Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

segunda-feira, maio 04, 2009

Beach Soccer lírico (o Fenômeno)



















Quando o mar arrebenta nos recifes
Do litoral da minha terra
As ondas tentam articular uma palavra.
(percebo isso, nitidamente,
num súbito acréscimo de receptividade)

Sempre...
balbucia a arrebentação.

Caminho por essas praias há muito tempo.
Costumo apalpar os grãos de areia com as pupilas.

Estranho fenômeno.

Sinto o fulgor da presença das coisas.
E isso assusta a minha frágil individualidade.

Estou no fenômeno.

Tocar as coisas com as palavras. Impossível.
Tocar as coisas é fazer filosofia.
Mas sou profundamente lírico.
Fenomenologicamente lírico.
Não há lirismo em epoché.
Minha consciência, irredutível,
abraça-se às coisas, liricamente:

Eu sou o fenômeno.

Os infantes jogam a péla secular,
Chutes de viés cruzam o horizonte.
E eu apreendo algo de musical,
nas variadas combinações dessa opereta de praia.
Danço com eles, volições entre parênteses,
eu-inteiro, agarro-me à pelota.
Impossível suspender o juízo que faço de mim e das coisas:
Sou o próprio juiz que joga o jogo.

Sou a irrevogável consciência-das-minhas-circunstâncias.

As sensações são esses pequeninos crustáceos marinhos.
Ora afloram, ora escondem-se em mim.
Certas vezes empalideço de emoção, com a arte de um lance .
Mas choro mesmo, ao ver crianças tão raquíticas;
Me arreto, quando as ondas levam a bola.

A bola rola e o planeta.
Passam-se as horas.

Agora a tarde cai sobre meus ombros
E sei que estou me despedindo das paisagens daqui.
(Sou o que vejo.)

Sinto-me um preso
Rumo ao degredo.
As ondas, ou algo indefinível,
Tentam iludir-me, ainda,
sussurrando essa palavra.

Sempre...

Fonte da imagem:
http://www.flickr.com/photos/namourfilho/2208612063/

10 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Tu és um EU_RICO e és EU_Lírico e és nada disto e és tudo isto e muito mais que isto, simplinho assim? Ou eu é que estou em um de meus surtos de extra-terrestre hiper sensível e percebo-te absolutamente integrado em tuas consciências?

Me diz que eu não sou uma alienígena nesse mundo no qual temos que dar um jeito de ir sendo, por vezes uma vida besta em que seres humanos libertários da melhor estirpe se libertam e enquanto isto outros igualmente excepcionais vão ficando à margem do que se constitui por ai, me diz, EURICO, EuRico!?

Porque eu já estou só pele nem mais flor e chego aqui e te leio mar numa sonoridade de arrebentação perfeita em que cheguei a ouvir o mar arrebentando nos corais e arrecifes e eu, arrebentada nesse mesmo SEMPRE que em mim nem é tão lírico ou belo como o som que o mar grita quando se esprai...

E te leio mar, ar, areia, grão de areia, e tudo e muito e tanto e mais e muito mais que nem sei e choro e você e a Paula estão me matando de saudade dos mares de minha terra...

Ai, Eurico, que coisa é essa?
Que será que me dá? E eu te leio e fico apoplética diante de um Mestre... Caramba isso é pura, pura filosofia. Isso é uma aula generosa de anos de filosofia...

Consciência de Mundo, Consciência cósmica E que alma linda, és.
Meu Deus! um deus...
Ôuxi! Assim me matas e logo ...

Eurico, para com essa graça, vai.
Tu acabas de condensar um curso inteiro de filosofia aqui e sabes o que é mais lindo?
É nisto que eu creio. Filosofia prá mim é isto é ação, vida, chão que se pisa e nada de livro empoeirando na estante. É dia cotidiano e gente e tudo...

Deixa...Esquece...Eu sou uma viajante delirante-amante...

E hoje que a Kelly me perdoe mas eu beijo você. E aproveita e seca a lágrima .
Mai

Dora disse...

