Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, maio 30, 2009

Anima (uma presença não-dita)




O inefável
traz colares e pulseiras
e salta
desde um mundo elemental.

O inefável
traz a pele tatuada
e torna
público algum mistério essencial.

O inefável
cinge a fronte com segredos
e sob os pés
ostenta o círc'lo armorial

O inefável
não conhece os altos muros.
Desloca as coisas, abre portas, faz futuro.

O inefável
é essa anímica presença
que se respira
e ateia o fogo original.
***

“...O mito talvez seja o constructo psicológico e cultural mais importante de nosso tempo. (...) Em uma cultura comprometida com o mundo da matéria, o acesso ao mundo invisível – que o mito torna possível junto com seus dois principais instrumentos, metáfora e símbolo – nunca foi tão crucial, para permitir algum equilíbrio do espírito.” James Hollis

A propósito, já que a prosa tenta invadir o Eu-lírico, gerando a indesejável interpretação do autor sobre o poema, leiam algo que anda me fazendo a cabeça:

A Alma Ancestral do Brasil

******************************


sexta-feira, maio 29, 2009

Aurora brasílica (lenda junguiana)


imagens google

*
Eis a alva!
Mãe de antemanhã.
O Sol
era uma fruta madura
que respingava reflexos de ouro
sobre a pele verde da mata espessa.

Brilhava a aurora luminosa!
E o húmus guardava as raízes da vida.
*

Ao contemplá-la, assim,
desnuda e sem véus,
sinto aflorar em mim, a emoção mais longínqua.
Oiço, bem dentro, num sussurro de milênios,
u'alma feminina e ancestral.
*
Havia um ermo anterior,
antes mesmo que aqui aportassem
as naus dos povos do crepúsculo.
Guardo, nos meus cromossomos,
essa arqueologia remotíssima,
de vozes, de gestos,
de construções de sentido.
As percepções das gentes aurorais.

Sim, eis a alvorada,
mítica mãe de um Mundo imemorial!

Do ventre dessa terra prometida
eclodiam seres aquáticos...
Não haviam as paredes de então.
Nem essas babélicas edificações.
O Sol
andava em Peixes...
E havia apenas manhã.
Alva e fêmea.
Era mãe e mulher.
Nela eu estive ab origine.
Ali eu estava de pé!
***

terça-feira, maio 26, 2009

Femme nue, femme noire... - um hino de Léopold Sédar Senghor




























Femme nue, femme noire
Vétue de ta couleur qui est vie,
de ta forme qui est beauté
J'ai grandi à ton ombre;
la douceur de tes mains bandait mes yeux
Et voilà qu'au coeur de l'Eté et de Midi,
Je te découvre, Terre promise,
du haut d'un haut col calciné
Et ta beauté me foudroie en plein coeur,
comme l'éclair d'un aigle

Femme nue, femme obscure
Fruit mûr à la chair ferme,
sombres extases du vin noir, bouche qui fais
lyrique ma bouche
Savane aux horizons purs,
savane qui frémis aux caresses ferventes du Vent d'Est
Tamtam sculpté,
tamtam tendu qui gronde sous les doigts du vainqueur
Ta voix grave de contralto est le chant spirituel de l'Aimée

Femme noire, femme obscure
Huile que ne ride nul souffle,
huile calme aux flancs de l'athlète, aux
flancs des princes du Mali
Gazelle aux attaches célestes,
les perles sont étoiles sur la nuit de ta peau.
Délices des jeux de l'Esprit,
les reflets de l'or ronge ta peau qui se moire
A l'ombre de ta chevelure,
s'éclaire mon angoisse aux soleils prochains
de tes yeux.

Femme nue, femme noire
Je chante ta beauté qui passe,
forme que je fixe dans l'Eternel
Avant que le destin jaloux
ne te réduise en cendres pour nourrir les
racines de la vie.


