Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, dezembro 30, 2009

UM ABRAÇO FRATERNO!!!





Que venha a nova translação!
Giremos com ela e nela
façamos alegres piruetas,
a cada 24 horas,
durante 365 novas rotações.
Vivamos, pois, o novo Ano!
E que o mundo seja mais fraterno nesse 2010!!!


Clique e ouça: Jesus Alegria dos Homens - Bach

sábado, dezembro 05, 2009

ALLANA (uma criança índigo)



















A criança vê fundo e antes,
um mundo feito em relações desconcertantes.
Faz a eternidade,
agarra o instante,
consegue ver até, olhos ausentes,
o modo sutil,
em que do sono da brasa, latente,
brota o mel...

A criança é mãe do sonho,
sabe os secretos sentidos,
tem a ciência da fauna
e a presciência da flora.
Conhece o segredo antigo
que da pequena semente
faz surgir o baobá.

Os gregos chamavam physis
e os romanos, natura;
e a criança, sem dar nomes,
brinca com as coisas futuras;
desmonta o reino dos homens,
governa o reino do céu,
paira com D'us sobre as águas,
toma banho de chapéu.

A criança doma o medo,
rasga o finíssimo véu
sobre o sentido da Vida:
Só ela sabe o segredo,
o indizível segredo,
com que a brasa gera o mel.


***

Brinca com o amigo invisível

e me faz brincar também
Vejo em sua aura azulada
a esperança que me vem
num mundo novo futuro
de harmonia, paz e bem...


**********************




Em tempo:
a foto de Allana foi feita pela Paula Barros, ano passado, enquanto assistíamos ao Baile do Menino Deus, auto natalino que é apresentado no Recife Antigo. Allana olha fixamente para o palco, onde dança o Zabelê, linda criatura imaginária, que vem visitar o recém-nascido.

segunda-feira, novembro 30, 2009

MARYAM (a des/ilusão)




























Beatus venter qui ti portavit
et ubera quae suxisti...(Lc XI,27)


Ave, Senhora!
Mãe cósmica e arquetípica!
Bendito ventre de luz,
oceano aminiótico em eterna madre,
Salve, tua miraculosa conceição!

Ave,
Rosa mística,
Cheia de bem-aventurança,
Rogai por nós, nessa senda,
e retirai essa venda
que nos impede a visão.

Ave, Amada Senhora,
a nossa alma te implora,
que o véu da ilusão nos caia,
e que o ego livre de maya,
possa voar da prisão...

sexta-feira, novembro 27, 2009

MAYA (a ilusão)




Porque agora vemos por espelho, em enigma...
..............................1 Cor 13:12



Observo-me:
tez que desbota,
em azul longínquo;
Ilíquido.
Um caule acúleo
e a dor, raízes submersas.

Abrem-se as pétalas,
as asas,
as existências:
anjo em processo,
buda em devir.

Observo-me:
flor improvável,
realidade azul;
Ilíquida...
A eternidade pende desse instante.

O agora é flor, lotus pulsante.
D'us é o processo.
Eu, devenir...


***

quarta-feira, novembro 11, 2009

ALCYONE (monocromia índigo)






Falando Deus a Jó, disse-lhe:

(...) Poderás tu ajuntar as delícias do Sete-estrelo ou soltar os cordéis do Órion?
Ou produzir as constelações a seu tempo, e guiar a Ursa com seus filhos?
Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o domínio deles sobre a terra?

.............................................. (Livro de Jó cap. 38; 31-33) *ver nota



Azul,
eterno azul das solitudes,
das almas raras, das planuras ermas.
Azul sonante, sinfonia acesa,
celeste estrada azul, em fótons estendida.

Azul,
um imenso azul me traz a calma
de uma saudade anil, no eu-profundo.
A voz de muitas auras azuladas,

melodiosa luz de outros mundos.

Azul oriental de templos amplos
com abóbadas reverberantemente azuis...
Azul distante dos luzeiros cósmicos,
de onde uma placidez azul me chega aos olhos.
Vaga lembrança azul, do Sete-estrelo.

É a saudade azul dos olhos Teus...


Eurico-azul
Pina, 11/11/1993

(Não sei se foi por acaso, a data do poema e a de hoje.

Que os numerólogos expliquem-nas. rsrsrs)



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*Nota, no mínimo, curiosa:


Esses versículos do Livro de Jó, na edição "Bíblia com Letras Gigantes", traduzida por João Ferreira de Almeida, publicada em 1996, pela Sociedade Bíblica do Brasil, apresentam-se com a seguinte tradução, à p. 727, ipsis verbis:

"Ou poderás tu atar as cadeias do Sete-estrelo ou soltar os laços do Órion?
Ou fazer aparecer os signos do Zodíaco ou guiar a Ursa com seus filhos?
Sabes tu as ordenanças dos céus, podes estabelecer a sua influência sobre a terra?" (grifo meu)



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quinta-feira, outubro 29, 2009

JACINTA





























Pobre de mim, que pastoreio poemas reflexivos,
Como um rebanho de cabras assustadas...
Cabras aflitas que se precipitam no abismo da dúvida.
Cabras de um deserto sem transcendência.

Ai de mim!
Alma necessitada de verdades cientificamente demonstráveis,
Em meio ao ilógico e absurdo mundar do mundo.
Há meio século indago das coisas o seu começo.
Tateio por paredes de cavernas ancestrais e nada.
De que me adianta o Carbono 14
E as medições arqueológicas de sítios milenares.

Trocaria toda a ciência humana
Trocaria até mesmo os grandes olhos do Hubble,
que vasculha inutilmente o espaço estelar,
pelo alcance de teus pequeninos e inocentes olhos, Jacinta!
Trocaria esses meus cinquent'anos de busca
pelos teus dez breves aninhos.

