Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

segunda-feira, junho 18, 2007

O sorriso dorido de Ariano




Por que esse homem ri? E do que ri Ariano? Esta é uma pergunta grave e que pode ser estendida a todos os outros homens. Afinal, de que ri a humanidade?
A resposta, talvez, nos venha pela leitura que faz do mundo seu romance armorial. Apresenta-nos, sugestivamente, um herói (ou anti-herói) demasiado humano, que ostenta sua força e sua fraqueza, em um onírico memorial ou louvação da sua estirpe de reis, sangrentos e sangrados, opressores e oprimidos. Investindo contra os moinhos de vento, e pugnando, quem sabe, por um socialismo sertanejo, Quaderna ri das próprias investidas, como se fosse, ele mesmo, a um só tempo, o nobre Cavaleiro e seu simplório escudeiro.
O herói pícaro é como um bambuzal: diante dos vendavais ele se curva, mas não quebra. Levanta-se outra vez com a bonança. (Li isso em algum lugar. Em Flávio Kothe, talvez.) Quaderna encarna esse herói pícaro, que, dócil à sua circunstância, nos ensina a rir das nossas desventuras.
Foi essa a lição maior que encontrei na adaptação global d’A Pedra do Reino. O riso, o bom humor, a presença de espírito, que é própria dos personagens picarescos de Ariano, torna-se, em Quaderna, o riso pícaro por excelência, porque é o sorriso diante da tragédia humana. Mesmo que seja nas pequenas tragédias cotidianas, de João Grilo e de Chicó, o riso do Ariano, rindo de si mesmo, enquanto humano, é sempre um riso catártico. Um riso dorido e contido. Nesses delírios armoriais e genealógicos, que surgem da agonia bem humorada de Quaderna, transparece, quiçá, a dor do menino órfão, sem seu guia, sem a luz do sol de seu sertão interior. Isso fica evidente neste soneto angustiado que dedicou Ariano a seu saudoso pai:




Aqui morava um rei

"Aqui morava um rei quando eu menino:
vestia ouro e castanho no Gibão.
Pedra-da-Sorte sobre meu Destino,
pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu Cantar era divino,
quando, ao som da viola e do bordão,
cantava com voz rouca, o Desatino,
o riso, o sangue e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu Guia
que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua Efígie me queima. Eu sou a presa,
ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa,
Espada de Ouro em Pasto ensanguentado."

...........................................................................(Ariano Saussuna)
*grifo nosso
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Mas como ainda consegue rir o homem?
E... por que nós rimos de Quaderna?

Eurico
17.06.07

Parabéns para a conclusão da micro-série
que conseguiu resumir, em cinco breves episódios ,
as quase 750 páginas do grande romance armorial,
fazendo uma homenagem ao imaginário
popular do nordeste, na obra de Ariano Villar Suassuna.
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P.S.: com esse texto, prometo aos meus dois ou três leitores, (rsrsrs) que encerro a semana do Ariano.

domingo, junho 17, 2007

A Pedra do Reino é pernambucana...

Pedra do Reino - São José do Belmonte - PE




Atendendo ao clamor do povo de São José do Belmonte, fecho a semana da Pedra com essa singela explicação:
A ficção se passa em Taperoá - PB, no ano de 1938, mas o autor jamais diz que a Pedra fica lá. Lendo a página 14, da mais recente edição do romance, vai se achar o seguinte:
"sou, nada mais, nada menos, do que descendente (...) de dom João Ferreira-Quaderna (...) homem sertanejo, que, há um século, foi Rei da Pedra do Reino, no Sertão do Pajeú, na fronteira da Paraíba com Pernambuco."
Essa fala entre aspas aqui é do Quaderna, descendente fictício do Rei da Pedra Bonita, fanático religioso sebastianista, que liderou sacrifícios de crianças e virgens, entre 1835 e 1838, em Belmonte, Pernambuco.
Portanto, não há erro na adaptação global. Quaderna é habitante da Taperoá de 1938, e o Rei, seu antepassado, do Belmonte de cem anos antes, ou seja, 1838.
Eurico
17.06.07
Veja a grita nos sites de Belmonte:

sexta-feira, junho 15, 2007

RESENHA LIVRE






Para entender o romance
e a microsserie
d'A Pedra do Reino
leia Rachel de Queiroz:











(...) “Pode ser que a idéia de Suassuna, ao começar a escrever, fosse apenas fazer um romance divertido, usando a sua sábia dosagem de elementos literários, propriamente ditos, e elementos populares, baseado sobretudo no folclore local e nos versos dos cantadores, tendo como tema central os sucessos trágicos da Pedra Bonita. E aí, quem sabe, o santo se apoderou do seu pulso e lhe ditou essa estranhíssima epopéia calcada nos sonhos, nas loucuras, nas aventuras e desventuras e nas alucinações genealógicas do Cronista-Fidalgo, Rapsodo-Acadêmico e Poeta-Escrivão D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna.” (...)


