Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, abril 23, 2009

Aboio (Demarcação da poesia nº 1)






















(Reedito aqui, poema de meu inédito

Ser tão Profundo/Mangue Interior
,
aproveitando o momento árido, ou semi-árido,
que perpassa o Eu-lírico. rs )



Meu canto é que nem filete d’água, minando a pulso de um lajeiro.
É assim, arrastado, gutural, canto monossilábico.
Melopéia pungente,
Arrancada da Pedra que me sangra o Reino do peito.

Canto esse meu canto, agoniada infra-linguagem,
Mugido de uro primevo;
Urro inculto em goela ressecada.
Canto a lamúria dos bichos
que tanjo em meu ser/tão profundo...

Esse canto germina, acúleo feito um cardeiro,
Na minha alma de abrolhos, de solidão e de silêncio.

Vou cantando e tangendo um gado invisível,
Por entre espinharas sibilantes e seixos esbraseados,
Enquanto atravesso as léguas tiranas de uma caatinga interior.

Dessa terra rachada e sem húmus,
Exsurge um léxico raquítico,
Vocábulos mínimos que se alongam tristes...
Um aboio...

Com a morte em minhas lembranças
E a dor em minhas andanças,
Canto uma agonia fechada, solitária,
Num universo parco, de cabras e pedras,
Quase sem palavras com que se cantar.



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Eurico
in: Ser Tão Profundo/Mangue Interior (meu livro inédito)
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A imagem foi copiada do sítio:
http://canindesoares.blog.digi.com.br/

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18 comentários:

Anônimo disse...

Que palavras lindas, querido!
Eu tenho uns versos que escrevi quando era garota que pode ser mesclado com os seus!!
Lindo! Parabéns!!
Abraços meus

lula eurico disse...

Grato, Su. Mas pq não publica os teus versos?
Abraçamigo.

Arthurius Maximus disse...

Também gostei. Lirismo puro.

Um abraço.

dácio jaegger disse...

*Perdi em alguns quesitos ao ler o Pedido, porque por mais que queira ser um Homem de Boa Vontade um tal de instinto atua em horas de aperto ou disputa. Penso em sair de dia com uma lanterna acesa para ajudar na procura de HBVs...rs. **Pesos e pesados, é assim a vida dos que pensam e dos que não pensam, pesos para serem carregados e descarregados para a vida tornar-se mais leve e depois flutuar.*** Uma síntese que floresceu na magia da mente:
“não tem porquê.
Floresce porque floresce.
Não cuida de si mesma.
Nem pergunta se alguém a vê..." não a conhecia.*** Bom encontrar o Jorge de Lima aqui, poeta que era médico, pintor e foi político de qualidade ímpar. Eu, um arremedo deste magnífico exemplo, só não sou político, nem me vejo imitando-o, nem de longe. Durmo pelo menos uma hora a mais que ele. Vivo intensamente todos os labores.****As Cabras, que legal, celebradas pelo JC de M Franco. Quando o tempo dá, é lugar aqui para ficar o tempo que dá para apreciar seus presentes de escolha pessoal de autores; completa-se com suas belas autorias, Eurico como este Carcará. Lembro–me de ter solfejado muita s vezes um estribilho: “Carcará
Mais coragem do que home
Carcará
Pega, mata e come”...*****E lá vai o poeta em seu canto triste, palavras curtas e precisas , irmanado na lamúria dos bichos na premonição do sertão que pelas andanças do tempo ansia por transformar-se em mar oceano? AbraçAmigo

Dora disse...

Antes, foi o "carcará". Agora, a simbologia do sertão é o canto. Rouco, rude, agoniado, quase jurássico. Canto que vem semelhar a aridez do solo, a desolação da paisagem esturricada, a famélica e descarnada fauna, a desesperançada gente da caatinga.
Como em "Vidas Secas", em que o vaqueiro Fabiano se exprime quase em onomatopéias, sem linguagem formada e estruturada.
Aqui, o canto é lamento que introjetou o sertão na alma de quem canta.
Um universo de poucos sons, onde o aboio é uma frase musical.
Lindo seu poema, rapaz Eurico!
Aplausos meus, em pé, agora...
Abraço apertado.
Dora

lula eurico disse...

Dácio, amigo, grato pelo "passeio" virtual no meu blogue. Receba meu abraço fraterno.Hmm, e como vai a saga dos filhos da Evita? rsrss
Vou já lá pra conferir se tem algo acontecendo.

Abraçamigo e fraterno.

lula eurico disse...

Dora, como é bom ter vc por aqui. Teus elogios fazem um bem danado. Pq vc é a leitora ideal de qualquer escritor. Eu, então, aprendiz eterno, fico envaidecido.

lula eurico disse...

Arthurius, grato pelas palavras. Mas de excelente qualidade é o teu Visão Panorâmica, no qual encontrei a melhor descrição do debate na Suprema Corte. Estou com o Joaquim Barbosa e não abro nem que venha o trem. rsrsrs
Troço pela moralização da justiça da qual sou serventuário aqui no Recife, onde tb se ocultam mazelas.

Jens disse...

Oi Eurico.
Um poema seco, duro, árido como o sertão - é a palavra moldando-se à natureza.
Um abraço.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi meu amigo querido.

Assim tu queres me fazer cortar cebolas... Não aguento ouvir um aboio sem chorar, crês nisto?
Uma abestalhada, eu.
É que parece que o sertanejo está gritando um pranto ao mundo inteiro....
Isso me acaba.
Quase morro de tanto sentimento e sei lá o que é isso.
Sósei q sou assim, uma pele emflor , sempre aberta....