Hoje ufólogos perseguem ovnis,
teólogos examinam manuscritos apócrifos,
e os olhos do mundo se voltam quânticos para a realidade.

A ti bastaram singelos dez anos
Dez inocentes aninhos,
para ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

Que essa luz angelical ilumine o caminho em que pastoreio
essas cabras cheias de um lirismo agnóstico e vão.

Asim seja.




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Fonte da imagem:
JACINTA DE JESUS MARTO vidente de Fátima, Beata
1910-1920

quarta-feira, outubro 21, 2009

TERESA (prece em noite escura)



























Há dias em que eu também perscruto o silêncio
E os meus olhos erram pelo vazio.
Não nego: busco uma voz, uma palavra, uma certeza.
Quando Deus silencia, também faz-se escuro em mim.
Mas eu... eu não sou nada.
Eu sou ínfimo.
Sou um sem sentido.
Entanto, imaginava que tu Teresa,
enquanto cuidavas de teus pequeninos enfermos
trazias a alma aquecida pelo próprio Criador.
E pensava:
esse era o combustível de tão imensa caridade.
Teresa deleitava-se em gozos celestiais.
Conversava com arcanjos e serafins.
Qual nada!
Jamais imaginaria que ela sofresse disso que sofro,
Desse mesmo e terrível mal.
Jamais imaginei que havia na alma de Teresa uma noite escura
E a dura solidão de noiva que se julga rejeitada.

Jamais imaginei que Teresa tirava suas forças da angústia,
Da sensação de um Deus inacessível,
Do silencio incomensurável de Deus.

Ao descobrir o véu da noite em tua alma, Teresa, mãe de Calcutá,
Madre de um mundo miserável e sem fé,
Fico envergonhado da minha indiferença diante do outro.
Tua dúvida, Teresa, não é, como essa minha, apática e vazia.
Tu duvidavas amando.
E eu apenas... duvido.
Tu duvidavas tratando leprosos.
E eu apenas... duvido.

Tua dúvida era submissa ao teu amor.
Dúvida santa e misteriosa...
Dela, e apesar dela, retiravas a força para realizar tão grande caridade.
Hoje, Teresa, tua dúvida ilumina a minha alma
Como um paradoxal clarão em meu des/caminho de Damasco.


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Consultem o tema em:


O Silêncio de Deus
e
A noite escura de Madre Teresa de Calcutá


Fonte da imagem:
Madre Teresa de Calcutá

terça-feira, outubro 20, 2009

DORA





<


















Fico com a beleza da resposta das crianças:
E a vida?
É bonita e é bonita!
....................Gonzaguinha



Naquele estranho dia
Procurei os meus chinelos sob a cama
E tive a surpresa do abismo:
A cama deslizava pelo espaço
E havia anos-luz entre os chinelos e o meu braço.

Mais estranho ainda foi saber que a mesa do café
Girava junto com as cadeiras,
Junto comigo inteiro.
Meu ego e a xícara
Atravessávamos Peixes, quase adentrando em Aquarius.

Corri até a janela e o Sol me parecia maior do que Sempre.
Numinoso!
Pronunciei essa palavra automaticamente
E senti a água de meu corpo se agitar,
Como se agita a flor d'água ao receber o impacto de uma pedrinha.

Foi mesmo um dia estranho.
Descobri que sou um emaranhado de energia
E que a realidade é um feixe de possibilidades.
Isso até hoje me faz rir (de mim?).
Escolho o riso entre as minhas realidades possíveis.

Creio que eu jamais escolheria entrar naquele trem
Se estivesse no lugar da Dora Orecife.
Falta-me algo mais profundo:
O amor não-sexual, aquele que transcende a dor.
Que vence o amor a si mesmo.
O desapego dos iogues;
Dos mártires hagiológicos.
Eu sei que não entraria naquele trem, como fez a Dora.
Porque me amo extremadamente.
(Como é estranho esse amor que me lança, dia após dia, em direção aos meus chinelos).
E não é esse amor por mim, o que torna a vida uma bela película.

Já o amor de Dora Orecife é solar:
Uma espécie de amor que inunda tudo com reverberações holísticas,
Que se doa até a própria extinção;
Como o amor que faz girar os planetas
E mantê-los em órbitas;
E que os mantém aquecidos por translações inteiras.
O amor que dessaliniza as águas do oceano e as faz chover sobre os continentes.
O amor da fotossíntese.
Da grande síntese.
Pode-se ver esse Amor da minha janela há alguns bilhões de anos.
E ele faz girar vertiginosamente minha alma e essa xícara de café.
Esse Amor me faz sentir que a vida é bela
Mesmo em círculos.
A vida é bela.


Fonte da imagem:


domingo, outubro 04, 2009

LUIZA (experiência quântica)






























E criou Deus o homem à sua imagem:
à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.
..............................Gênesis, 1:27

Eu disse: Vós sois deuses...
..............................Salmos, 82:6

"O homem é um deus quando sonha
E um mendigo quando pensa."
...................................Hölderlin



Estamos na nova Manhã de tudo.
Manhã eterna e pagã.
Agora a Femina sobe a encosta
do outeiro, tangendo um rebanho de cabras.
Os balidos da Aurora
enchem o Caminho de símbolos e de bosta.
O planeta recomeça nessas tetas.
O planeta carece de regaço ma(e)terno.


Estamos na moderna Manhã de tudo.
O mundo ainda anda ab/surdo.
Há perplexidade entre os machinhos;
Mas já se escuta o balbucio atrevido das infantas.
O bélico dará lugar ao belo.
Desde sempre se anunciava
essa ascensão da Anima.