Rachel de Queiroz
Rio, junho de 1971
(Extraído do prefácio à 6ª Edição d’A Pedra do Reino, p. 15)

quinta-feira, junho 14, 2007

Uma profissão que não existe



O pernambucano Osman Lins (1924-1978), em seu Marinheiro de Primeira Viagem*, narra um curioso diálogo que travou com um funcionário do guichê, quando autorizava seu passaporte para a Europa. Esse incidente, por ilustrativo e pitoresco, servirá de suporte a essa interessante
conclusão sobre a profissão de Escritor:
Escritor é uma profissão que não existe.


“UM BUROCRATA

- Profissão?
- Escritor.
- Não pode ser. Não é isto que consta dos documentos do Imposto de Renda.
- Naturalmente. Não se paga imposto de renda como jornalista ou escritor.
- Tenho de por “bancário”. O senhor não trabalha em Banco?
- Trabalho.
- Quer dizer que é escritor-amador.
- Existe rádio-amador, mas não escritor-amador. Ou se é escritor, ou não se é.
- Mas se o senhor trabalha em Banco, tenho de por “bancário”.
- Não é como bancário, e sim como escritor, que viajo. A maioria de meus possíveis contatos, na Europa, será de natureza artística e literária.
Só vou entrar em Banco para trocar dólares. Como cliente. Não quero que o senhor ponha “bancário”. Pode prejudicar-me. Já perdi uma bolsa de estudos porque, nos documentos, constava que trabalho em Banco.
- Pois eu só posso por “escritor”, se o senhor provar que é escritor.
- Trago-lhe os livros.
- Ah, não servem.
- Como é que não servem?
- É preciso trazer um documento, assinado por duas pessoas, atestando que o senhor é escritor.
- Selado?
- Perfeitamente. Com firma reconhecida.
- Então os livros não servem?
- Claro que não, meu senhor. Livro não é documento”

*(LINS, 1980: p. 42)

O ROMANCE d'A PEDRA DO REINO






Começou a mini-série global
sobre o Romance
d'A Pedra do Reino.





Exulta o meu coração nordestinado!

Em uma profusão delírica de imagens,
vai se construindo o universo tumultuoso
das visões de Quaderna, anti-herói sertanejo,
que serve de agulha para a tessitura
da trama desse tapete mágico,
de onde surgem, fulgurantes e belas,
as altaneiras figuras armoriais
do mítico Sertão de Ariano Suassuna.

Nos dois alucinantes capítulos de abertura,
já enveredamos pela crônica-epopéia, na qual
vamos girando, como em um calidoscópio,
ao sabor das memórias atribuladas do
personagem-narrador, que escreve seu romance
no cárcere, como um dia também esteve Cervantes,
ao criar o seu Cavaleiro da Triste Figura.

Quixote, Macunaíma, Policarpo Quaresma:
de todos traz um pouco Quaderna, esse
Rei picaresco e dionisíaco, cujo Reino esperado,
o Quinto Império, transborda, lusófono,
das páginas desse estonteante romance armorial.
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Ave, Ariano Villar Suassuna!
Ave, nação nordestina!

Eurico (madrugada de 14.06.07)
P.S.: ouço no rádio, já pela manhã, os comunicadores populares
dizendo que a obra é chata e incompreensível.
Na certa não leram o livro. E quem não leu vai ter dificuldade
de alcançar a obra de arte que a TV Globo produziu.

Video d'A Pedra do Reino

Notícias do Reino do Belo Monte




Associação Cultural Pedra do Reino

São José do Belmonte – PE

Introdução

A Associação Cultural Pedra do Reino promove a XIV Cavalgada à Pedra do Reino, festa que relembra o movimento sebastianista liderado por João Antônio dos Santos, em 1838, na Pedra do Reino (uma composição de duas grandes rochas, uma com 30 e outra com 33 metros de altura), na Serra do Catolé, em São José do Belmonte, Pernambuco.

