Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, abril 26, 2009

Modinha em Tom Menor para Menores Infratores





















Ali estão os anjos vagabundos,
Carinhas sujas de lama!
Conversam sobre a jangada
Tão inocentes de tudo
Da humanidade, do mundo
Da vida que irá roubar
Seus calmos anos de infância
Essas alegres andanças
Quando menos se esperar...

Sonha, anjo irrequieto,
Sonha, que um dia, por certo
Despertarás desse sonho
E nunca mais poderás
Dormir direito e sonhar.

O tempo é um bruxo covarde
Feito um mar de tempestade
Que leva tudo pra longe
Sem chances de retornar
O tempo é irremediável
Feitiço ruim, imutável
Que faz a gente penar...

Sorriam anjos vagabundos,
pelas margens do Rio Pina
Rio abaixo, rio acima
Pintando o sete e os canecos
Que um belo dia na certa
Vão engraxar mil sapatos
Vender mil rosas em mil bares
Ou, solução mais esperta,
Pedir esmolas nas pontes
Furtar otários nos ônibus
Vão apanhar da polícia
Virar, na Globo, notícia.
Esse é o pior dos pesares:
Pois nos sofás de mil lares
Rir-seão dos teus esgares.



Eurico (1990)
(ainda da série de poemas da maré,
in : Ser Tão Profundo/Mangue Interior)


Fonte da imagem:
http://www.projecoesdigitais.blogger.com.br/2005_08_01_archive.html

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22 comentários:

Canto da Boca disse...

O poema inteiro, denuncia o que todo dia, fingimos não ver. Mas queria relevar essa frase:"O tempo é um bruxo covarde", o tempo é pra passar, em sua natureza diária de nunca permanecer... Mas e nós? Como vamos falar da nossa covardia? Como nos comportamos diante do que produzimos e construímos?
E ainda há os que dizem que as vítimas somos nós. Sim, somos, porque estamos a perder vidas, refastelados no sofá.
A distribuição de renda a se fazer de qualquer jeito, e a parte mais frágil com coragem para fazê-la, vira nada diante da violência de todos nós.

Domingo mais que reflexivo, vizinho...

Um cheiro das bandas de cá.

lula eurico disse...

Outro pra vc, Boca. Vc tem toda razão. Não adianta apenas gritar e espernear, num canto, a fazer poemas.
Essa semana alguém gritou:
Saia às ruas! Saia às ruas!
Era dirigido esse apelo ao Presidente do STF. Mas eu recebo o apelo tb. E irei às ruas, sim. É aqui que vivo e se eu não fizer algo pra isso mudar, ficarei apenas curtindo Lenine a cantar e... nada mais.

Abraço reflexivo e fraterno.

FERNANDINHA & POEMAS disse...

OLÁ QUERIDO AMIGO EURICO, DESEJO-TE UMA BOA SEMANA... QUE A VIDA TE DÊ MUITA FLICIDADE... ABRAÇOS DE AMIZADE,
FERNANDINHA

Jens disse...

Oi Eurico.
Denuncia social contudente em forma de versos. Quem disse que a poesia não é necessária? Poemas indignados como este são imprescindíveis.

Ester disse...

Querido Eurico,

sempre trazendo-nos assuntos polêmicos através do seu olhar poético!
Quando falas de criança mexe diretamente comigo,
há de haver soluções e dias
melhores para os nosso pequenos!
Não me canço de ter esperança,


Querido, preciso um favorzinho seu, se der para votar no blog Esterança nesse link abaixo, ficarei muito agradecida!

http://elainegaspareto.blogspot.com/


ou passe lá no Esterança, o link direto está lá,


Obrigada, viu...!



bjs!

Dora disse...

Uma modinha toda rimada, em ritmo de dança,num alerta para esses alegres, incautos e inocentes "anjos"! Hoje há que se aproveitar a brincadeira e o riso fácil, já que amanhã seu destino parece marcado a ferro e fogo.
Destino "severino", não?
Bonito canto!
Abraço de carinho!
Dora

lula eurico disse...