Estás tão mais lindo que sempre!? Lindo d'alma e lindo gente.

Carinho, tua amiga dínfância,
Mai

lula eurico disse...

Vc é humana. E nisso está a tua beleza.

Abraçamigo d'infância.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Eurico,

Imaginei que você tivesse livro e que era escritor "de verdade mesmo" rsrs. Acertei.

Sua poesia é muito boa, teu um estilo e características próprias. Eu gosto.

E esse poema me lembrou um filme. "Abril despedaçada" que você deve conhecer, lembrei não pelo enredo, mas pela fotografia que consegue captar naquelas paisagens áridas e (porque não) tristes do sertão nordestino a beleza latente. Você fez isso também.

E fiquei curioso pra ler "Ser Tão Profundo/Mangue Interior".

Parabéns.
Inté.

lula eurico disse...

Ah, Dorita, esqueci de concordar com "Vidas Secas". Sou fã do Graciliano e leio e releio aquele clássico. Se fosse ele estrangeiro seria um Nobel de Literatura. Não há leitura mais fiel do meio em que vive o homem da caatinga. Talvez no Euclydes, mas nos Sertões há uma prolixidade, embora majestosa, mas há. Mas a concisão e a crueza das vidas sertanejas... só no Graciliano.

lula eurico disse...

Éverton, de tanto ver livros de amigos meus nos sebos da vida, vendidos a pouco mais de 1 real, resolvi não investir em livro. E depois que descobri a praça pública que é a blogosfera. Só queria ser lido. E estou sendo. Todo dia olho o mapinha e fico rindo só. Sei que um livro meu não teria a quantidade de leitores que a internet me traz.
Mas, me considero escritor, aliás, sou sim e por opção profunda. Vou te enviar por email, (depois de revisar alguns textos), o Ser tão Profundo/Mangue Interior.
Estava pensando em postar tudo aqui, em seqüência, mas como tem muita prosa nele, ainda não me decidi.

Abraço fraterno, meu irmãozinho. Bom desfrutar de tua amizade.

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Olá Eurico, volto para agradecer sua visita,é sempre um prazer ler você, e deixo um texto que escrevi hoje:

:: CÓDIGO DE ÉTICA :: EFIGÊNIA COUTINHO

Algum jeito de ser, tem muito com a virtude "POLIDEZ"
Polidez da alma, um saber viver de si para consigo ( ainda que se trate, sobretudo do outro)
uma etiqueta de vida vivida, um código de ética de nosso deveres e postura diante do mundo,
dos outros, seja na forma de se expressar ou pensar, um cerimonial da essência adquirida.
A moral, começa pois no ponto mais baixo - pela "polidez".
É praticando ações justas que nos tornamos justos.
Ora, o que é essa disciplina na vida na família,
senão antes de tudo, o respeito dos usos
que se faz numa escrita, das boas maneiras.
A Polidez inspira a bondade, a gratidão;
pelo menos da uma aparência, e faz o homem parecer por fora como seria por dentro.
É apenas um começo, e o é. Dizer "por favor" ou "desculpa"
e simular respeito ao seu semelhante.
Ai que começa o respeito e todo o reconhecimento adquirido ao nascer num berço
"esplendido", que não necessariamente representa posição social ou dinheiro.
Como a natureza imita a arte, assim amoral imita a Polidez, que a imita!
E essencial durante a infância, praticada na idade adulta...

Efigênia Coutinho

Éverton Vidal disse...

Eurico,

eu compreendo o que você diz. Hoje as pessoas estão "migrando" para o mundo virtual. Até um tempo atrás eu não lia livros na frente do computador, agora já faço isso e até com certa freqüência.

E na blogosfera (ou nas blogosferas rs) existe muita coisa de boa qualidade sendo publicada. Um amigo meu, tempos atrás, publicou uma blogonovela. Dentro do que ele esperava foi um sucesso, e todos nós que acompanhávamos adoramos o projeto. E tem blogs com "cara de livro" como o da Letícia do "afeto literário" (vale a pena visitar).

Sim, a internet, os blogues são excelentes ferramentas para os escritores "de verdade mesmo". Sem dúvidas, devido ao congestionamento nas editores e todas aqueles problemas de divulgação e bla-bla-blas o escritor que quer apenas ser lido (sem o tal retorno financeiro, que também seria bom e digno) consegue isso na internet.

É mais lido do que esperava ou imagina!

E eu leria/lerei com todo prazer o seu livro. Meu email é everton_vidal@yahoo.com.br (é MSN também). Assim que reinstalar o MSN aqui vou te adicionar.

Quanto ao banner, infelizmente eu sou péssimo nisso. Quem fez as modificações no meu blog foi o Marco do Lion of Zion. Lembro que até encontrei uma explicação no google sobre como fazer um banner, mas não consegui rs. Por isso o meu é antigo.

Mas vou dar uma pesquisadinha pra ver se tem alguma novidade e te aviso.

Aquele abraço.
Inté!

lula eurico disse...

Everton, estou realmente impressionado com a procura pelo meu blogue. São mais de mil visitas/mês. Bem, depende do tema que eu postar. Tem uns mais lidos do que outros.

Abraçamigo
Vou te add ao msn, embora pouco use o messenger.

lula eurico disse...

Efigenia, postei há poucos dias, algo sobre o assunto boa vontade entre os homens. O título é Pedido aos Homens de Boa Vontade. Tem tudo a ver com teu Código de Ética.
Concordo com vc. A polidez pode ser um começo. A cortesia tb.

Grato.
Abraço fraterno.