Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, abril 18, 2009

E por falar em inutilidades, leiam Jorge de Lima




















Aos 21 de setembro de 2006, publiquei, aqui mesmo, alguns sonetos da Invenção de Orfeu, do genial poeta Jorge de Lima. Porém, esse tema da inutilidade da poesia (inutilidade que lhe faz superior às coisas úteis, mas poluentes) trouxe-me à memória dois sonetos, em especial: o Sétimo, do Quinto Canto, e, logo a seguir, o Quinto, do Primeiro Canto.


VII (Quinto Canto)


Estão aqui as pobres coisas: cêstas
Esfiapadas, botas carcomidas, bilhas
Arrebentadas, abas corroídas,
Com seus olhos virados para os que

As deixaram sózinhas, desprezadas,
Esquecidas com outras coisas, sejam:
Búzios, conchas, madeiras de naufrágio,
Penas de ave e penas de caneta,

E as outras pobres coisas, pobres sons,
Coitos findos, engulhos, dramas tristes,
Repetidos, monótonos, exaustos,

Visitados tão só pelo abandono,
Tão só pela fadiga em que essas ditas
Coisas goradas e orfãs se desgastam.


Jorge de Lima
(Quinto Canto, Sétimo soneto)



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V ( Primeiro Canto)


Não esqueçais escribas os somenos
As geografias pobres, os nordestes
Vagos, os setentriões desabitados
E essas flores pétreas antilhanas.

Há nesses mapas números pequenos,
Uns tempos esbraseados para pestes
E muitos ossos tíbios chamuscados,
Faces perdidas, formas inumanas.

Não esqueçais, escribas, ir contando
Nas cartas, o que está aparente, ao lado
Das invenções em seu fictício arranjo.

E os pequenos orgulhos, sempre quando
Quereis fugir ao mundo persignado,
Ó impenitente e despenhado arcanjo.


Jorge de Lima
(Canto Primeiro, Quinto soneto.)




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Clique na imagem para ver sua origem.

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12 comentários:

Ester disse...

Inutilidades por que? Não entendi..

entendo de gatos e poesia, vim pelo primeiro que me atrai como imã, e encontro a boa poesia

O poeta sensível vê poesia em tudo,


Abs,

Dauri Batisti disse...

Bom ler isto que vais postando aqui. Valeu.

Anônimo disse...

Nossa, eu sinceramente não conhecia tamanha beleza!! São versos sensíveis e perfeitos demais!!!
Adorei!!


*Já linkei vc tbm, muito obrigada pela visita e pelas palavras de carinho!
Abraços

Bia disse...

Olá, querido Eurico!
Passo a lhe seguir a partir de hoje...seu "cantinho" vale mesmo muito à pena!
Um beijo em seu coração e um ótimo feriado!

Bia Maia

http://olhardentrodosolhos.blogspot.com

lula eurico disse...

Para sair da enrascada que criei ao dizer da inutilidade da poesia, tive de recorrer ao google. (Salve o google!) E achei esse trechinho abaixo, com a ressalva de que se deve trocar a palavra "filosofia" por "poesia" e estará explicada a inutilidade da poesia:

"INÚTIL? ÚTIL?

Um dos primeiros ensinamentos filosóficos é perguntar: o que é útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil?
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil."

Humberto Zanardi Petrelli in:
http://www.algosobre.com.br/filosofia/inutil-util.html

lula eurico disse...

Desse modo, Ester, minha amiga-irmã, posso parafrasear o Zanardi e dizer que:

"a poesia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil."

Abraçamigo e irmão.

lula eurico disse...

Os gatos tb. Mas não são lindos? rsrsrs
E nos olham como as coisas abandonadas do Jorge de Lima...

Jens disse...

Oi Eurico.
Acabou o recesso, voltei. "A poesia é necessária?", perguntava, em tom de provocação, a turma do Pasquim nos anos 70. A resposta é óbvia: basta ler Drummond ou Quintana, entre outros. Os poetas são as antenas da raça.
Um abraço.

Beti Timm disse...

A poesia pode ser considerada inútil, lembrando-se que o ùtil e o inútil é discutível, e ambos se confundem. Mas para mim ela é vital, visceral em toda a sua grandeza!

Beijos poéticos.

lula eurico disse...

Beti, artista amiga,
Esse mote da inutilidade fou mesmo muito útil. Essa discussão leva a reflexões sobre a necessidade da arte em geral. O que seria do mundo sem a arte?
Pra mim também, Beti, a poesia é vital, mesmo em uma civilização antipoética e até mesmo, por que não dizer, antivital! rs

Abraços poéticos e fraternos!

Ester disse...

Ah Eurico,

adorei a aulinha de inutilidade..rs

Sempre aprendo quando venho aqui!


Abraços da amiga inútil!

lula eurico disse...

Sim, no sentido de ser encantadora e poética, minha amiga é "inútil'. Só nesse sentido, viu!
Abraço.