Estamos na manhã do domingo.
Os deuses estão alegres
e lançam os dados comigo.
Fazem apostas,
Divertem-se, os deuses. É domingo.
Sim, é domingo,
mas as deusas, como Deus, trabalham até hoje:

Encontrei Luiza na feira de orgânicos;
Trazia flores nas mãos
e uma sacola biodegradável.
Seus olhos luziam,
enquanto proseava com outras mulheres.
Seu sorriso era potável
como as águas dos rios futuros.
Havia cumplicidade e ternura.
Falava-se de gravidez e de luz.
Observava-me, quântica.
E me acenava, semiótica.
Quanta beleza!
Quanta esperança!

Quanta...

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Dedicatória:

às minhas filhas já nascidas e que hão de nascer,
às filhas das minhas filhas, minhas futuras netinhas,
às minhas sobrinhas mineirinhas, à minha Allana (saudade),
e a todas as minhas amigas virtuais, ou não,
extensivo às suas filhas, netas, sobrinhas.
Enfim, o poema é dedicado ao ser feminino.

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N. do A.:

Não sei de onde e nem porquê me vem à mente
a célebre frase de Flaubert:
"Emma Bovary c'est moi". rsrsrs
Mas não esqueçam que aqui habita um Eu-lírico. rs)



Fonte da imagem:
Mulher Quântica

Ouçam a Luiza, do Tom Jobim...

terça-feira, setembro 29, 2009

Cora Coralina: aula prática de amor fraterno























Conclusões de Aninha


Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.


O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?


Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.

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Cora Coralina
(Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP). Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.

Sintam a admiração do poeta, manifestada em carta dirigida a Cora em 1983:

"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)." Editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás. No dia 10 de abril de 1985, falece em Goiânia. Seu corpo é velado na Igreja do Rosário, ao lado da Casa Velha da Ponte. "Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.


Texto extraído do livro "Vintém de cobre - Meias confissões de Aninha", Global Editora — São Paulo, 2001, pág. 174.


Fonte:

http://www.releituras.com/coracoralina_menu.asp

Imagem:
Casa Brasil Itapoã

sábado, setembro 26, 2009

Braille (ou, São Tomé, das Letras-nº 2)









I
Quem
Munido de compassos lassos,
E de indeterminadas réguas,
Aferirá a roda dos inumeráveis mundos,
Em sua teleológica órbita?
Quem medirá das estrelas os passos,
E as léguas
De luz?
Quem há de mensurar a Vida,
Isso invisível,
Que flui?

II
Hoje amanheço igual ao excremento,
Que flutua num mar sem lógica;
Produto escatológico do tempo,
Papel qualquer, que a ventania joga...
Isso que sou, pensa,
E busca o nexo nessa imensidão.
Mas só percebe esse lugar restrito,
Até onde alcança a minha mão.
Minha vista é curta,
Meus olhos baços,
E exploro o espaço com uma ótica de ilusão.
Minha fé é táctil.
Como apalpar as coisas com a Razão?
Como guardar as crenças e as certezas,
Crendo que há solo depois de tocar no chão?

III
Aproxima-te, Amigo, não Te ouço.
Chega mais perto, ofuscado, não Te vejo...
Fala à minh’alma,
A esses meus ouvidos moucos.
Isso. Bem perto do meu peito.
Mais um pouco.
Deixa que Te toque o flanco (e não estou louco!).
É que só alcanço Deus: verdade, estrada, vida,
Lendo no Braille das Tuas feridas.



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Fonte da imagem:
Século XXI

quarta-feira, setembro 23, 2009

Não se compram amigos no shopping!






















imagem google



Há momentos em que os amigos, inclusive os virtuais, a família, os vizinhos, todos ganham nova dimensão em nossas vidas. Hoje, invade-me uma especial ternura por todos os que me mandam emails, que me telefonam, que comentam no meu blogue. Não lhes mandei mensagem no dia 20 de julho, mas tudo tem a sua hora. Brindo a vida e a afeição fraterna de todos os meus amigos e amigas, postando esse diálogo delicioso, que abaixo transcrevo, de um livro em que uma criança eterna nos dá lições... eternas:

(Obs.: os que torcerem os narizes de adulto para esse livro hão de virar... cogumelos kkkkk)






















- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem
- Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços.
- Criar laços?
-Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
-Começo a compreender, disse o principezinho.
-Existe uma flor. . . eu creio que ela me cativou ...
-É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra ...
- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom ! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou à sua idéia.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de teus passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem fugir para debaixo da terra.
O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha longe, os campos de trigo?
Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem coisa alguma. E isso é triste Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo ...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor... cativa-me disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos, Se tu queres um cativa-me!
-Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
-É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto ...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca há hora de preparar o coração ... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa, É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta feira então é o dia maravilhoso!



Saint-Exupèry

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Fonte do texto:
Meu olhar sobre o mundo e as coisas


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terça-feira, setembro 22, 2009

De barros e asas: MANOEL !



























fotopoema da blogueira Flor



RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA
................Manoel de Barros, in "O Guardador de Águas"


I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural

- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.


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Esta postagem eu dedico ao poeta
Diógenes Afonso, grávido de poesia!

Fonte do texto:
Jornal de Poesia

Fonte da imagem:
Interlúdio em flor

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MANOEL DE BARROS, poeta mato-grossense, nascido para a vida em 1916 e parido para a poesia em 1937, com a concepção do livro - "Poemas concebidos sem pecado". Passou a ser mais conhecido a partir do ano de 1998, quando ganhou o prêmio Cecília Meireles, de Literatura/Poesia, com o "Livro sobre Nada".

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quinta-feira, setembro 17, 2009

Quadros Verdes
















Quadros Verdes

Michel Quoist


E a escola é moderna.
O diretor, muito ufano, vai-me apontando todas as
comodidades. De todas as coisas a mais bela,
Senhor, é o quadro verde. Os sábios
estudaram longamente, fizeram experiências.
Agora já sabemos que a cor verde é a cor
ideal, não cansa a vista, pacifica, relaxa os
nervos.

