Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, abril 09, 2009

Litania do Desapontamento




















(Se eu fosse coevo daquela humanidade que habitava a Terra aos vinte e dois dias do mês de outubro do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1844, por certo sentiria aquele grande desapontamento. É que também carrego uma secreta ânsia pelo sagrado.)




Folheio, meio flâneur, as Escrituras Hebraicas
E sinto, bem fundo n'alma,

um enigmático estremecimento.
Meus olhos passeiam aleatoriamente

pelo profeta Daniel:
Seus estranhos números
me dão a sensação de estar diante
da teoria da relatividade.
Provocam-me, os mistérios bíblicos, um angor.
Uma necessidade imperiosa de êxodo.

E hoje é um dia propício para evadir-se.

As ruas estão silenciosas.
Muitos estão trancados nas suas casas.
Não há mais cânticos.
Embora alguns cortejos ainda regressem, fatigados.

Depois de bramar
como os cervos, pela corrente das águas...
restou essa repentina sede insaciada.
Depois de se atirar como a menina-moça
Ao encontro do primeiro amor...
ficou essa impressão de núpcias frustradas.

Folheio inutilmente a saga do profeta
e o vejo exsurgir da cova dos leões.
A narrativa segue em tom solene e profundo.
Carrega a gestação de milênios...

Emociono-me.

Mas, não sei bem
de onde me vem
essa terrível sensação de abraçar o vazio.


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Eurico

(o poeta é um fingidor...
... chega fingir que é dor,
a dor que deveras sente.

Fernando Pessoa)



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