Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, maio 02, 2009

Des/Construção Civil (uma elegia pós-moderna)




















É público e notório
Que os bebês já trazem no genoma
A vulnerabilidade ao irreversível coma...

Mas Ela cobria-me de mimos
E recitava-me o anjo da minha guarda
Antes de eu dormir
Me fez amar os clássicos infantis.
Acalentou-me com Esopo e La Fontaine.
Condicionou-me a ler Perrault,
E os Irmãos Grimm.
Abriu-me pra amplidão de Lewis Carrol...
Tinha o fascinante dom de me induzir.
Ela é, hoje,
Essa ternura ingênua que há em mim.

Ele mostrou-me a régua e o compasso,
Situou-me, geometricamente, no espaço,
E, se eu não fosse esse pêndulo
Que gravita em descompassos,
Talvez até herdasse seu avental iniciático.

Mas, cedo descobri a lua,
A rua,
E a moça nua...
E esse código secreto e cabalístico
Com que vos surpreendo.
E cedo abandonei os velhos alicerces:
Poesia não tem paredes
Nem carece.
A ventania vai aonde lhe apetece...

Tornei-me pássaro
Pra meu bem e pra meu mal.
E habito em lar instável e virtual.
Dizem que
“passarinho que vive em bambuzal
constrói seu frágil ninho no vendaval”

Pássaro, agora não sei mais de mim
Ora, vôo às palavras ,
Ora, adejo às coisas...
Sou mesmo um pêndulo que oscila
Entre Foucault e Hölderlin;
Um ente coagido e controlado
Com andaimes, feito um prédio inacabado.
Essa coisa que não se vê
E nem se sustenta sobre vigas-mestras
Essa coisa sem utilidade
E sem arestas.

O que erigiram em mim?

Mas Ela ainda me quer numa redoma.
E Ele me alerta dos cuidados com o glaucoma.
Queriam que eu estivesse protegido
Das crendices
Da influenza
Do homem-bomba.

Inutilmente, Eles fingem não saber
Que esses tapumes obliterando a realidade
Escondem apenas a dor da finitude.

(Como esconder-se desse entrópico linfoma?)

É consabido, e ninguém mais se ilude,
Que os bebês já trazem no genoma
A vulnerabilidade ao irreversível coma.


Fonte da imagem:
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2007/09/10/297671312.asp



19 comentários:

Dauri Batisti disse...

Caramba Eurico.

Que coisa linda. Há neste teu poema uma proximidade com o modo que escrevo, talvez por isso eu tenha gostado tanto, visto que funcionou como espelho, ou palavra de irmão, de quem fala o mesmo dialeto.

A proximidade está em pequenas coisas, pois longe estou deste capricho e dessa erudição sem orgulho que demonstras.

Acabei de escrever um "isso" que se utiliza de imagens semelhantes a estas tuas: "Essa coisa que não se vê
E nem se sustenta sobre vigas-mestras" Eu disse: A poesia
esteia pontes, ainda que precariamente.


Um abraço.

lula eurico disse...

Home, que história é essa, óxente!
Só soltando o meu sotaque pernambucano pra vc lembrar que sou eu, Dauri. Menino, eu num sei de nada não. Só li meia dúzia de livros. Nem tenho formação superior.
Deixa eu te fazer uma inconfidência. No meu trabalho eu não fui alçado a chefe por conta disso... por não possuir diploma.
Estou pagando por não ter obedecido aos meus pais. rsrsrs Quer, dizer, não obedeci ao estabelecido. Não fui óbvio. Fui rebelde a essa Matrix que tem no âmago a entropia.
kkkkk
Só se rindo, meu irmãozinho Dauri, vc escreve 'issos' que serão, em breve, perscrutados pelos críticos literários. Eu digo coisas óbvias. Cadê o novo em mim?

Abraço fraterno e vou lá ler vc.

Sueli Maia (Mai) disse...

