Uma Epígrafe
"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]
quinta-feira, dezembro 09, 2010
AÇUDE COCOROBÓ
"ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...)" Euclydes da Cunha
Sentei-me às margens do Cocorobó,
e chorei copiosamente.
Pranteei os loucos,
os deserdados do mundo,
os sem-teto, os sem-terra, os sem-história.
Os zé-ninguém,
aqueles, paupérrimos de espírito, de N. S. Jesus Cristo.
O Sol da tarde ia sumindo no horizonte e eu
dependurei meu alforje nas galhadas dos salgueiros.
Fiquei matutando, cá com minhas armoriais tristezas:
os filhos da República mais avançada do mundo
morrem de obesidade mórbida;
a República do povo do D'us único
ameaça seus vizinhos com a bomba;
as modernas metrópoles republicanas,
com sua arquitetura e urbanismo,
sua ciência e tecnologia,
estão quase sem ar puro pra respirar...
Apocalíptica ironia do mundo moderno:
Ninguém os toma por loucos.
(Os loucos estavam mesmo em Canudos e eram
miseráveis hereges e monarquistas)
Submersas sob Cocorobó,
as ruínas de nossa Atlântida sertaneja:
cidadela dos santos loucos,
dos fanáticos visionários,
(e quem sabe, até, dos nossos primevos comunistas)
Submersa a capela dos heróicos ébrios de Deus.
Uma tentativa (inútil) de banir sua memória,
com essa inundação infame e letal.
De meu peito intra-histórico
verto essa lacrimosa ladainha sebastianista...
E creiam-me, os que aquecem o planeta
com milhões de fornos entrópicos e suicidas,
"O mar, senhores donos do mundo, há de virar sertão!"...
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Eurico, mergulhado no sertão de Cocorobó.
(com a permissão visionária do eu-lírico)
Fonte da imagem:
Canudos submersa
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