Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, setembro 27, 2011

TRICICLOS

Cilium Velocipede by Jessica Ward





















O que dizer do brilho
dessas coisas em cinemascope?

Que a vida é apenas movie?
Que agitam-se os seres
aquecidos?

(O Sol também me a/tinge,
mas, uso cremes medicinais)

Entretanto, Ísis avança,
em physis, viçosa e indene.

Quase criança,
Ísis,
flor entreaberta sobre um velocípede.

Uns dizem disso:
É a primavera.

Eu quase digo:
respira e espera...



Fonte da imagem:
http://www.jessicawardart.com/2010/06/25/cilium-velocipede/

domingo, setembro 25, 2011

BICICLOS



















Se Ísis ressurge sempre
nesse equinócio e acende
o Sol, deslizando em patinetes,
de um azul ciano, celeste,
por que fica essa escória
escura sob os ciprestes?
Por que, em vez de orvalho, chorume,
e em vez de flores, estrume?

No pátio, as sucateadas palavras
gastas e o eterno
retorno da pátina
que invade parques e praças;
Mas, Ísis surge com graça,
deslizando em patinetes,
e vem mascando chicletes,
os seus cabelos ao vento...

Respiro fundo: é setembro.
Quem há de parar o tempo?




Fonte da imagem:
Niño em patinetes

sábado, setembro 24, 2011

CICLOS

























Tudo fenece no pátio de manobras.

O zinco ferruginoso dos autos abandonados
denuncia um mundo perecível;
Deu em nada o fundo eterno dos gregos
e o ser espinozano ainda persevera em ser.

Mas o orvalho
molha o asfalto
e escorre,
escuro e impune,
pela linha d’água.

Ainda resiste a physis,
em circ’los,
em ciclos.

Todos os raios giram sobre o eixo vazio.

Ísis ressurge,
montando sua bicicleta bela e azul.



Fonte da imagem:
Moça e bicicleta

domingo, setembro 18, 2011

O ARQUIVISTA





















O arquivista cofia os bigodes
na incerteza se pode,
na certeza que não pode
forjar aquilo que acode
ao seu instinto de ordem.
E sente na alma, fria,
a estranha melancolia
do anseio da simetria
que faz do caos harmonia.

O arquivista avalia
e seus bigodes cofia:
será a ordem doentia
e a métrica antipoesia?

Em ordem, Olavo escandia
e, pasmem, estrelas ouvia
naquela monotonia
ritmada, mas vazia,
mais parnaso que poesia.

E o arquivista debalde
procura a normalidade
que em seu cérebro havia;
como o herói de Cervantes,
surtado, avista gigantes
entre as estantes esguias...
(Que bela patologia!)



Fonte da imagem:
http://storage.mais.uol.com.br/357613.jpg?ver=1

segunda-feira, setembro 05, 2011

BRASA E MEL (renova-se a physis)

















A criança vê fundo e antes,
um mundo feito em relações desconcertantes.
Faz a eternidade,
agarra o instante,
consegue ver até, olhos ausentes,
o modo sutil,
em que do sono da brasa, latente,
brota o mel...

A criança é mãe do sonho,
sabe os secretos sentidos,
tem a ciência da fauna
e a presciência da flora.
Conhece o segredo antigo
que da pequena semente
faz surgir o baobá.

Os gregos chamavam physis
e os romanos, natura;
e a criança, sem dar nomes,
brinca com as coisas futuras;
desmonta o reino dos homens,
governa o reino do céu,
paira com Deus sobre as águas,
toma banho de chapéu.

A criança doma o medo,
rasga o finíssimo véu
sobre o sentido da Vida:
Só ela sabe o segredo,
o indizível segredo,
com que a brasa gera o mel.





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Eurico
(de uma conversa no ateliê

do Eugênio Paxelly)
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A foto é da minha sobrinha
Allana.

sexta-feira, setembro 02, 2011

FLOR DO NADA (ou, physis pra Mirze)


As coisas todas brotam de outras coisas...

As rosas,
surgem das rosas
Idéias
nascem de idéias.
Azaléias, flores simples,
surgem dentro de azaléias.
Tudo isso que nós vemos
vem à luz como aletéia,
desde que em seu ventre haja
um fundo idêntico a si mesmo...

Mas, um verso, flor de nada,
emerge espontaneamente,
disso oco e sem sentido
que existe dentro da gente.
Sua forma, (isso que lemos,
esse agora, esse presente),
é o fundo igual que aflora,
é o ser passando a ente.




Fonte da imagem:
http://bloguidonoleari.blogspot.com/2009_01_01_archive.html