Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, julho 05, 2009

Alice e Eu (ouvindo La Danse de Puck - Debussy)

























Às vezes, nós fugimos, eu e Alice,
E, faz-se um grande rebuliço, aqui em casa.
Que tolice!
Nesse mundo só se imagina desgraça.
Nem se pode dar um pulinho na via-láctea!

Gente grande não entende mesmo nada.
Gente grande não entende uma escapulida!
Fica matematizando o azul dos fatos.
Desse jeito acha equações,
Mas nunca, a vida.

Quando Alice me ensinou essa fugida,
Disse que há várias maneiras de fazê-la,
Uns apelam aos portais que há nos sonhos
Mas é em vão,
Pois sempre surge o inesperado
E eles despertam em meio à fuga, aos sobressaltos.
Outros exercitam as posições da yoga,
parece que acreditam no nirvana,
E se ocupam em metafísicos deleites.
Tudo isso é até muito bem aceite,
Mas a solução melhor, já bem testada,
É a éxupèryana, a fuga alada:
Agarremo-nos à cauda de um cometa
Ou de pássaros que emigram desse tempo.
Não há fuga mais tranqüila,
E não é exílio,
nem seremos abduzidos, nada disso.

É uma sensação de plena liberdade,
Uma dimensão de gozo, um grande alívio.
Voar com pássaros que emigram é facílimo.
Basta cuidar pra não chocar-se
em alguma estrela,
que navegue, velozmente, a via-láctea
sem consultas à devida carta náutica.
Essas tontas são um pouco irresponsáveis
e transitam pelo céu, desgovernadas.
Fazem estragos, sobretudo, aos poetas
que praticam a arte mística de escutá-las.

Fora disso, tudo ocorre calmamente,
E, como Alice já conhece os (des)caminhos,
Evitamos sempre as infusões das cinco,
Pois o chá desses lugares lembra o rum.
Os gatos bebem e ficam rindo à toa,
E as lebres, já velozes, correm loucas.
Pior:
Surgem, feito promoções de shopping center,
Uns estranhos gêmeos chatos, dois em um,
Quando não aparece o Tweedle-Dee,
o outro chato logo surge, o Tweedle-Dum...

Por isso, Alice já me aconselhou:
Quando for à via-láctea evite o chá.
E para o vôo imaginário não te embriagar,
Beba só água do pote ou guaraná.



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Para ouvir Debussy, enquanto lê este poema, clique:


Fonte da imagem:
Alice e eu (rsrsrs)

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20 comentários:

OLHAR CIDADÃO disse...

Amigo

O amor é lindo, e nem precia ser entendido, é lindo, e isso basta.

Um abraço

Paula Barros disse...

Eurico, geralmente não gosto muito de dizer esse foi o que mais gostei, mas é incontrolável não dizer.

Foi uma sensação boa de quem voo, de quem passou juntos as estrelas tontas, quem rodopiou....muito, muito gostoso de ler, de imaginar, de apreciar a beleza da escrita.

O mundo está realmente muito violento e uma viagens assim faz muito bem.

abraços e uma ótima semana.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Eurico,

Antes de comentar sobre seus poemas debussycados, quero responder ao seu comentário no Re-novidade.

Fiquei contente ao saber da nomeação de Dom Fernando Saburido, embora não o conheça, minha alegria está em você tê-lo citado como de alguma maneira (ou proporçao) continuador de Dom Helder. Pois embora eu nao seja exatamente Católico Apostólico Romano, sou católico, e tenho amor demais por esta Igreja. Quanto à figura de Dom helder nao é necessário comentar, mas resumo: Um grande homem, um grande Arcebispo.

E eu repito: Bem vindo, Dom Fernando!

Outro abraço.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Sobre este poema, ele é muito especial. Honras a Debussye, Lewis Carrol e Saint-Exupéry, e a você. Por sinal, um dos meus pecados é nao ter lido o livro de Alice, mas isso se repara né. Quanto ao Pequeno Príncipe, este é de cabeceira.

Mas seu poema é uma viagem à parte. Adorei isto: "aos poetas
que praticam a arte mística de escutá-las", e tudo o mais.

Enfim, sempre estou aprendendo por aqui.

Abraço!

Beti Timm disse...

Eurico, sei que devo evitar o chá, mas ele é bem tentador! tras efeitos estranhos, mas que como tudo que é estranho atrai...

Beijos sem o chá...rs

Anônimo disse...

Pelo jeito,
tenho muito o que aprender com a Alice!
Bjs e boa semana.

zhubenedicty disse...

Que maravilha! Adorei; eis aí fonte para o êxtase, o encantamento, que apresenta-se enlamado e escondido na purpurina seca dita realidade, abs.

lula eurico disse...

Bondblog, eu concordo contigo, e é bom amar, mesmo que seja a uma estrela tonta! rsrsrs

Abraço fraterno.

lula eurico disse...