Extrait de
" Oeuvres Poétiques"
Le Seuil

************************************

Tradução de Leo Gonçalves


mulher nua, mulher negra
vestida de tua cor que é vida, de tua forma que é beleza!
eu cresci à tua sombra;
a doçura de tuas mãos vendava meus olhos.
e eis que no ventre do verão e do meio-dia,
eu te descubro, terra prometida,
do alto de um alto colo calcinado
e tua beleza me acerta em pleno peito,
como o relâmpago de uma águia.

mulher nua, mulher obscura
fruto maduro de carne firme,
sombrios êxtases do vinho negro,
boca que bota lírica a minha boca.
savana dos horizontes puros,
savana que freme às carícias quentes do vento leste
atabaque esculpido,
atabaque tenso que rosna sob os dedos do vencedor
tua voz grave de contralto é o cântico espiritual da amada.

mulher nua, mulher obscura
azeite que não crispa nenhum sopro,
azeite plácido nos flancos do atleta,
nos flancos dos príncipes do mali
gazela de laços celestes,
as pérolas são estrelas sobre a noite de tua pele
gozo de jogos espirituosos,
os reflexos do ouro rubro sobre tua pele que rebrilha
à sombra de teus cabelos, se esclarece minha angústia
aos sóis próximos de teus olhos.

mulher nua, mulher negra
eu canto tua beleza que passa,
forma que fixo no eterno
antes que o destino cioso
te reduza a cinzas para nutrir as raízes da vida.

*****************************

A tradução é de LEO GONÇALVES, na REVISTA RODA, Nº1.
O poema é do senegalês LÉOPOLD SÉDAR SENGHOR,
considerado o grande hino do continente africano.
Para ver o belo sítio de origem,
CLIQUE AQUI.
Fonte da tradução:
http://www.salamalandro.redezero.org/categoria/leopold-sedar-senghor/page/2/

domingo, maio 24, 2009

Tantãs - (uma celebração)






Dionisos é negro e dança em transe,
Vertiginosa dança com seus mitos.
Escuto o som distante:
Tum dee dee dum!
Maracatumbam tambores:
Tum dee dee dum, dee dee dum!
Vozes líquidas vazam dos casebres
onde se dança à transmutação.
Abro a janela,
instante numinoso,
júbilo de concelebração:
Tum dee dee dum a um Pã universal!
Sem guante a africana gesta e um falo
fecunda intensamente a natureza.
Regaço, cosmos, mãe, força telúrica:
Deus é um útero,
um dentro, um aconchego.
E solto Dionisos dança negro,
abandonado à ondulação da vida,
vertiginosa dança com seus ritos:
Tum dee dee dum
com alegria cósmica,
voz de tambores, noite suburbana.
Sambarrebatamento nos barracos
e percutidos gritos ao Infinito!



***


Eurico
Poema publicado originalmente
no zine Eu-lírico n.º 4, Ano 1995,
em Edição comemorativa dos 300 anos de Zumbi
Fonte da imagem:



****************************


Nota do editor:
O motivo dessa reedição do poema Tantãs
é a total falta de espaço na mente para poetar.
Ando com a cabeça, o corpo e os membros
todos dedicados a pensar o projeto do
Ponto de Cultura Almirante do Forte.
Lá estou eu a produzir um roteiro para um curta,
uma cartilha com a história do maracatu para as crianças,
um álbum iconográfico/documentado sobre as origens grupo,
uma grife afro para gerar renda extra,
e já planejando o carnaval 2010.
E tudo isso é a primeira vez que faço na vida.
Entenderam porque não tenho postado?
rsrsrs


Em tempo:
e corrigindo um lapso da primeira publicação,
o poema é dedicado ao poeta e político senegalês,
Leopold Sedar Senghor (1906-2001)
****************************

quinta-feira, maio 21, 2009

Ode quase bíblica - César Leal





















Guernica em 3D (fragmento)




Poetas, é preciso falar a Gog, príncipe
de Mosoc e de Tubal!
Podres estão os frutos da vinha de Baal-Hamon
e eis que é chegado o tempo do Dragão
anunciado pelos profetas


Cantemos a copiosa luz dos corações


e a paz, a paz cantemos,
que não há beleza nos monumentos em chamas,
em mulheres evaporadas
no vórtice das bombas apocalíticas
nos esqueletos cobertos de sono e cal.


