpo.
Que apesar de tudo resta a Vida.
A minha vida.
Realidade única e indevassável.
A Vida!

Baterei as palmas e piscarei os olhos.
Lamberei os meus lábios salubres.
Celebrarei o Sol e a unicidade.
Eu sou!
Allegro ma non troppo,
Eu sou!
Trago um júbilo comigo:
Eu sou!



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Sonata para o Dr. Alzheimer (2º mov.)

















Basta a cada dia o seu mal.

Mt 6:34




Desliza a vida e todo o entorno
Sobre movediças dunas.
As coisas todas estão nômades.
Flores de artifício brotam nos jardins abandonados.
Tulipas desconexas
florescem, amarelas e tardias.

São brancos os corredores do hospital.

Não há mais ciclos,
Nem duração.
Apenas essa agenda de encontros desmarcados.
E os relógios de parede já não anunciam as horas.

Vive-se às apalpadelas e não faz escuro.
Nada faz sentido nesses vislumbres da infância.
Decerto há nuvens nos óculos antigos.
Tudo está antigo e nublado.

Um gato sob a cama, fatalista e atemporal,
Não perceberá pesares, solidão, medo, alegrias.
Aqui se pode dormir definitivamente
E sonhar com as eternas ruínas circulares...





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terça-feira, março 24, 2009

Sonata para o Dr. Alzheimer (1º mov.)





















Não ajunteis tesouros na terra...
Mt 6:19


Toda memória é argêntea.
Subterrânea.
Nela não há oiro.
Inúteis, pois, os tesouros sem mapa...

De que adianta a filha
E essa multidão?
Agora tudo é ilha.
E todo o esforço é vão.

Um fado inesperado.
Sim, uma velha música distante.
E estar exausto.

Toda memória é argêntea.
Caverna silenciosa e erma.
Inúteis, pois, os movimentos.
Não há mais oiro algum.






domingo, março 22, 2009

URO NO ESCURO





Não atarás a boca ao boi que debulha o grão.
1 Cor 9:9



Ó não perguntes pela poesia,
essa Palavra que não desvendo,
túpida e funda,
grão semeado,
morte fecunda
:
mesmo nas sombras
ouvindo Uros,
aflitos urros,
acenda a porta
que a Noite abriga.
Uro, no escuro,
raiva incontida.
Na sombra, o Uro,
selvagem ainda,
urra, obscura
força da vida,
protopoesia,
noturna e linda.

***
Fonte da img.:
Velho búfalo que voa
***





sábado, março 21, 2009

Sagração



...unge a tua cabeça, e lava o teu rosto
Mt 6:17



Fiz-me ao mar de mim.

Sou um silêncio
em que se funda o mito;
um mar intenso.


Fiz-me ao mar de noite.

O meu nigredo.
E ouço o marulhar:
mistério e medo.


***

(Essa totalidade eu não invento.
Se estou uno, a unicidade vem de dentro. )

***


quinta-feira, março 19, 2009

Cais da Lingüeta (autopsicografia)



















Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz.
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso.

Mt 6:22,23



Revejo, à flor das águas, em rota dolorosa e fronteiriça,
Naufrágios
E os destroços submersos de mim.

Braçadas, diz-me a Razão.
Braçadas!
O mar é alto.
E a alma é apenas perspectiva.

Volto os olhos, e contemplo o precipício.
Pélago.
Ó Tenebroso Mar que jaz em mim!


Ide, frágil nau!

(Id):
Homem sem bússola.
Um escaler à deriva e sem chinelos ao pé do leito.


Não há pessoa e o rio que vejo
Também não é o Tejo.

Mas o que resta aqui de tudo o que já fui:
Embarcações/embarcadiços;
Lares/velas triangulares;
Lábios/astrolábios;
A goga/a sinagoga.

O antigo Cais da Lingüeta.

Tudo me faz pejo.
E o rio que vejo, deveras, não é o Tejo.




quarta-feira, março 18, 2009

Tríptico





















"Não é a vida mais do que o alimento,
e o corpo, mais do que as vestes?
Observai as aves do céu..."
Mt 6: 25,26



O vôo é imprescindível.
Se as caixas estão empilhadas
E os lotes numerados.
Deus! O que é isso?

Essas asas, não as tenho em vão.
Embora inumeráveis, os veículos e a chuva, ácida.
Esquemáticos, os projetos.

Os túneis, sem luz.
Aonde vamos?

Posso pairar sobre o azul das cordilheiras.
Enquanto o conceito aprisiona as coisas.
Flagelam-se as gentes.
Captam-se teleológicos cicios.
Mãe, o que é a vida?







segunda-feira, março 16, 2009

Mandacaru em flor


... E por que andais solícitos?
Olhai para as flores do campo ...
Mt 6:28

Das rotinas profundas
de seiva e de caules,
repetindo gestos,
pacientemente,
careço entender...
Que os momentos são copas do tempo.
Que a corola da flor é o momento presente.

Vem da erva que brota do chão,
da semente,
todo esse vigor.
Vem da alma da terra,
essa mente,
essa e/terna/mente.
Vem do viço da terra,
da hera, das eras,
do trabalho incessante
do tempo em aquíferos fundos,
profundos abismos
e grotas da terra exsicada...

*

Ó, Flor da Água e do Tempo,
me ensina a esperar!
***
Eurico
poema sem data
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sexta-feira, março 13, 2009

Acalanto à distância (pra Allana)



Devia ter tido a ousadia dos raptores
e te tomar no colo
e te esconder do dolo
e da maldade humana.
E te levar comigo.

