Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, setembro 03, 2008

ÁPTERO



E eu, aqui, in/significante,
fresta do acaso, entre voláteis vazadouros,
agarro-me ao nexo do estar.
Se é alado o céu e a ventania vai aonde quer,
por que pousar?
Tudo o que é vida passa, tudo é lábil
e a flor bela é frágil e breve.
Viver é instante e espanto,
imprevisível notação de uma ária dodecafônica.
Chuva fugaz, lugar nenhum.
Todas as instâncias se acotovelam em janelas irreais:
Há lócus de mim, não eu.
Não sou, mas evidências instáveis resistem sem mim.
Creio no solo sob os pés.
Ando movediço...
Ave tardia.
Áptera.
E só.

Eurico
(poema sem data)

22 comentários:

Ilaine disse...

Eurico!

Se é alado o céu e a ventania vai aonde quer, por que pousar?

Mais uma vez... um lindo poema. Não ouso interpretar. Leio-o e sinto o efeito que me faz.

Sua admiradora
Ila

lula eurico disse...

Grato, Ilaine. Espero que te faça bem a leitura desse poemeto sem asas.
Abraçamigo.

Carlinhos do Amparo disse...

Seria uma definição, ainda que poética, do homem pós-moderno? O sujeito pós-moderno, como o concebe Jair Ferreira dos Santos, é "a glorificação do ego no instante, sem esperança alguma no futuro." O não-pousar da ave "lábil e breve", por acaso, refere-se ao ritmo apressado da cultura clip?
A ausência de si mesmo não seria o esvaziamento do sujeito inserido na pulverizada cultura blip da qual somos contemporâneos?
Pense nisso, compadre?

Beti Timm disse...

Oi, prazer. Eurico,
só tenho a dizer que homem quando faz poesia, se desnuda, e se desfaz das amarras da dureza, deixando aflorar forte a suavidade! Homem, qdo faz poesia, é como qdo cozinha, ninguém faz melhor! Beijos admirados

Anônimo disse...

Lindo!
Parabéns...
Ly
http://lyani.wordpress.com

Loba disse...

Mas olha a minha amiga beti machista!!! rs...
Bom, tenho que concordar que poetas são seres especiais. E ouso dizer que há poetas que nem fazem poemas e continuam sendo poetas e especiais!
Vc herdou dos deuses da poesia, o verso. Benditas sejam as evidências instáveis que te dão o vôo. Bendita seja esta in/significância – significância de dentro que explode fora e floresce em nós, leitores!
Beijo poeta!

lula eurico disse...

Lobinha, os deuses não são tão generosos comigo. Não faço versos copiosamente. Antes, há tempos de estiagem e escassez, como a geografia que me cerca. Sou poeta bissexto. Mas também bendigo aos céus a ventura da chuva, mesmo que breve, quando a poesia umedece a minha alma exsicada.
Abraçamigo.

Jens disse...

"Viver é instante e espanto". Bonito, Eurico. São percepções assim que denunciam um bom poeta.
Um abraço.

Vivian disse...

..."creio no solo sob os pés"...lindo isso, e é a única verdade que há...bjus, poeta!

Jalul disse...

Estive aqui, poeta Eurico. Estou fe-lírica da vida e já estás nos favoritos. Me aguarde para uma leitura mais detida. Preciso afinar a alma para tocar um comentário.
Grande abraço.

Dauri Batisti disse...

Lindo, mas dói. Parabens amigo. Tens minha admiração.

alineaimee disse...

Adorei essa foto. E seu poema é lindo. Você constrói frase fortes com palavras poderosas. Gostei.

Dora disse...

Na fragilidade da existência, o que vale é "estar" nela.Existir repousa na constatação do relativismo e do acaso.
Tudo é "instável", "volátil", "lábil", "breve", "movediço".
Não há necessidade de buscar outros caminhos, nem movimentos. Desnecessárias as asas. Melhor ser ave "áptera".
Seu poema é cuidado, zelo, escultura. Como sempre.
Abraço merecido!!!!
(torcendo aqui para o comentário chegar até você!)
Dora

lula eurico disse...

Eis o seu comentário, Dora Vilela, leitora que devassa meu eu-lírico, como se lhe fosse transparente. Grato, sempre grato.
Sim, tenho o zelo do escultor, mas daquele que funde o ferro. Sou um forjador, tenho a tez crestada pelo fogo. E tanto posso forjar em vidro, quanto em ferro. Vc me entende, né? Claro que entende. Minha poesia é dura armação de ferro, mas nela tento deixar translúcidos vitrais...

Dora disse...

Eurico! Acho que meu computador fez as pazes com o seu blog...rs
Mas, não vou comemorar tão fácil, assim...Esperemos.
Estou fazendo teste aqui...rs
Beijos.
Dora

Ilaine disse...

Eurico- Eu-lírico: Poeta, amigo!

"Viver é instante e espanto..."

Saudades d'ocê!

Abraço

Estella Maris disse...

Ah Eurico!
Que Lindo poema, é preciso parar pra refletir,

bjs

Canto da Boca disse...

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Não sei se meu estado, mas o fato é que eu senti um tantinho de melancolia nas linhas que traçam seus belos traços; mas gosto acima de tudo da consciência que envolve o poeta quando atesta a transitoriedade da vida e a sempre presença dos seus eus, que nunca o faz só... Embora eu adore meus instantes de solidão, bela composição, vizinho poeta 'Eurilírico'... Estou 'ave-pássara' - quase a nossa LoBobona- voando pelos céus do mundo.
Um abraço carinhoso, fraterno e felizes dias.
;)

P.S.
E mais uma vez louvo a subjetividade, existe traçado mais bonitos que os retratados pela multiplicidade e diversidade de sentires?

lula eurico disse...

Boca, amiga, vc colheu do poema a frase que escondi: "tudo no mundo passa, tudo é frágil" não é o meu verso, é o da Florbela Espanca rsrsrs Esse verso aflorou-me à consciência quando escrevia o poema. Fiz uma dedicatória poética, embutida nos versos, à grande poeta Flor d'Alma da Conceição Espanca.

Vivian disse...

..."E eu, aqui, in/significante.", encantada beijo-lhe a alma de tamanha inspiração...muahhhhhhhh


Vivian

Jacinta Dantas disse...

É Eurico,
para o artista das palavras, minha letra é de aplauso, sempre.
Beijos

Loba disse...

Eurico!
Tem uma amiga minha apaixonada pelos seus poemas, mas não consegue comentar pq não tem conta no google. Tem jeito de mudar isso, meu querido? rs...
(se quiser mudar, te ajudo, tá?)
Beijocas