Pensei, então, Senhor, que não
tinhas esperado tanto tempo para pintar de
verde as campinas e o arvoredo. Tuas salas
de aula funcionaram muito bem e para não
nos cansar aperfeiçoaste uma porção de
matizes para Teus prados modernos. Assim
os “achados” dos homens consistem em
descobrir o que pensaste desde toda a
Eternidade.


Obrigado, Senhor, por seres o
bom pai de família que deixa a seus filhinhos
a alegria de descobrirem eles próprios os
tesouros de Tua inteligência e Teu amor.

Mas livra-nos de pensar que fomos
nós que os inventamos sozinhos.



Fonte do txt.:
JESUS, RICARDO, ROBERTO, Português Interpretação,
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2º vol., 5ª Ed., 1971, p. 24.
Obs.: um de meus livros de Língua Portuguesa, do curso ginasial, que ainda guardo com carinho.)




Fonte da img.:
www.marceloclemente.com/Olinda.jpg



(MICHEL QUOIST nasceu em Havre (França) em 1921 e faleceu em 1997. Foi ordenado sacerdote em 1947. Era doutor em Ciências Sociais pelo Instituto Católico de Paris. Escreveu inúmeras obras, traduzidas em várias línguas e regularmente reeditadas, das quais algumas ultrapassam um milhão de exemplares).


terça-feira, setembro 15, 2009

No Taiti (Ou, no bolso do casaco da vovó)






















Sim,
Eu fugiria disso tudo aqui,
Agora mesmo, de manhã...
Fugiria qual Gauguin
Pro Taiti.

Ou me esconderia, faz-de-conta,
num daqueles grandes bolsos de minha avózinha
Lugar paradisíaco, em que ela guardava seus biscoitos
Ali, me abrigaria dos ventos de agosto,
E, à tardinha,
Ouviria Chopin, numa valsinha

Um grande bolso?
Ou uma bolsa?
Ah, imensa uma bolsa d’água!
Talvez fosse melhor boiar
numa lagoa azul primacial
E adormecer com ternura, no útero de Deus.

Hoje eu largaria tudo isso
Todos esses detestáveis compromissos
Pra ficar bem distante daqui
Ficar um instante
Sem mim.
Fugiria, ainda essa manhã,
Fazendo a mesma rota do Gauguin
E iria,
Ah, se eu iria..
Me embrenhar em um lugar chamado Taiti.


Imagem:
Paisagem Taitiana

sexta-feira, setembro 11, 2009

Flor d'água (flagrante pós-moderno)




















Há muito tempo, os cientistas
inventaram o pavimento
e há poucos meses, os urbanistas
asfaltaram a minha rua.
Há poucos dias, os ufanistas
fizeram uma festa ao calçamento,
uma grandiosa festa inaugural.

Um belo dia, um desses dias quentes de verão,
o Sol evaporou o mar
e o vento trouxe as águas
em nuvens carregadas, sobre o meu lugar.
Choveu a cântaros.
Choveu, choveu, choveu.
E, quando enfim veio a estiada,
a água ficou, dias a fio, empoçada,
bem rente ao meio fio, junto à calçada.
O tempo e a poeira
se uniram, num concerto
e fizeram da poça, um lamaçal, pútrido e fétido,
desses que chamam
de esgoto a céu aberto.
A fedentina ficou insuportável.
Deveras nauseabundo aquele odor.

Mas, em certa manhã, do mês de março
abri a janelinha do terraço,
e, estarrecido, vi uma flor, uma airosa flor,
medrando assim tão bela,
uma flor naquele charco.

Compreendi então minha tolice
ao criticar tão sábios urbanistas,
sem lhes compreender os bons propósitos.
Por ser poeta e cheio de sandices,
nunca iria imaginar
que os doutores
queriam apenas demonstrar
a força que há no Sol, no ar,
na fotossíntese,
isso que traz misteriosamente, à tona
a vida submersa que há na lama.

Alguém me poderia retrucar:
mas, a cidade assim pavimentada
não dá vazão à força da enxurrada.
inunda tudo, os carros bóiam...

Pobres mortais, não entendem a ciência!
Devem ser poetas, como eu,
que sonham com um tempo das estradas poeirentas,
em que a água se infiltrava pelo solo,
formando esses tais lençóis freáticos.
Para que servem rios subterrâneos,
aquíferos imensos, em covas nunca vistas?
Somos uns néscios, tolos, saudosistas;
nada entendemos de asfalto sobre as pistas.
Ah, não fosse aquele sábio cientista
que, aliado ao inteligente urbanista,
criou o alagamento em minha rua,
jamais teria eu aqui tão bela vista
de tão grande valor, que nada paga:
a bela flor, soberba e airosa,
a raríssima flor da poça d'água.

Fonte da imagem:http://garatujando.blogs.sapo.pt/arquivo/Flor%20no%20cascalho.jpg



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quarta-feira, setembro 09, 2009

Tocata e fuga (à vida que passa)






















imagem google



Trago por dentro a força do toró
que arroja esse vento nordeste
Sinto no peito os rasgos, os riscos
que no céu fazem os coriscos...

Estou a ribombar no solo agreste,
na desapiedada percussão dos pingos
despedaçando telhas e sapés
Rasgando zincos...

Estou tempestade bruta
E abrupta;
Violento aguaceiro
que mergulha em meu mundar no mundo,
Sinfonia aórgica
Melodia dodecafônica, sem opus do humano;
arrostando isso que passa, e eu com ela.

Estou lutando sob a chuvarada,
nessa agreste des/harmonia,
em que as partes e o todo
se engastam e se desgastam,antagônicas:
Luta sinfônica,
largos compassos, descompassos
desconexos adágios;
golpes no ar, de maestro ou de ágil
pugilista.