Devia ter sido mais atrevido,
ou mais amoral,
devia ter agido.
Agora não sei se estás bem.
Não sei se você já comeu o gagau.
Se hoje assistiu o Picapau,
que chamavas, em teu jeito, "papau".

Eu sabia que eles viriam,
os inimigos do amor.
Eu sabia...
E eles não te queriam.
Que eles só te queriam
pelo que tens de valor.

Mas se existe uma Mamãe-do-céu...
(lembra? era aquela santinha da Lagoa do Araçá...)
Sim, se ela existe, ela vai te velar.
Vai cuidar por que eu descuidei.

E os domingos virão sem sabor.
Sem pipocas e sem chocolate.
Mas domingo irei te procurar.
Levarei os templários, os apaches,
a cavalaria.
Levarei Dom Quixote,
ou melhor, Dom Pixote.
E com eles, domingo, irei te procurar...

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A imagem é outro clique de Paulinha Barros.

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Poemeto pra Allana



Olhas sem medo, pequenina,
pra essa porta do futuro,
por mais que o tempo esteja escuro
Olhas sem medo...

Sou adulto e o medo me domina,
pois não pude evitar os teus apuros;
e se me olhares, assim, menina,
verás que choro e te procuro...

De Eurico
(um tio preocupado)
***
para Dayse e Allana
(duas meninas perdidas)
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A foto é de Paulinha Barros
feita durante o Baile do Menino Deus,
Recife Antigo - Dez/2008
Que o Menino Santo proteja as minhas meninas,
lá pelas bandas de Olinda!

segunda-feira, março 09, 2009

Blogagem coletiva: Crise dos bancos versus fome no mundo















(Nota: estou adoentado, de cama mesmo, mas vim aqui fazer essa postagem, cumprindo o trato que fiz com a amiga Esther. Perdoem-me se não trago minha própria voz. É o que gosto de fazer nesses assuntos. Mas uma virose terrível me nocauteou, de forma que escolhi uma postagem interessante que li em outro site, para poder participar. Minhas apologias. rs.)

Crise dos bancos versus fome no mundo

“Vou fazer um slideshow para você.
Está preparado? É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.
Os slides se sucedem.
Êxodos de populações inteiras.
Gente faminta.
Gente pobre.
Gente sem futuro.
Durante décadas, vimos essas imagens.
No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem.
São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em
Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se
sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o
problema da fome no mundo.
Resolver, capicce?
Extinguir.
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em
nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ong, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas, em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia.”
..::..

Fonte do Texto:
Autor: Neto
Publicado no blog Updaters. via Blog do Tas.

sábado, março 07, 2009

Salve 8 de março! Dia da Mulher Excomungada




Quero homenagear nessa postagem que vai dedicada às mulheres, a uma mulher em especial: a pobre mãe de Alagoinha-PE, que foi excomungada pelo Arcebispo de Olinda e Recife, por permitir um aborto legal, feito na filha. O fato gerou notícia internacional e até comentário do Jabor. Pra quem não leu a notícia, resumo aqui, copiada de outros sites:

A gravidez de uma menina de 9 anos, que mora em Alagoinha (a 227 km do Recife), foi descoberta no dia 25 de fevereiro. Ela sentia dores na barriga, tonturas e enjoos e foi levada pela mãe, de 39 anos, a uma clínica. No dia seguinte, o padrasto, de 23 anos, foi preso após confessar que abusava da menina havia três anos e também da irmã mais velha dela, de 14 anos, que tem deficiência física. Constatou-se uma gravidez gemelar e de alto risco. Nesses casos a lei brasileira admite o aborto, que foi feito imediatamente em uma clínica da rede municipal. O Bispo do Recife e de Olinda, também imediatamente, tratou de excomungar a equipe médica que fez o aborto na menina. A mãe da vítima, que autorizou o procedimento, também recebeu a punição eclesiástica.

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Parentesis:

Esse Arcebispo, Dom José Cardoso, é a expressão mais pura do farisaismo dogmático e doentio que pode existir dentro do catolicismo. Talvez por isso, boa parte da população recifense o apelida de o Dom do Ódio, em oposição ao nome, carinhosamente dado a outro Arcebispo, o saudoso Dom Hélder Câmara, que era e sempre será o Dom do Amor. Quando Dom José fala em defender a vida, me traz à lembrança a perseguição às "bruxas", aos "diferentes", como Joana D'Arc, e a matança generalizada que a Inquisição realizou em tempos passados.
Por isso eu me pergunto com que autoridade Congregação para a Doutrina da Fé (Santo Ofício), instituição à qual pertence o Dom José, pode falar em não matar?

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Bem, dedico então essa postagem àquela mãe de família, traída e humilhada por um parceiro pedófilo (que, segundo o Bispo, não será excomungado) e depois vilipendiada e ultrajada publicamente, por um Arcebispo que é, no mínimo, desumano.

Solidário com essa mulher de Alagoinha, está o blogue Eu-lírico, como solidário está com todo e qualquer perseguido em nome da hipocrisia e do farisaísmo religioso. Dedico, pois, o dia 08 de março de 2009, à Mulher Excomungada de Alagoinha.

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Nota: nada contra e tudo a favor dos Católicos amorosos e verdadeiramente cristãos e fraternos, que, como Dom Hélder, Irmã Dulce e outros, pensam em servir e amar, em vez de condenar o próximo.

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Em tempo:
Dedico também às minhas meninas, Nicole, Cristiane, Flávia, e Allana.
Que Deus as proteja dos pedófilos e dos arcebispos do Santo Ofício, amém!

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