Eurico. Hoje vislumbrei o Eu-lírico. Mesmo.
Na paisagens das ondas, o "Eu" dá voz à Natureza: ouve com nitidez ..."Sempre"...
Apreende os fenômenos e se insere neles, com a hiper sensibilidade à flor da pele, eis o "lírico"!
Não há "epoché", ou estado de repouso mental, que deixa o mistério passar ao largo. A apreensão se faz imediata pelos sentidos todos do "sujeito" que se dissolve nas coisas...
Vislumbrando um jogo de futebol(ou uma "pelada" infantil) se envolve nele e não pode conter o juízo e a com-paixão pelas crianças "raquíticas" que se divertem.
E os fenômenos se sucedem: a bola e o planeta rolam.
Ao retirar-se da contemplação da natureza, o enlevo se esvai: "sou o que vejo". O sujeito se retira e a cena não existe mais dentro dele.
Em verdade, o sussurro das ondas é apenas a ilusão subjetiva. Talvez elas nem digam: "sempre"...
Um poema confessional do próprio lirismo tão apaixonado e denso que mistura o observador lírico à fenomenologia do mundo. "Ele" se torna o fenômeno.
Achei lindo! Mas, a interpretação é totalmente "subjetiva". Vale?
Beijos, poeta!
Dora

Jacinta Dantas disse...

Ver-se no dentro e no fora, parte e todo. "Sou o que vejo". É isso.
É...
você e o Dauri estão em sintonia, fazendo rede.
Um abraço

PS: hoje, coloquei um pedacinho do Eu-lírico no meu jardim.

Dauri Batisti disse...

Rumo ao degredo... é... Mas a ida para o degredo não nos tira o olhar. Olhar até para pequenos grãos, crustáceos pequeninos, ondas. O Transitório ganha faces de Sempre.

Um abraço.

lula eurico disse...

Primeiro a minha irmãzinha Mai:
cuidado com o que dizes de teu amigo d'infância. Não há aula aqui. Há reflexos de leituras, como pequeninos espelhos latejando ao longe. Nunca fui um estudante sitemático de nenhum filósofo. E não posso, nem devo aceitar, mesmo como elogio generoso, essa idéia de aula. Uma brincadeira com as palavras, isso sim. Uma coisa lúdica, de um bibliodidata, como diz meu compadre Carlinhos do Sítio d'Olinda rs Um apanhado de fragmentos aqui e ali, não pode, nem deve ser tomado por aula. Brincadeira lingüistica. E até meio presunçosa, mas presunção de criança que aprendeu novas palavras e quer mostrar aos adultos. kkkk Isso aqui no nordeste se chama "amostração". kkkk

Abraço fraterno e grato pelo teu entusiasmo com o texto.

lula eurico disse...

Dora! Que bom vc por aqui de novo...
Sim, Dorita Vilela, sim. Subjetiva como toda a interpretação. Impossível não sermos subjetivos, sendo sujeitos. Disso tb trata o poema.
Até os textos, penso eu, mais impessoais, aquelas teses que usam os "saliente-se", "entende-se", e outros afins; até ali há um sujeito mascarado, meio ridículo, querendo esconder a sua "pessoalidade"; por isso, talvez, tão insípidos.
Bem, aqui se fala de poesia...
Não de teses.

Grato pela tua, sempre esperada, visita.

Abraço fraterno.
Sobre o conteúdo do comentário, já sabes: tu me devassas o texto...

lula eurico disse...

Jacinta, menina do nome de flor. Vou lá no teu jardim, pois a minha vaidade não resiste aos mimos! Ando com o ego superinflado e devo isso, em parte, a vcs. A maior parte a minha enorme ilusão de que valho algo...


Abraçamigo e fraterno.

Sueli Maia (Mai) disse...

Mais cresces em meu coração.
Quem sabe,afirma o não saber e se diz nada saber porque deseja saber. Tudo bem, posso ter mais cuidado em meus devaneios...
Mas disto que eu sinto não preciso ter cuidado algum. Eu sinto.

Carinho, Mai

lula eurico disse...

Dauri, irmão meu de frátria, de mátria, da mesma e una tribo "espiritual"! O transitório é o eterno. Essa fugacidade é o sempre. E nisso ecoa o Lulu Santos... "como uma onda no mar". A onda muda, o mar não. Mas o mar é feito de águas e de ondas. O mutável é o que permanece.

Mas, o que estou eu a dizer. A brincar com paradoxos, é o que estou a fazer.

Por isso, receba o meu abraço que agora vou navegar pelos blogues amigos.

dácio jaegger disse...

Fez-me lembrar, no onírico (in) desejo o que canta Jota Quest : “Quero te ver seguir em frente, daqui pra sempre
Te proteger do frio ao menor sinal de tempestade
E depois da chuva apreciar contigo o arco-irís próximo
Quero acreditar em você como acredito em mim. Um abraçAmigo, caro Eurico.