No local, o auto proclamado Rei João Antônio formou uma comunidade de fiéis seguidores, prometendo um reino de justiça, liberdade e prosperidade, onde os pobres ficariam ricos e até os pretos renasceriam brancos.

A festa será (foi) realizada no período de 21 a 28 de Maio de 2006 e estará no seu décimo quarto ano consecutivo. Esta festa vem se tornando, a cada ano, mais brilhante e de maior expressão cultural.

O evento tem hoje vários incentivadores, dentre os quais o escritor Ariano Suassuna que publicou o livro O Romance da Pedra do Reino, em 1971, obra que resgatou a história do episódio e inspirou a festa.

No carnaval de 2002, uma das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro, Império Serrano, levou à Sapucaí o enredo “Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna”, enredo inspirado, principalmente, na Pedra do Reino e na Cavalgada. Isso mostra a dimensão histórica do evento e sua contribuição para a cultura brasileira.

A história da Pedra do Reino trata de uma das maiores manifestações do movimento sebastianista no Brasil. Anualmente centenas de cavaleiros de toda a região participam do percurso até o Sítio Histórico. Este é principal momento da festa em que os participantes da cavalgada têm a oportunidade de apreciar a bela paisagem sertaneja e viver momentos inesquecíveis de aventura. Durante toda a semana a cidade se torna palco das maiores atrações artísticas e culturais da região quando temos a visita das maiores autoridades ligadas à arte, cultura e literatura do país.




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quarta-feira, junho 13, 2007

Ilha sem Deus



Aquecer a frágil'alma
Ao calor desses destroços
Esses retraços que ardem
Em um ser baldio e sem crença

Esfregar mãos engelhadas
Ao fogo desse monturo
Prender a morte num engulho
Sem desistir da existência

Buscar sentido no caos
E fé na lenta agonia:
Esses barracos imundos.
Essas entranhas vazias.

Trapos, lama, palafitas
Sem Deus na ilha esquecida
E a vida?
A vida é também retraço
No pó das desconstruções.
Essa inútil empreitada.
Um traço desesperado
Que nós riscamos no Nada...

Eurico
16.01.2003

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segunda-feira, junho 11, 2007

E por falar em Mário Quintana...


Reparem que belezura de soneto!!!



SE EU FOSSE UM PADRE

Mário Quintana (*1906 —+1994)

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado—
muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!

Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética",
Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105.

fonte: http://www.releituras.com/mquintana_padre.asp
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Em tempo:
agradeço a dica à amiga Isabel Pontual
Eurico
11.06.07
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sexta-feira, junho 08, 2007

Poemeto ao modo de Mário Quintana

ou


Pequena Lição de Poíesis

A prosa, por sua natureza, pode ser poética
porque sempre traz, dentro de si, hermética,
uma pequena rosa.

Em sendo assim,
o que se chama simplesmente prosa
é a tentativa frustrada de ocultar
no discurso (coisa odiosa)
a poesia que há...
a inevitável rosa
(poemeto ao modo de Mário Quintana)
Eurico
08.06.07

***

domingo, junho 03, 2007

Uma Loa para o Mestre Diógenes















Aprecio certos vocábulos arcaicos, os quais, embora egressos de um léxico avoengo e desusado, continuam preservados pelo linguajar do povo.
Loar é um deles.
O verbo Loar ainda guarda os dois sentidos: tanto o da ação de louvar, fazer discurso laudatório; quanto o de intróito ao drama, prólogo, apresentação do espetáculo; como era costume, segundo Aurélio Buarque de Holanda, no teatro ibérico dos séculos XVI e XVII.
O povo nordestino, mui sábio, também costuma usar a loa, rimada e, quase sempre, metrificada, antes de engolir uma boa dose de cachaça. Antes de tomar a lapada, louva-se e introduz-se, em seguida, a bebida goela abaixo.
Esse é o meu intuito, e tão somente esse, ao apresentar, neste zine-blog literário, os poemas desse Mestre: introduzir os textos, antes da fruição da leitura. Louvação e introdução é o que querem ser essas palavras de pórtico. Loar. Loor. Loa.

