Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, maio 05, 2009

Das Dores (um pretexto para ouvir os Beatles)




















...................................a Lennon e McCartney



Das Dores era uma mulher solitária.
Habitava uma casinha de taipa no sertão do Exu,
E criava muitas cabras, todas pretas, soltas pela caatinga.

Só costumava ir à missa
nos dias em que havia casamento,
a ver se conseguia pegar o buquê.
Nesses dias o velho padre lhe falava da salvação da alma.

Flores na mão, seguia rindo,
pela estrada empoeirada.
Ria muito, aquela mulher, casta e solitária.
Ria, não se sabe de quê.
As cabras a seguiam, em cortejo, comendo as flores murchas.

Quando morreu não havia ninguém no enterro.
As cabras não vieram: não houve flores.
Somente o vulto de uma cadela, preta e triste, rondava o campo santo.

O velho pároco recitou um trecho do Sermão de Santo Antonio aos Peixes, à beira da cova rasa.
“Vos estis sal terrae...”
Um inútil sermão para uma alma extinta e breve.

Que o sal dessa terra seca lhe seja leve...





***************************************

Eurico uma releitura livre e
ditada pela emoção que sinto ao ouvir
Eleanor Rigby.

Mormente, ao ler a versão da Cássia Eller.

Moral do poeminha:há solidão em qualquer lugar,
em Liverpool
ou no Exu.

**************************************


Fonte da imagem: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/uploaded_images/foto-vidas-secas-777846.jpg


Releia DAS DORES, ouvindo Eleanor Rigby






*************************************

10 comentários:

Cecília disse...

Querido Amgio, estou 'correndo' mas volto com mais calma pra te ler, vim só dizer que tem uma coisa pra você lá no blog!

Beijão

Rosemeri Sirnes disse...

Querido Eurico, toda vez que me disponho a escrever em um blog não é para devolver carinho dado, é para falar de fato a verdade que se passa em mim, e lhe digo de coração, fala-se tanto em Machados, Pessoas...fala-se tanto desses que não digo menos, fala-se muito dos Clássicos, dos mortos, da eternidade, esquecem-se de falar de ti por pura distração(tenho certeza), mas eu ofereço-me como porta-voz para tudo o que não foi dito. Tudo o que escreves é de uma beleza impressionante. Verdade absoluta.

Beijos, Rose

lula eurico disse...

Cecília, vou já te ler.


Rosi, que bom q vc ta por aki. Grato pela tua enooorme generosidade. Nem tanto, amiga. Tudo isso se deve ao teu coraação imenso!

Abraço nas duas!

Dora disse...

Eurico. Uma vida pequena, simples, solitária, mas, uma vida! Possuidora de um coração que desejava as flores do buquê( queria casar, queria ser noiva, queria uma família, seu homem prá bem-querer?) Ou a salvação da alma?
Solidão, no sertão de Exu...ou, como você diz, poderia ser em qualquer outro lugar...
Triste essa conclusão: Das Dores deslizou pela vida e agora é só "o sal da terra".
Muito pouco ela teve. Mas, quem tem muito também acaba como ela, sendo "o sal da terra"...Pessimismo meu? rs
Gostei muito da releitura dos Beatles.
Eu vou deixar em meu blog um texto, em sua homenagem.
Aguarde.
Beijão!
Dora

dácio jaegger disse...

Se às cabras a Das Dores carinho deu, com flores ineptas que por sobremesa lhes concedeu, a cada casamento d’outra tudo se renovava, o que pouco valeu; lhe negaram balidos tristes. Das Dores baixou ao raso da cova e apenas a triste cadela não lhe esqueceu, sua irmã em Cristo! Um abraçAmigo.

lula eurico disse...

Como é bom ter amigos. Fico pensando na minha vida antes da net. Cadernos na gaveta. Um ou dois poemas que tiveram algum reconhecimento em concursos literários localizados.
Como é boa essa ferramenta. Aqui ouço música. Curto meus bons tempos de Beatles. Escolho imagens. Escolho temas. Sou um agraciado. E ainda tenho amigos generosos, que acompanham o ano todo, com uma paciencia enorme com esses meus experimentos autodidatas.
Grato a vc, Dácio, grato Dora Vilela. Vcs fazem parte da minha vida simples, diante dessa tela. Vcs são a parte nobre de minha humilde biografia poética.
Que posso pedir mais a Deus?
Só agradecer.
Agradecimento que estendo a todos os navegantes que aqui aportam.

Paz e fraternidde.

Max Coutinho disse...

Oi Lula,

Que lindo! É de uma sensibilidade incrível! Cheguei mesmo a sentir a solidão daquela mulher, coitada; a sua ânsia por amor e companheirismo...
Está muito bem escrito!

Agora, gostaria de te agradecer a visita que fizeste ao meu blog; adorei :D! És muito bem-vindo ao Etnias (uma mais-valia sem preço) :)!

Um abraço!

Renata Bomfim disse...

Olá Eurico, o Blog está lindo e plural...
Quanto à solidão, é destino humano,
mesmo que dentro de nós exista um coro formado por mil vozes.
Abraço amigo
Renata

carmen silvia presotto disse...

Das dores aos Beatles há solidão, sim! Por sorte vem o poema a acalentar os nossos poros...

Teu blog é muito bom. Um beijo amigo e carinhoso.

Carmen Silvia Presotto

lula eurico disse...

Grato, Carmen,
por essa generosidade em dispor de teu tempo a navegar por meus textos antigos. Quanta delicadeza comigo.
Grato, amiga.
Mutíssimo obrigado.