No entanto, soa um gongo secular,
e a minha chuva faz silêncio,
e a força cessa, devagar.
Profundo e aquático silêncio...
Pausa.
Dorida pausa.
E, nesse momento,
caem-me, silentes,
as gotas, vindas de um céu cinzento;
com a música grave de garoa calma,
a deslizar pelos declives d’alma,
qual melancólica canção depois da enchente...
Cessa a enxurrada,
mas, a escorrer das calhas invisíveis
de u'a moenda centenária,
Ouço esvair-se líquida essa ária.
Eis minha fuga, pela linha d'água...




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domingo, setembro 06, 2009

Poema da Relatividade Geral





















De que adianta eu ser eu
Em relação a mim mesmo?
Quero ser eu pras pessoas
- um referencial externo-
Quero ser eu nas pessoas
Relatividade geral.

Quero evolver na poesia
Einsteiniana poesia-moderna
Fra/terna
Quadridimensional.

Não sou espaço
Nem tempo
Espaço e tempo eu invento
No meu ser intemporal

Quantos fótons emitia
No espaço das entrelinhas
Um Castro Alves astral?

Também quantuns de energia
Saem de mim, melodia
Ondulatória, indefinida, orbital
E a mim me espalham nas ruas
Na plenitude dos outros...
Inteiro o ser que não sei

De que adianta eu ser eu,
Com meus sentidos falíveis
A perceber ilusões?
Eu não vou mais ao cinema –
nem ontem, nem já, nem quando.
Eu vou ser eu nas pessoas
Doar-me toda poesia, acelerar-me na luz.
Este é o segredo do Sol!




Eurico
17junho1989


Poema apresentado em Seminário sobre Castro Alves
Local: Faculdade de Filosofia do Recife
Disciplina: Introdução aos Estudos Literários
Titular: Profa. Inês Fornari
Equipe: Aldenice, Celina, Eurico, Marcus, Monica e Umbelino























Para ver os créditos dos sítios de origem, clique nas imagens.

sábado, setembro 05, 2009

Mas, o que é mesmo um Meme? rsrsrs



















Foi a Andreia, do blogue Devaneios do Cotidiano, quem me enviou esse Meme. Lembro que há muito tempo atrás, tempo em que ainda não havia a internet, e em que os meninos brincavam de carrinhos e as meninas de boneca; elas, as meninas, mais sapecas e maduras que os marmanjos, inventavam um tal de "questionário". Era uma espécie de levantamento das preferências dos amigos e amigas, com intenções "ingênuas" e não muito explícitas, cujas respostas quase sempre induziam aos namoricos de então.
Bem, certamente nada parecido com esse Meme que agora respondo. Mas, o prazer em responder foi o mesmo. Então, porque cada pequenina coisa que ando fazendo nesse momento da vida tem um sabor especial e intenso, quero agradecer à "companheira" Andreia, pela oportunidade que me deu com esse Meme. Mas, o que é mesmo Meme? rsrsrs





1- Tem algum (ou mais de um) blogue que te ajudou a blogar quando iniciou (dicas, receptividade, incentivos)?

Sim. Agradeço ao Cor Vadia, atual Pichações, do mestre Luís de la Mancha. Esse blogueiro , no ano de 2006, mandava-me emails, insistentemente. Não sei como me achou, mas, eu nem ligava. Excluia e pronto. Um dia resolvi ler aquilo. E foi a grande surpresa da minha vida! O blogger me dava uma ferramenta em que eu poderia publicar meus textos, imagens, etc. Criei logo o Eu-lírico, para publicar poemas e hoje tenho três blogues. Ah, tive tb uma ajuda da Euza Noronha, grande incentivadora do grupo de blogueiros no qual me inseri!

2- Qual foi sua fonte inspiradora?

Primeiro a idéia, a coisa que me motivava era a oportunidade de divulgar minha obra. Agora o que me inspira é poder interagir com outras pessoas, de lugares distintos e distantes.

3-Blogar é muito gratificante quando?

Quando blogar significa compartilhar arte, idéias, com um senso elevado de respeito ao outro e de fraternidade.

4- Quanto tempo você dedica ao seu blog? Em que horário você gosta de blogar?

Pela manhã, logo cedo, fazer postagens. E, à noite, quando chego do trabalho, ler e publicar comentários, visitar blogues e comentar, sempre que possível. Creio que dedico umas 2 horas dia nisso. Um prazer e um vício!

5- O mundo da blogosfera seria melhor "se":

Se o mundo real fosse fraterno, solidário, a blogosfera seria melhor. A rede é o espelho da vida real. Mas tive sorte de só lidar com gente fina, educada e generosa. Os que não são, eu deleto, lá na publicação dos comentários.

6- Seu coração blogueiro não se engana quando (referente a outro blogue e blogueiro):

Tenho tido sorte com todos os que visitei até hoje. Só não encontro gente da minha faixa etária. Parece que a galera de meu tempo não gosta de blogar.


Esse meme, eu repassarei aos amigos do Terra Brasilis, do Café com Bobagem, Viver é Afinar o Instrumento, bem... são tantos amigos...

Fonte das perguntas:
Devaneios do Cotidiano

quarta-feira, setembro 02, 2009

Scriptorium (ou PNL à Schopenhauer)




















Agora estou duplo:
Quem eu era antes, está em epoquê,
Posto que não suportava as dores da vida.
Esse outro eu, que ora está no comando,
nem parece mais comigo.
Nunca fui tão apo(r)ético.
Os versos me saem feito notas de escritório.
Ponho-me excessivamente adulto.
Pareço mais um programador neurolingüistico
a controlar essa impertinente imaginação das dores futuras.

Administrador de mim.
Ando a administrar cada segundo
da vida biológica,
com microscópios nesses olhos, embora pressurosos.

