Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, abril 08, 2009

Nonada (litania para agnósticos)


























Conversão de São Paulo - Caravaggio






Se o Bom Deus existir
Que me perdoe a incerteza.
Que me perdoe o olhar epidérmico sobre as coisas.
Mesmo sobre aquelas impregnadas de amplidão.

Perdoe-me, Bom Deus,
Não consigo a audição do ultrafânico.
Mal escuto o arrulhar dos arroios
E essas reverberações de seixos lançados n’água.

Tenho de admitir que tateio, apenas tateio,
Entre as alusões da exegese
E as ilusões dos conceitos.

O que serei, então?
Uma elisão, talvez.
Tirante o que me fizeram ser,
Suspeito que sou nada.

Mas, dá-me a impressão de que existes, Bom Deus,
Quando me sinto escondido nas grutas;
Quando estremeço diante da morte,
Essa predadora absurda e voraz.
Nessas horas sobrevoam-me pterodátilos.
De algum modo os percebo.
(Quase que palpo suas garras sinistras)


É com essa visão que os vejo,
Que te busco, Senhor.


É através desse olho cravado no centro de mim,
(O olho disso que chamo de imaginário),
Que me escapa essa furtiva lágrima,
jamais revelada aos meus contemporâneos.




***************************************

Eurico

(sou nada, mas tenho em mim
todos os sonhos do mundo... Fernando Pessoa)

***************************************

3 comentários:

Zeca disse...

Eurico,

com as Sonatas para o Dr.Alzheimer você nos preparou para a série de poemas de deixar o queixo caído diante de tanta beleza! Estas litanias, então, são de me deixar sem fôlego. E por falar em fôlego, haja para tanta criatividade!

Parabéns, amigo!

Abraço.

Unknown disse...

Eu também,Eurico penso igual ao poeta. Obrigada por sua visita ao blog, me envaidece.:)
Fiz uma homenagem a Ti, já que amas ao poeta carioca.

Abrs.

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, querido poeta, que o niilismo é essa afetidade sem deus, quase-laica, porque tem saudade da transcendência, ainda que desacredita delas, o que, aqui e ali, por absurdo que pareça, pode ser utópico.
meuabraço,
luis