Cantemos a paz das longitudes altíssimas,


a paz querida pelas mães e meninos e poetas
que todos desejam viver e amar.


Não cantemos a paz armada, ofertada


pelos canhões,
pelos tanques
e foguetes balísticas, that false peace
That masquerades between the troughs of seas
Deceives in the silence between earthquakes,
or he lull
Between atomic bombs.


Ai de nós!


Os barbitúricos já não limitam o desespero da
Terra
Montanhas se povoam de centauros
e por toda a paisagem noturna
há bazucas, morteiros e canhões
desafiando as estrelas com suas bocas de ferro.


Cantemos a paz, não


cantemos a paz de cinzas — que é triste —
a paz dos mausoléus, a paz
ofertada pelo Dragão
aos meninos de Hiroshima a Nagazaki.


... Peace is the pull


Towards the motion of tree, star and stone,
The contented rhythm of the child at the nipple
The moment of surrender after union.


Poetas, perdoai as rudes notas


deste canto:
— é que meu coração registra um pranto escuro,
o compassivo pranto das mães
cujos filhos foram soprados na Guerra
como lâmpadas. Choram
e não lhes ofereço o mistério de meu canto
porque os olhos são portas
por onde saem fluindo da memória
os recordos mais tristes.


Deixai-as chorar os filhos


sacrificados a um século de Bronze,
pleno de asas, motores e disparos.


Que retornando


aos meus abrigos secretos
como quem foge aos punhos de um bombardeio
ouço o estalar de granadas
em minhas arquiteturas cardíacas.


Cantemos a paz, aspera


tum positis mitescent saecula bellis, a paz


longínqua das estrelas,
o vôo do sol erguido sobre o porto
o lento crescimento dos arbustos
a luz descida nas montanhas
mas não louvemos a paz dos Rosemberg
carbonizados na elétrica tortura.


É preciso crer na paz
— tranqüila em sua esperança
altiva em sua vontade.

************************************

César Leal

Poeta, crítico de poesia, graduado em Filosofia e jornalismo, título de NS Notório Saber. Parecer 242 / 80, do Conselho Federal de Educação, professor de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Pernambuco.
Fonte do texto:
http://www.revista.agulha.nom.br/cleal2.html#ode

Fonte da imagem:
http://spaceinvaders.com.br/wp-content/uploads/2008/05/guernica1.jpg

**************************************

terça-feira, maio 19, 2009

GEOGRAFIA DO CAMPO SOBERANO - Audálio Alves




Venhas, por onde quer que venhas,
seguindo o mugir dos bois,
encontrarás o Nordeste
- inda Nordeste.
Depois
Recife,
Tabocas, Rio Formoso,
Igarassu, Cabedelo,
Sirinhaém, Porto Calvo
- seus ares calvos ainda:
os ventos de cabeleira
são do Nordeste, os de Olinda.
Aí já então preso aos lugares,
por guia tomes os mares
(não o ar que erra).
Logo,
terra verás
além
bastante acima da terra:
um arraial
construção de ar, conexão de alturas
-visão
do ar batido sob a luz mais pura:
Palmares.
Antes vontade e hoje imaginação
agora campo de bois, de incerto fumo e feijão
e outrora
cercos reais madurando
cereais da liberdade.
Venhas.



******************************************

Fonte do poema:
http://www.interpoetica.com/audalio_alves.htm

Audálio Alves
(Advogado, jornalista e poeta)
1930-1999
Advogado, jornalista e poeta, nasceu em Pesqueira, a 02/06/1930. Foi diretor de assuntos culturais da Fundação de Arte de Pernambuco (Fundarpe), assessor jurídico do Ministério do Trabalho e diretor do suplemento literário do Jornal do Commercio, Recife.

Membro da Academia Pernambucana de Letras. Vários livros publicados, entre os quais "Caminhos do Silêncio", "Princípio Áspero de Uma Canção Sem Terra - Canto Agrário", "Canto Soberano", "Canto Por Enquanto". Morreu no Recife a 08/04/1999.