Grato, Dora. As tuas visitas aqui me indicam algo de positivo no que ando fazendo. Apesar desse tom de denuncia, tenho de exigir do meu texto a qualidade. Não desejo ser panfletário. Acho que os panfletos tb têm o seu lugar e a sua hora. Mas... exijo, de mim, Poesia.

Abraço fraterno.

Sueli Maia (Mai) disse...

Amigo querido eis um tema que me arrebata a emoção - o desamparo social dessas crianças. E há que ser feito algo. Na verdade teu poema data de 90 pelo que assistimos por todo Brasil e muitos de nós vivenciamos, pouco mudou, não?

Hoje escreverias uma Ópera.
Fosse um filme seria drama.
Mas juro é uma tragédia social, mesmo.

Carinho e admiração,

Mai

Paula Barros disse...

Você me fez pensar, o mesmo que nos rouba o celular, uma carteira, a vida...é aquele que não teve direito a uma vida digna, que foi usurpado em todos os direitos de cidadão, de criança, de futuro...

Um sistema complexo e desigual, desumano e cruel.

abraços

lula eurico disse...

É verdade, Paulinha,

"hay que endurecer um coraçãozinho tan fraco, para vencer o medo do trovão, sua vida conta a contramão... "

Vamos mudar isso...

Éverton Vidal Azevedo disse...

É de engasgar a goela da gente Eurico...

Sim, vamos mudar isso.

lula eurico disse...

Vamos sim, irmão Éverton, já estamos fazendo isso. Disseminar idéias já é um caminho.
O resto a gente faz no dia a dia.

Paz e fraternidade!

Jacinta Dantas disse...

O poema é de 1990. A realidade dos "anjos" é atual. Anos e anos se passaram após o adeven do do Estatuto, sei que algumas ações são feitas mas...
São tantos meninas e meninas que estão por aí sem ter, no mínimo, o direito de sonhar.
Beijos

Regina Coeli Carvalho disse...

Infelizmente a cada dia esse grupo cresce e cada vez mais a faixa etária está menor.
Abraços.

lula eurico disse...

Verdade, Regina. É preciso fazer alguma coisa! Qualquer coisa!

Abraço fraterno.

Dauri Batisti disse...

Li num dos seus comentários que exiges de ti poesia. Pois consegues. Certas realidades continuam áspeas e frias mesmo no calor da tua poesia. Mas é poesia.

Um abraço.

lula eurico disse...

Grato, Poeta Dauri. Muito grato.
É que há uma linha muito tênue entre o panfletário e o poético, quando se trata de denunciar mazelas sociais.
Faço questão de fazer poesia, arte, mesmo denunciando, e se ela, a poesia, se faz política decorre da temática.
Abraço fraterno.

dade amorim disse...

"Sem chances de retornar" - o pior de tudo. Realidade dura, ruim, com que a gente tem que conviver no dia-a-dia e contra a qual aparentemente não há remédio eficaz.
Triste, poeta. Um beijo.

lula eurico disse...

GRato, Adelaide. VC tem toda razão. Mas tento atalhar por aqui, o curso da corrente de alguns desses... com cultura comunitária.
Espero que dê certo.

Abraçamigo.

loba disse...

Poetinha querido!!!
Estou feliz em voltar ao seu espaço! Um tanto pela saudade e muito por encontrar um poema-denúncia, uma alfinetada em nossas consciências acomodadas!
Menores infratores são responsabilidade de toda a sociedade, sabemos disso. Mas qtos de nós são a sociedade qdo não interessa ser?
Por isso é mportante ter a poesia tb como instrumento de indignação! E vc o faz como ninguém!!!
Um super beijo, querido. E obrigada pelo seu carinho, pela sua amizade, viu?

lula eurico disse...

Q saudade! Vc faz falta nessa rede!
Grato pela visita.
Muito bom te ler/ver!

ABraço fraterno.

Ester disse...

Olá Eurico,

Passando para desejar-lhe um dia lindo!


bj,