Má. Né parada?
Ôuxi! ... Taquepariu Eurico que coisa mais linda que linda que linda foi essa palavra escavada de um veio d'ouro profundo do teu coração que adentrou o meu?!

Baralho!
Tu és Flórida!

Eurico do céu da terra, do mar, eu estou sem ar...
AGORA, EU ME ARRETO É COM ESSE TROÇO DE NÃO TE ALÇAREM À LIDERANÇA POR CONTA DE UMA CERTIFICAÇÃO BESTA...

Eurico, o saber, a filosofia, não estão em teorias mas na ação, no viver. E é isto que te faz Doutor.

Vou te mandar um link onde vais resolver este problema, rapidinho.

Imenso, gigantesco abraço.
Cadê o meu livro?
Hoje eu pedirei desculpas à Keli, mas beijo você.

Mai

lula eurico disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lula eurico disse...

Sabe, Mai,
Eu trabalho em um tribunal de justiça, e por lá há muito pouca poesia rsrsrs
O que acontece é eles são medievais, melhor dizendo, nominalistas, formais, e burrocratas. Eles aproveitam as minhas idéias, me aplaudem, me pedem sugstões, mas quando o meu nome foi em uma lista dupla para assumir o lugar da Chefe, lembra? Aquela com Alzheimer. Pois é. Declinaram do meu nome. E não fiquei triste. Eu iria ter de submeter à burrocracia. Eles, se fossem uma empresa privada, estariam falidos. Melhor, seriam todos demitidos. kkk Sabem julgar? Mais ou menos.
Mas, administrar... São feudais, naquilo que os feudos tinham de pior. Pulei uma fogeira.

Bem aqui é lugar pra falarmos de literatura. :)

lula eurico disse...

MAi,
leia-se fogueira, onde escrevi fogeira. kkk

Dora disse...

Eurico. Nascemos destinados à aniquilação e à morte.
Somos "condicionados" desde a infância, desde a ternura materna que "adquirimos"( e nos faz tanto bem!) ou desde os "amoldamentos" paternalmente sugeridos(seriam "adestramentos"?).
Mas, o genoma propicia, para além dos condicionamentos e predestinações, um jeito peculiar, próprio, único, que nos habita, como ao poeta desse canto:"tornei-me pássaro/pra meu bem e prá meu mal"...
Os cuidados e precauções, as ilusões , continuam, a nos cercar, mas nada impede o poeta de seguir sua sina.
E mesmo o maior Amor, sendo huamano, pode enganar a transitoriedade da existência.
Beijos.
Dora

lula eurico disse...

Tema árido né, Dora. Fase estranha. Sou cíclico e um blogue me denuncia. Essa oscilação me mete medo. rsrsrs
Bem, há algo de bom nisso. Daqui um pouco vejo uma flor e... tanatos foge feito um coelho assustado.

Só pra concluir:
será que o genoma vai permitir uma arqueologia biológica da raça humana?
Explico-me: a nossa civilização vai dizer a que veio, pelo hieroglífico código do genoma?

Que venha logo a pequenina flor!
Preciso mudar esse tema. rsrsrs

Abraçamigo, Dora.

Jacinta Dantas disse...

Dizer mais o quê?
A vontade humana de explicar e de entender, por vezes ignora o que existe para além do que se vê. Seres que somos, incompletos, nascemos e somos colocados num universo de possibilidades. E, sabendo-nos seres com um dia marcado para, como dizia meu pai, "apear", vamos nos moldando. Ainda bem que existem os Euricos!
Beijo e bom domingo

PS: Tem um poema seu que gostaria de publicar no florescer. Você autoriza?

lula eurico disse...

Claro que autorizo, Jaci.
Faça deste blogue sua segunda casa.

Qto ao além do que se vê... creio que deve existir algo maior. O Universo é tão imenso em extensão, que deve haver outra dimensão, maior, que albergue essa em que estamos. Creio que sim, sou crístico, para além de cristão.