Fonte da microbiografia:

http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1579.html


Fonte da imagem:
www.panoramio.com/photos/original/18527450.jpg

***

segunda-feira, maio 18, 2009

Momento - Augusto Frederico Schmidt




















(imagem do google)


Desejo de não ser nem herói e nem poeta
Desejo de não ser senão feliz e calmo.
Desejo das volúpias castas e sem sombra
Dos fins de jantar nas casas burguesas.

Desejo manso das moringas de água fresca
Das flores eternas nos vasos verdes.
Desejo dos filhos crescendo vivos e surpreendentes
Desejo de vestidos de linho azul da esposa amada.

Oh! não as tentaculares investidas para o alto
E o tédio das cidades sacrificadas.
Desejo de integração no cotidiano.

Desejo de passar em silêncio, sem brilho
E desaparecer em Deus – com pouco sofrimento
E com a ternura dos que a vida não maltratou.


**********************************

"Há dias que não sei o que se passa, eu abro o meu Neruda e apago o sol", dizia Vinícius... os mais engajados vão dizer que isso é resignação, autocomiseração, mas, hoje, entendo bem o que sentia o Poetinha, nesses momentos. Senti, por esses dias, algo assim como descreve o Augusto Frederico Schmidt.

********************************

SCHMIDT, Augusto Frederico. Antologia Poética. Seleção de Waldir Ribeiro do Vale. Introdução de Bernardo Gersen. Rio de Janeiro: Leitura, 1962.

Sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Frederico_Schmidt

Fonte do texto:
http://jamesemanuel.blogspot.com/2008/01/augusto-frederico-schimidt-3.html

Fonte da midi voice:
Charles50tao.com.br






***********************************



quarta-feira, maio 06, 2009

UMA CRIATURA - Machado de Assis






















Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.


********************************************
Taí, Rosimeri Sirnes, um poema de teu conterrâneo,
só pra te mostrar a punjança desse incomparável vate,
em cujo estro a Língua-Mátria se engrandece.
Quem sou eu, menina, diante desse Mestre?

********************************************

Fonte da mid: (do tb conterrâneo da Rosi, Gonzaga Jr.)
http://www.belasmidis.com/Nacional/Gonzaguinha/OQueEOQueE.mid


Fonte da imagem
:
http://luaafricana.blogspot.com/2007_09_01_archive.html

Fonte do texto:
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/machado_de_assis.html


********************************************

terça-feira, maio 05, 2009

Das Dores (um pretexto para ouvir os Beatles)




















...................................a Lennon e McCartney



Das Dores era uma mulher solitária.
Habitava uma casinha de taipa no sertão do Exu,
E criava muitas cabras, todas pretas, soltas pela caatinga.

Só costumava ir à missa
nos dias em que havia casamento,
a ver se conseguia pegar o buquê.
Nesses dias o velho padre lhe falava da salvação da alma.

Flores na mão, seguia rindo,
pela estrada empoeirada.
Ria muito, aquela mulher, casta e solitária.
Ria, não se sabe de quê.
As cabras a seguiam, em cortejo, comendo as flores murchas.

Quando morreu não havia ninguém no enterro.
As cabras não vieram: não houve flores.
Somente o vulto de uma cadela, preta e triste, rondava o campo santo.

O velho pároco recitou um trecho do Sermão de Santo Antonio aos Peixes, à beira da cova rasa.
“Vos estis sal terrae...”
Um inútil sermão para uma alma extinta e breve.

Que o sal dessa terra seca lhe seja leve...





***************************************

Eurico uma releitura livre e
ditada pela emoção que sinto ao ouvir
Eleanor Rigby.

Mormente, ao ler a versão da Cássia Eller.

Moral do poeminha:há solidão em qualquer lugar,
em Liverpool
ou no Exu.

**************************************


Fonte da imagem: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/uploaded_images/foto-vidas-secas-777846.jpg


Releia DAS DORES, ouvindo Eleanor Rigby






*************************************

segunda-feira, maio 04, 2009

Beach Soccer lírico (o Fenômeno)



















Quando o mar arrebenta nos recifes
Do litoral da minha terra
As ondas tentam articular uma palavra.
(percebo isso, nitidamente,
num súbito acréscimo de receptividade)

Sempre...
balbucia a arrebentação.