Executivo de mim mesmo.
Planejo a vida biográfica
como quem grafa coordenadas de dois eixos:

Um deles é a abscissa do tempo...
Tudo agora é pra ontem.
Estou urgente!

O outro é a fuga schopenhaueriana da dor.
Essa dor que, graças aos céus,
está se restringindo a um improvável amanhã...




Fonte da imagem:
Scriptorium
Foto - Mikel Arrizabalaga

terça-feira, setembro 01, 2009

Gato que brincas na rua...
















Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Fernando Pessoa
1931



Img do gato na rua:
http://gato.misura.org/fotos/gato-janela-royaloak.jpg

terça-feira, agosto 25, 2009

Canto 1º, Soneto XXVI


















XXVI



Qualquer seja a chuva desses campos
devemos esperar pelos estios;
e ao chegar os serões e os fiéis enganos
amar os sonhos que restarem frios

Porém se não surgir o que sonhamos
e os ninhos imortais forem vazios,
há de haver pelo menos por ali
os pássaros que nós idealizamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde
e julga tê-los em seus próprios bicos,
e ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,
possa mirar-se as asas depenadas
e contentar-se com as secretas penas.

Jorge de Lima

Fonte do texto:

Invenção de Orfeu, 1º Canto, p. 47



Fonte da imagem:

Deslimites do Ser (visitem esse blogue, vale a pena!)

terça-feira, agosto 18, 2009

Alcácer-quibir revisitada


















Uma monocromia armorial
dedicada a Dom Ariano Villar Suassuna



Vermelhidões no poente,
céu sangüíneo, incandescente.
Da porfia oiço o alarido:

Rezas,
.......rajadas,
...............rugidos.

sonho um sonho mal dormido:
de morte, em luta renhida,
foi Dom Sebastião malferido?

Feito de sonho é o que vejo:
estranhos carros de fogo
cruzam os céus sertanejos.
Ungem de luz a caatinga
Essas flamejantes bigas.
Vermelhidões no poente:
Seriam sarças ardentes?

Nos sertões os céus tão rubros:
sangue na chã de Canudos?

Ao longe oiço estampidos:
raios,
......trovões
............. e gemidos...

Vermelhidões no poente
rumores de gado e gente
clamor do sangue inocente:
hereges sangrando os crentes?

sonho um sonho mal dormido:
de morte,( ouço o rugido)
foi o Prinspe atingido?...

Vermelhidões no poente:
crepúsculo enceguecente,
E, em estranho disco de fogo,
vejo Dom Sebastião soerguido...

Eurico

Fonte do texto:
meu inédito, Ser/tão profundo - Mangue interior,



Fonte imagem:Batalha de Alcácer-quibir

segunda-feira, agosto 17, 2009

Canudos às avessas...




















Numa época de engajamento em política estudantil, e de literatura com propósitos ideológicos, escrevi o poema que abaixo transcrevo, e que foi baseado numa observação feita por Ariano Suassuna, na qual ele vaticinava que as grandes favelas urbanas estão sitiando as cidades brasileiras, quase num Canudos às avessas:

CIDADE SITIADA



"Cai o orvalho na face do escravo,
Cai o orvalho da face do algoz
Cresce, cresce seara vermelha
Cresce, cresce vingança feroz”
................(Castro Alves)
 


Sobre as colinas ao teu redor
O ódio cresce
E te espreitam as tuas vítimas,
Enquanto danças na orgia
Do selvagem capital
Te embriaga o vinhoto
O CO2
A fumaça.
Tocaiam os enjeitados: negros, mulheres, crianças...
― Tu danças e o tempo passa...
o tempo passa e tu danças...―

Breve, a cruenta vingança
Dos operários famintos,
Das putas mais sifilíticas,
Dos trombadinhas lanzudos
(descenderão de Canudos?)

Breve, ó mãe dos burgueses ricos,
Uma legião de nanicos
Vinda do alto-sertão
Fará a grande invasão:
Desce o Arraial dos Palmares
Que agora habita nos morros de tua periferia,
Desempregados e loucos (já escuto seus gritos roucos!),
Os quilombolas modernos,
Zumbis saídos dos mangues ― sem-terras vindos do inferno
Virão ceifar-te com sangue,
Armados até os dentes: enxadas e picaretas,
Peixeiras e canivetes
Foice e martelo...marrêtas.
Saquearão teus mercados, teus bancos, tuas mansões,
Farão trincheiras em teus templos, alucinados de fé
E enlouquecidos de fome derribarão teus quartéis.
..................................................
Um Condor gritou nas praças.
É tempo de ouvir sua voz:
Se calas a voz do povo...

―POETAS, GRITEM POR NÓS!




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Eurico
(poema-vaticínio de 1988,
1º Lugar em Concurso Literário da Faculdade de Filosofia do Recife)

Fonte do texto:
O meu, ainda inédito, livro Ser/tão profundo - Mangue interior.

Fonte da imagem:


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domingo, agosto 16, 2009

SER/TÃO PROFUNDO (reedição de poema)


A Euclydes da Cunha
Deve habitar em mim, inserta,
uma geografia euclydeana: sylva horrida.
Insolações recrestando capoeiras, dias imóveis,
cactos brasis, e a erosão eólia da planície;
Um sertão que me perpassa, paragem desolada,
pélago extinto e sem água...
Uma estrada poenta e causticante.
Caatingas estonadas e a secura extrema dos ares.


Não há lu(g)ar, pungente ou não, como esse de meu ser,
tão raro lume,
arquivado num olhar imaginário...
Alimária quase extinta, ruminando por monótono horizonte,
deambulo, vulto arcaico,
pelas dunas de um pérpetuo mar lunário...