Paz e fraternidade.

Luis Eustáquio Soares disse...

olá, eurico, tem poema n(ovo) no meu blogue, esperando a leitura-ternura, sua sua maestra mãe,
em seu olhar...
saudações,
luis de la mancha

lula eurico disse...

Socializo aqui comentário que fiz no blogue de meu mestre e padrinho na blogosfera, por questão de altruísmo intelectual e de filiar-me à sua visão da contemporaneidade:

"Entendi pq vc me foi convidar a ler esse poema. Ou acho que entendi. Mestre, nós falamos da mesma coisa. Vou te confessar o que está por trás daquela (Des)construção civil, correndo o risco de o poema perder a sua estranheza:
Bem, aquela mãe e aquele pai são os pais de milhões de seres, são os pais da nossa civilização machista e patriarcal. Essa q vc detona em seu Crise Sistemica. Eu fiz o poema na primeira pessoa, pq falo do que tenho de mais concreto, a minha própria formação, mas a desconstrução civil questiona o processo civilizatório.
O entrópico linfoma do meu poema é a metástase no teu Crise Sistêmica; parece que estamos no ventre da mesma baleia.rs
Em um verso magistral, vc coloca, com a lucidez de sempre, que:
"...a liberação total
deve ocorrer fora da casa grande patriarcal
na aberta casa, ela deve acontecer..."
E é desse sentimento que padece o eu-lírico do meu Descontrução Civil.
É Mestre Luís, não foi à toa que parodiei o teu "tiziu no bambuzal". Há uma mesma compreensão da contemporaneidade em nossa obra.

Deixo-te um abraço cheio "de fios a entretecer na aberta casa". E sonho pra lá do tempo
"quando tudo for gestação
de mais-valia
sonhal"

E viva Augusto Boal!

Nota: visitem o Cor Vadia e façam a leitura do incendiário poema Crise Sistemica, do mestre Luís Eustáquio Soares.
Cliquem no nome dele acima.

Abraço fraterno, Mestre!

Luis Eustáquio Soares disse...

querido eurico, que somos contemporâneos porque a poesia se dá no estado civil das contradições e nas contradições do estado civil, sendo este o nosso horizonte poemático, na linha de wittegestein; por isso a desconstrução civil,a da civilização do valor patriarcal, da mais-valia do mesmo, belicosidade e estado de exceção, pra manter a ilha da fantasia de poucos.
penso em fundar um partido, ou, dizendo de outro modo, de colaborar pra fundação de um partido. te convido a esse desafio,a construirmos, poieticamente. se chamará pés, partido do ecossocialismo...
conversemos a respeito...
meuabraço,
luis de la mancha

lula eurico disse...

Já estamos partidos, Mestre. Preciso então me "inteirar" no ecossocialismo. E já tenho a proposta de que as utopias da economia solidária façam parte de um programa de partido.
Mas o meu partido é um coração partido.

Conta comigo para conversarmos. Meu msn é
eu_lirico@hotmail.com

Abraços solidários.

lula eurico disse...

Que é isso! Vc deve falar no tema sim! É preciso que a gente faça essa reflexão. Pq as pessoas estão desistindo de viver aqui. Precisamos mudar. VC faz bem em abordar esses temas.
Não foi fácil, mas convivo em paz com a situação e ele está mais amadurecido e feliz com um curso de computação gráfica que faz. Parece que a arte vai dar sentido à vida dele.

Abraço sempre fraterno.

Jens disse...

Oi Eurico.
O poeta se revela e faz com que quem o lê também se descubra. É a poesia iluminando mentes e corações.
Um abraço.

lula eurico disse...

Grato, Jens. Vou tentar adquirir o livro da Grace.

Abraço fraterno.

Regina Coeli Carvalho disse...

Olá
Nesta construção Ele e Ela deixaram alicerces sólidos de ternura.
Carinhoso abraço.

lula eurico disse...

Grato, Regina do Céu.