Caminho por essas praias há muito tempo.
Costumo apalpar os grãos de areia com as pupilas.

Estranho fenômeno.

Sinto o fulgor da presença das coisas.
E isso assusta a minha frágil individualidade.

Estou no fenômeno.

Tocar as coisas com as palavras. Impossível.
Tocar as coisas é fazer filosofia.
Mas sou profundamente lírico.
Fenomenologicamente lírico.
Não há lirismo em epoché.
Minha consciência, irredutível,
abraça-se às coisas, liricamente:

Eu sou o fenômeno.

Os infantes jogam a péla secular,
Chutes de viés cruzam o horizonte.
E eu apreendo algo de musical,
nas variadas combinações dessa opereta de praia.
Danço com eles, volições entre parênteses,
eu-inteiro, agarro-me à pelota.
Impossível suspender o juízo que faço de mim e das coisas:
Sou o próprio juiz que joga o jogo.

Sou a irrevogável consciência-das-minhas-circunstâncias.

As sensações são esses pequeninos crustáceos marinhos.
Ora afloram, ora escondem-se em mim.
Certas vezes empalideço de emoção, com a arte de um lance .
Mas choro mesmo, ao ver crianças tão raquíticas;
Me arreto, quando as ondas levam a bola.

A bola rola e o planeta.
Passam-se as horas.

Agora a tarde cai sobre meus ombros
E sei que estou me despedindo das paisagens daqui.
(Sou o que vejo.)

Sinto-me um preso
Rumo ao degredo.
As ondas, ou algo indefinível,
Tentam iludir-me, ainda,
sussurrando essa palavra.

Sempre...

Fonte da imagem:
http://www.flickr.com/photos/namourfilho/2208612063/

sábado, maio 02, 2009

Des/Construção Civil (uma elegia pós-moderna)




















É público e notório
Que os bebês já trazem no genoma
A vulnerabilidade ao irreversível coma...

Mas Ela cobria-me de mimos
E recitava-me o anjo da minha guarda
Antes de eu dormir
Me fez amar os clássicos infantis.
Acalentou-me com Esopo e La Fontaine.
Condicionou-me a ler Perrault,
E os Irmãos Grimm.
Abriu-me pra amplidão de Lewis Carrol...
Tinha o fascinante dom de me induzir.
Ela é, hoje,
Essa ternura ingênua que há em mim.

Ele mostrou-me a régua e o compasso,
Situou-me, geometricamente, no espaço,
E, se eu não fosse esse pêndulo
Que gravita em descompassos,
Talvez até herdasse seu avental iniciático.

Mas, cedo descobri a lua,
A rua,
E a moça nua...
E esse código secreto e cabalístico
Com que vos surpreendo.
E cedo abandonei os velhos alicerces:
Poesia não tem paredes
Nem carece.
A ventania vai aonde lhe apetece...

Tornei-me pássaro
Pra meu bem e pra meu mal.
E habito em lar instável e virtual.
Dizem que
“passarinho que vive em bambuzal
constrói seu frágil ninho no vendaval”

Pássaro, agora não sei mais de mim
Ora, vôo às palavras ,
Ora, adejo às coisas...
Sou mesmo um pêndulo que oscila
Entre Foucault e Hölderlin;
Um ente coagido e controlado
Com andaimes, feito um prédio inacabado.
Essa coisa que não se vê
E nem se sustenta sobre vigas-mestras
Essa coisa sem utilidade
E sem arestas.

O que erigiram em mim?

Mas Ela ainda me quer numa redoma.
E Ele me alerta dos cuidados com o glaucoma.
Queriam que eu estivesse protegido
Das crendices
Da influenza
Do homem-bomba.

Inutilmente, Eles fingem não saber
Que esses tapumes obliterando a realidade
Escondem apenas a dor da finitude.

(Como esconder-se desse entrópico linfoma?)

É consabido, e ninguém mais se ilude,
Que os bebês já trazem no genoma
A vulnerabilidade ao irreversível coma.


Fonte da imagem:
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2007/09/10/297671312.asp