Minh’alma roça a flora estiolada e as areias exsicadas do deserto.
(répteis, sutis, escondem-se nos desvãos das pedras...)
A cidade mais próxima fica a léguas de mim
e em vão procuro um juazeiro, em cuja sombra me proteja Deus
dessa flor única e intensamente rubra,
que cauteriza o céu com suas pét’las de (ultra)violeta incendiária.

Eu também saio de mim à mesma hora
a cumprir órbitas automáticas e iguais,
em meio à solidão sem língua ou nexo.
Caminho sem gibão e sem certeza
se é a vida essa vereda, solamente
um sertão n’alma nômade, silente,
retirada de sítios ancestrais.

Ereto na planura alvinitente
revelando a solitária flor,
Sou um mandacaru despido que resiste.

Ser tão profundo.
Endógeno sertão.

Essa impossibilidade de alçar vôo.
Casulo ôco e imponderável de mariposa natimorta.

Em qualquer parte de mim dardejam rádios espinescentes
e há a mesma aridez dos areais,
charcos ressecos, leitos de rios evaporados...
Léxicos de sequidão também euclydeanos.
Eu mesmo um ser tão só... verbo desidratado,
galhada sem folhas de planta esturricada,
(in)maginando um sertão que não se vê...
Eurico
Recife, 14.03.06,
Dia da Poesia)


Meu Cristo Gótico (homenagem a Euclydes da Cunha)













“Brotará como raiz da terra sedenta;
não há n’Ele bom parecer, nem formosura;
desprezado e o último dos homens;
varão de dores, experimentado em quebrantos”.
...................................................(Isaías, 53:2-3)




E se em vez de um fraco ser, senil e esclerótico,
no limiar entre lunático e neurótico,
fosse um Elias, a ressurgir nos trópicos?
Seria apenas isso que se diz: um beato sertanejo, um místico ?
ou um Dom Quixote do sertão, um épico?
Um infeliz Quasímodo matuto, cômico e simiesco?
Ou um Judas redivivo, em purgatório, escorraçado e dantesco?

Mas, quando o contemplava, estendido nessa foto euclydeana,
Lembrou-me um santo, macerado e só:

um Cristo gótico,
Que o Estado homicida trouxe a óbito,
mas que ressurgirá dentro do mito.
Está escrito.
De Dom Sebastião já oiço o grito...


***




(a foto que inspirou o poema foi feita in loco, por Euclydes da Cunha;

o cadáver é do beato Antonio Conselheiro)



Eurico

2008


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Para não perder a oportunidade de falar de amor fraternal,
nessa triste data em que, há exatos 100 anos, sepultamos o escritor Euclydes da Cunha, ele que sonhava com a fraternidade universal, através das idéias do Positivismo, leiamos um fragmento que colhi no google:



Amor, ordem, progresso



"(...)As duas palavras de nossa bandeira, ‘ordem’ e ‘progresso’, são de inspiração positivista. Mas, à semelhança do lema dos inconfidentes, ainda presente nas bandeiras de Minas Gerais e do Acre, não são uma citação fiel ao original.
Com efeito, Augusto Comte resumiu sua doutrina de modo diferente na primeira edição de seu Catecismo positivista: ‘O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim’. As três palavras, fundamentos de seu sistema filosófico, foram escritas com iniciais maiúsculas.
Mais tarde, o autor deu nova redação ao lema, que ficou assim: ‘O Amor por princípio, e a Ordem por base; o Progresso por fim’.

Hoje lembramos que a omissão do amor no lema inscrito na Bandeira Nacional é sintoma de desordem e atraso. Quem leu Os sertões, de Euclydes da Cunha, sabe que os republicanos não o excluíram apenas da bandeira. A violência segue vitoriosa. Em Canudos alcançou seu apogeu.(...)"




Fonte do texto:


Deonísio da Silva

copyright Jornal do Brasil, 2/08/04




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Pode ser algo de pouca monta, mas o Euclydes, assinava com "y", como se lê na imagem abaixo, e, creio, não se deve mudar o nome desse genial escritor:



Fonte da assinatura:
http://www.releituras.com/edacunha_bio.asp

sexta-feira, agosto 14, 2009

A Ponte (inquietações e cismas)




















Não te direi quem sou,
Pois eu não tenho certezas.
Não passo de uma ponte
Feita de cordoalhas invisíveis.

Estou assim, ponte,
Frágil e pênsil,
A balouçar sobre mim mesmo,
Perigos/a/mente, por sobre o nada que eu sou.
Estou lançado sobre o precipício
Entre o visível e o invisível.

E então me invento ponte,
Com essas cordas indizíveis,
E enlaço os pontos
Que me perpassam nesse instante.
Eu mesmo, o instante
Disso presente, isso volátil,
Em que agora cismo;
Tão breve instante,
Que é o m/eu abismo.



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Fonte da imagem:
http://escalaambiental.blogspot.com/


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quarta-feira, agosto 12, 2009

Caeiro: um Não-poeta (inquietações de convalescente)





























Encafifa-me o
Dauri Batistti, ao declarar-se não-poeta. E, durante a convalescença dessa "exérese em meu corpo físico", que mal me permite teclar, voltei-me à leitura dos mestres, a ver se entendia esse insólito e ambíguo ser, que faz poesia e não se admite poeta, e me deixa atônito, pelo fato de ser exatamente o que nega ser: um Poeta.
Essas inquietações sempre me levam a reler Fernando Pessoa, o Outro, esse belíssimo e saboroso ensaio de hermenêutica cultural, escrito em 1965, por G. M. Kujawski, que nos apresenta, muito orteguianamente, "o aprofundamento do nexo entre Pessoa e a essência da Poesia".
Dentre as coisas que diz Kujawski sobre os heterônimos pessoanos, algo sobre o Alberto Caeiro me chamou a atenção:

"(...) Caeiro reconquistou para Pessoa o contacto direto com as coisas, com a patência das coisas físicas e sensíveis (...)" p. 58.