Paulinha Barros, saudades de passear com vc e de ser fotografado. rsrsrs
Foi realmente um vôo sem plano.
Creio que evito muito escrever coisas assim. Mas a Alice me instiga... rsrsrs

lula eurico disse...

Everton 1:
que o Saburido nos traga mais saborosa convivencia. O Dom José foi dificil de digerir, mesmo usando de toda a tolerancia cristã. rsrsrs

Everton 2:
uma viagem com minha amiga Alice. Eu, cheio de dedos e de pernas, pois sou a centopéia, ou lagarta, que se vê sobre o cogumelo.
Mas é preciso, como alerta a Paulinha, de coisas assim em nossa alma. Um cantinho pra nossa criança brincar, pois o mundo anda muito sem graça.

Abraçamigo e fraterno.

lula eurico disse...

Beti, querida. Pode beber do chá. Aliás, eu já havia bebido dele antes de escrever o poema. Por isso a Alice me repreende ao fim do mesmo. rsrsrs
Ela detesta que eu me embriague; fico muito chato no outro dia e ela se agasta com isso. Gosta de me ver de bom humor.

Abraço fraterno.

lula eurico disse...

Oi, Fatima. Grato pela homenagem lá no "Viver". A Alice e todas as crianças são as melhores professoras do mundo. Afinal é delas o reino dos céus. Imagine só como são poderosas e sábias! E se a gente não se tornar como uma delas, nem chega perto de São Pedro. Só apelando para a Compadecida! rsrsrs

lula eurico disse...

Malu, vc tem um blog?
Que bom te encontrar aqui. Saiba que esse é um cantinho especial e que nem todo mundo sabe que cometo esses poemas. Desde pequeno percebi que não se dá muito valor aos poetas. O próprio Platão não os aceitou na sua República, né mesmo?
Fiz tortuosos caminhos para me assumir poeta. Quase que viro astrofísico, empresário de eletronica, e outras coisas do ramo. Graças a Deus, a Alice me soprou essa verdade, que vc acaba de confirmar, com sua intuição de poeta: a realidade é muito seca e esconde o encantamento.

Estou contigo e com a Alice. Ah, e com Jesus. Ele disse que deveríamos, devemos, digo melhor, ser como crianças para adentrar ao Seu Reino.
Pronto. Eu tou dentro. Sou um menino leso e quase pirado. kkkkk

Um cheiro carinhoso e fraterno.
Seja bem vinda, aqui e lá no trabalho.

Jacinta Dantas disse...

Essa série dauriniana está me levando a viagens indescritíveis.
Não sei,
aqui, Alice e a personagem que a acompanha, se misturam, tornam um Eu único, que busca liberdade e se arriscam nos sonhos.
Um beijo

Jens disse...

Oi Eurico.
Concordo: Gente grande não entende mesmo nada.
Alice é que sabe das coisas.

Um abraço e uma bela semana.

Ilaine disse...

Eurico!

Que tão lindo esse!
Ah, que viagem você e Alice.
Nada como tornar-se menino outra vez.

"Gente grande não entende mesmo nada.
Gente grande não entende uma escapulida!
Fica matematizando o azul dos fatos.
Desse jeito acha equações,
Mas nunca, a vida."

Poeta, poetinha!
Beijo, com carinho

Jacinta Dantas disse...

Hummmmmmmm!
agora estou com ciúme por não ver sua "resposta" ao meu comentário.
Volto depois.
Um beijo

lula eurico disse...

Oh, Jaci, minhas apologias... rsrsrs
Nem a tua resposta, nem a do Jens, nem a da Ilaine.
Creio que eu estava postando um novo texto e...
Bem, respondo agora. Talvez eu não tnha respondido pq uma viagem dessas é perigosa, principalmente quando lida por psicólogas, hehehe
Será, Jaci, que Alice é , minha anima, minha porção mulher rsrsrs Virgem santa! Eu que sou um cabra da peste, devia ter como porção muler a cangaceira Maria Bonita, né não? kkkkk
Olha em que me meti! Esse fluxo de consciencia é um perigo. Posso ser analisado à distância.
Bem, Alice, creio eu, está em todo lugar, é onipresente, e foi esse o "achado" do Lewis Carroll, como também foi do Saint-Éxupèry, a intuição do Pequeno Príncipe.
Amigos invisíveis, os dois? Acho que sim. Enquanto eu escrevia ela se imiscuia no texto, ah, danadinha.

Bem, respondi.
Eu te deixo um beijo e Alice, um piparote.

Andreia Alves disse...

Olá Eurico! Que sábio e singelo teu poema. Gente grande não sabe realmente nada, bom seria se soltássemos a criança que existe em nós, aí quem sabe conseguiríamos entender um pouquinho mais das coisas lindas e boas da vida.
Ah! Cheguei até aqui pelo blog Re-Novidade e adorei!
Beijos carinhosos para ti...

lula eurico disse...

Seja bem vinda Andreia! Amigas do Éverton são minhas tb. Pode se achegar, que aqui as portas ficam sempre abertas...

Abraço fra/terno.