Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, dezembro 16, 2010

NA VELHA ESTRADA DE IBIMIRIM (cismas no ocaso)




















Era estreita e sinuosa
a antiga estrada de Ibimirim.
Os pequenos aclives nos tiravam a visão.
Num fim da tarde, uma boiada
surgiu no horizonte, vagarosamente.
Ágil e presto, o motorista, em ziguezagues,
nos salvou do choque.
Seguimos ilesos, bois e passageiros.
Nunca me esquecerei dos grandes olhos daquele boi manso,
em minhas retinas tão fatigadas.

A viagem seguiu serena.

Somos pequeninos e frágeis sobre rodas.
Somos pequeninos e frágeis, sempre.

A parte disso, temos tantas certezas,
tantas fortalezas,
confiamos em nosso absoluto domínio
sobre as coisas em derredor.
Quando voamos na autoestrada,
rimos, confiantes, feito as formigas sobre a mesa,
antes de lhes
darmos um piparote.

É...
o mundo não anda nada poético...
Tento entender o que diz um telejornal.
Explico-me:
tento tirar algo mais do que dados economicos,
estatísticas de mortes no trânsito,
performance das vendas do Natal;
quanto há ali de profundamente humano,
quanto há de esforço pela compreensão da vida humana...
Queria ouvir falar de valores, não os da bolsa.
Aliás, valor é uma palavra dúbia,
e sob certo sentido, obsoleta.
Não se adequaria num telejornal.
Como encaixar valor, neste cenário pós-moderno?
Eis que estou a tresvariar.

A boiada... os olhos do boi manso pelo retrovisor...
O susto.

Sob o impacto de certas emoções,
fica difícil dizer algo coerente.
Muito mais dificil fica a poesia...

Sabe, aquele ágil motorista, o que nos salvou a vida
na velha estrada de Ibimirim, soube dele dia desses...
a bebida...
a tristeza...
a velhice... as perdas,

Essas coisas que não ficam muito claras nos telejornais...
Esse sentido da vida... se há nela algum sentido.
A necessidade de ser veloz, de fugir de si mesmo...
Os ziguezagues da estrada...
As perdas no meio do caminho.
Essa enorme e abstrata pedra...

...que a viagem dele tenha sido serena...




Fonte da imagem:
Uma velha estrada

4 comentários:

Unknown disse...

viagem bipartida, entre um caminho e outro, destinos de boi e gente. O mundo rumina o seu vagar,


grande abraço

Bia disse...

Que a serenidade esteja em todos nós...pois somos mesmo pequenos...

beijos com meu carinho,

Bia

carmen silvia presotto disse...

O mundo a ruminar o seu vagar como nos diz Assis e a Poesia a nos indicar o caminho de sermos os animais que pensam, escrevem e transformam.

Um beijo Eurico e refletir com teus versos me faz melhor sempre.

Carmen.

Sueli Maia (Mai) disse...

É, amigo, parece que o mundo não anda mesmo muito poético. Há os que sigam em frente, há os que prefiram os atalhos, e sempre haverá paralelas que levarão a outros caminhos.

Mas a tua poesia esta sim, estará sempre aqui.

Um forte abraço, Eurico e um bom natal!