Ah, como necessito desse abraço caloroso com as coisas, dessa estesia com a realidade tal como a encontro! Eu, que me julgo conceitualista demais em poesia, coisa que me faz mais pensador do que poeta, o que, de certo modo, turva a minha visão poética das coisas, descubro agora, relendo Caeiro, que sou mesmo um poeta míope, quase cego, cujo lirismo, excessivamente reflexivo, não passa de uma obssessão pelas idéias traduzidas em versos. Talvez seja isso o que distingue um Poeta de um Não -poeta. O poeta ocupa-se com as palavras, como se estivesse divorciado das coisas, enquanto o Não-poeta toca-as com as pupilas. O seu olhar as recolhe, como a peixes numa rede, e as põe, vivas, nos versos. Creio que agora compreendo melhor a afirmação dauriniana de não ser poeta. Dauri não nos apresenta palavras, mas coisas vivas, que latejam diante de quem as , digo, de quem as , o que, no fundo, vem a ser a mesma coisa, pois a poesia dauriniana é apenas a sua maneira de olhar as coisas. E quão poético é esse olhar!

Mas, como fazer poesia sem conceitos, sem idéias? pergunto-me, angustiado, por não saber olhar as coisas sem nelas pensar.
Responde-nos Caeiro, à página 60, da obra citada:

"a poesia faz-se com palavras, sim. Mas a poesia não são palavras. Também uma laranja faz-se com água, e não é água; é laranja.

Encontrei então, no
Jornal de Poesia, do amigo Soares Feitosa, essa pérola do Alberto Caeiro, que vale por mil explicações que eu, porventura, intentasse expressar, nesse, já tão longo, exórdio, em que busco alcançar o sentido do que vem a ser um Não-poeta:



A espantosa realidade das coisas (7-11-1915)


A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.


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Fonte da imagem:

Fernando Pessoa



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sexta-feira, julho 31, 2009

ATROPELAMENTO (vertigem lúcida no 12º andar)





















poema dedicado a Friedrich Wilhelm Nietzsche (in memoriam)



Podem confinar-me.
Sim, hoje estou pronto para ser levado ao asilo.
Há duas loucuras profundas em mim:

A primeira é doar todos os meus parcos bens aos pobres
E ir morar às ruas, com os pedintes e bêbados.

A outra, a mais difícil e quase inexequível,
Aquela que só raríssimos loucos alcançam,
A que verdadeiramente dá-me vertigens lúcidas:

Ir arrancando de mim
cada coisa produzida pelos homens;
Roupas de grife,
Tênis da moda,
Meias-soquete,
E esse agasalho de lã sintética;
Despir-me assim de uma vez, de tudo.
Lançar fora, mais do que franciscanamente,
Não somente os bens da terra;
Mas, expulsar de mim tudo o que me representa:
Opiniões.
Conceitos.
O meu nome.
Lançar fora a minha formação intelectual.
A língua com que escrevo esse poema.
E até mesmo o tema desses versos,
esse inútil clamor, em meu imenso deserto.

Estou debruçado à janela do 12º andar.

Arquitetado na área de um antigo sítio,
esse edifício em que habito
é a fruta mais perfeita da imbecilidade humana.
Fruta de casca dura e insípida.
Fruta de que não se pode desfrutar
nem o sabor, nem a carnação, nem nada.

Lá no pátio brincam crianças.
Lá no pátio riem crianças.
Ainda as há...a brincar
Pois os portões estão guarnecidos por uma sentinela.
Estão protegidas por grades, as crianças que brincam no antigo pomar de jaqueiras.

Ao longe, um pequenino vulto cruza a avenida.
Tomo dos binóculos.
Agora contemplo melhor.
É um pequenino cão das ruas.
Ah, meu pequenino irmão!
Vejo-te, ampliadas as tuas chagas, teus carrapatos,
Com esses óculos de longo alcance.
Mas não te alcança a minha alma, tão pós-modernamente cartesiana.

Ouço os sorrisos dessas crianças...
No entorno, os carros, feia fumaça,
Homens gritando, qual britadeiras,
Uma roda viva?
Uma roda à morte.
A roda enorme do caminhão que transporta o lixo.
O caminhão que tritura o lixo dessa cidade feita de lixo.
A roda enorme do caminhão...
Ouço um ganido...
Mortal ganido.
E a gritaria dos transeuntes...

Ai, não suporto mais essa vida!
Nu dos sentidos,
Livre das normas,
Desço correndo pelas escadas desse edifício,
(Hoje me levarão para o hospício.
Mas o que importa que façam isso?)
Invado a rua, assim, despido,
Tomo-te aos braços, bicho ferido.
Tomo-te aos braços, enlouquecido.

Todo o sentido teleológico, em mim desaba:

há duas patas esmigalhadas
sobre a calçada.

Fulo da vida, nego a mim mesmo, crísticamente.
Nego isso tudo:
Prédios, fumaça, caos, britadeiras.
Pois essas patas sob essas rodas
são um libelo contra a cultura, minha cultura.
E esses dois olhos com que me fitas
com tal candura,
são aforismos de Zaratustra,
são marteladas
contra essa Ordem filha da puta!
Assim te entendo, aqui, nu e louco;
Assim te entendo nessa hora angusta.
Mas não me entendo nessa Babel:

Tu representas os seres mudos e indefesos da criação?
És, nos meus braços, meu semelhante, como a novilha dos indianos?

Cachorro louco, feio, fedido, faminto, sujo e estropiado,
irmão dos homens abandonados, que vivem ao léu,

És um holocausto, tosca oferenda,
que, transtornado,
hoje, ergo aos céus.


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Fonte da imagem:
Quem é o irracional da foto?


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Cliquem em Resenha Poética para lerem algo referente a esse atropelamento das minhas idéias.


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