Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, setembro 25, 2008

Ah, o Tempo...


Quadro de autoria de Simon Vouet,
no Museu do Prado, em Madrid.
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Alegoria do Tempo vencido pela Esperança e pela Beleza.
A Beleza agarra o Tempo pelos cabelos.
A Esperança ameaça-o e detém-no com uma âncora.
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Oração ao Tempo
Caetano Veloso


És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Vou te fazer um pedido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Entro num acordo contigo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
És um dos deuses mais lindos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Ouve bem o que te digo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Quando o tempo for propício
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
E eu espalhe benefícios
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Apenas contigo e migo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Não serei nem terás sido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Num outro nível de vínculo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
Nas rimas do meu estilo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo...
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quarta-feira, setembro 03, 2008

ÁPTERO



E eu, aqui, in/significante,
fresta do acaso, entre voláteis vazadouros,
agarro-me ao nexo do estar.
Se é alado o céu e a ventania vai aonde quer,
por que pousar?
Tudo o que é vida passa, tudo é lábil
e a flor bela é frágil e breve.
Viver é instante e espanto,
imprevisível notação de uma ária dodecafônica.
Chuva fugaz, lugar nenhum.
Todas as instâncias se acotovelam em janelas irreais:
Há lócus de mim, não eu.
Não sou, mas evidências instáveis resistem sem mim.
Creio no solo sob os pés.
Ando movediço...
Ave tardia.
Áptera.
E só.

Eurico
(poema sem data)