Não sei se é propriamente uma fruição, o sentimento que nos traz a leitura dos textos abaixo, pois o Mestre Diógenes é dono de uma potência criadora próxima da dos pugilistas. Sua força poética quase nos nocauteia. As imagens acachapantes da sua agonia nos falam, também, da nossa agonia. Seus versos caosagonicos tratam de uma angústia que me faz lembrar, em sua essência, a de um outro Mestre, o grande basco Dom Miguel de Unamuno, cuja obra, A Agonia do Cristianismo, percorremos dia desses.
Assim como o Varão de Bilbao, também se esforça, Dom Diógenes Afonso, por apresentar-se ao leitor, não apenas como Poeta ou Autor, e sim, como um homem de carne e osso, com o flanco nu, adentrando a arena:

“o homem de carne e osso, aquele que nasce, sofre e morre, - sobretudo o que morre - aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e quer; o homem a quem vemos e ouvimos, o irmão, o verdadeiro irmão”.
( Unamuno)

Fala-nos o homem Diógenes que se problematiza, que se faz a questão de si mesmo (mihi quaestio factus sum, como em Santo Agostinho). Sua obra poética é, ela mesma, reduto e registro inominável de sua problematicidade. Como neste insólito e belo


INEQUAÇÕES:



Sou matemático de cabeça para baixo:
as inequações, marcas de minha impotência;
os números, teimosia de infinitude,
postergando o meu capturar definitivo.

Sou matemático de uma agônica geometria:
as linhas, tortas por um contorno inacabado;
as esferas, derretidas na frouxidão do tempo
(talvez, doidamente, mais lânguidas que os relógios-tempo de Dali);
os trapézios, trapalhadas trôpegas
de um discurso falido.


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No entanto, radicam-se no homem todas as realidades, e ao se impor como a questão de si mesmo, encontrará, irremediavelmente, o outro que não ele.
Dom Diógenes, como Unamuno, é um homem de seu tempo, que busca salvar a sua circunstância e com ela salvar-se a si mesmo. Ao chorar, num poema, as agruras de seu recém-nascido filho Victor, (hoje, um victorioso e saudável rapagão), chorava também as dores da alteridade, do próximo, do humano:




PRA QUE NÃO CHORES

(poesia pra Victor)

Porque a miséria, Victor,
tem o semblante da
morte
em vida que desponta
cadavérica e ameaçadora
como carvalho dês
aponta
no cerne da noite.

Porque a miséria, Victor,
faz disparar em
retirada
os sonhos que
por um,
por mil,
por milhões,
por infinitos... vãos desejos
se pretendem
sonhar!

Porque a miséria, Victor,
faz o seio do homem
inflar
de sangue-latino, latindo
como cão danado
uivo-desespero explodindo
inerte no ódio!

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Não escapará de si mesmo, tampouco do Deus em que acredita. Sua crença se apresenta sob certa tensão, certo embate interior com um cristianismo que professa crítica e crísticamente, quase dizia, unamunianamente. Bom exemplo disso é esse soco final, digo, poema final, que considero ser a obra prima de Dom Diógenes Afonso de Oliveira:
***


CAOSAGONIA: um acorde com ninguém.
*

Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu esbravejo matilhas ofegantes, espumando
Pela Caça Fugidia que desliza espectral
Dos ombros inefáveis de Deus.
*
Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu estremeço legiões de demonios, temendo
Pelo Tudo Distante que emerge seminal
Dos ombros inomináveis de Deus.
*
Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu... Que esbravejo por essa Caça,
Que estremeço por este Tudo,
Que enlouqueço por este Lugar-Nenhum,
Busco desbravar o labiríntico
Dessas sendas sem nomes:
Golpes golfando impotência
Diante dos ombros absurdos de Deus .
*
...........................................................(Diafonso).

Como arremate, trago esse poema de um homem que se confessa homem:


Ícaro (A vertigem)
Eis o homem:
Ícaro de asas amputadas
De alma pútrida...
Áptero... pávido...
Insano... sem dó... dor só!
Eis o homem!
Acordado sem acordes
Ccom os quais dançar
(dançarino do nada: dor só)
Eis o homem!
Acordado sem cor
Ccom a qual se pintar
(dândi do nada: dor só)
Eis o homem!
Acordado sem palavras,
Sem verbo,
Sem vida
Com a qual apodrecer
em seu túmulo caiado de trevas
(divindade do nada: dor só!)
Eis o homem:
Dançarino... nada!
Dândi... nada!
Divindade... nada!
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Eurico
06/06/07
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