Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, julho 16, 2009

A PALAVRA - Carlos Pena Filho





























Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma


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Fonte do texto:
www.fisica.ufpb.br



Fonte da imagem:
Brumas

Carlos Pena Filho (1929-1960)

poeta brasileiro, nascido no Recife -PE,
e que desapareceu tragicamente em um
acidente de automóvel, aos 31 anos.
Jorge Amado, que o chamava carinhosamente de Berrito D'Água,
a ele dedicaria, em 1961, a magistral narrativa,
"A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água".
(confiram o apelido e a dedicatória em
"Os Velho Marinheiros - duas histórias do cais da Bahia",

Livraria Martins Editora, 1969)

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19 comentários:

Valdeir Almeida disse...

Eurico,

Temos grandes poetas, mas desconhecemos (eu digo temos, porque o poeta não morre com sua morte, ele vive através de sua obra).

Desta poesia, o trecho que mais me cativou foi este:

"E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa".

Através da "contradição" de termos e de ideias ele constroi uma nova ideia: a de que as rosas de aluminío são mais belas, (para não dizer positivamente artificiais). E por serem artificiais, podem recriar-se, reinventando a própria beleza.

Abraços.

Euza disse...

Primoroso! Eu amo metalinguagem - seja prosa ou poesia!
Vc tem cada descoberta! E depois se encolhe em modéstia, né? rs...
Beijo, companheiro!

lula eurico disse...

Valdeir,
eu sabia que virias aqui. Amante da palavra, com confissão pública, vc era mesmo o meu primeiro esperado para hoje.

Na verdade eu iria usar esse trecho que vc mais gostou, como epígrafe para um novo poema meu, mas não resisti e publiquei o Carlos.
Ele merece a homenagem, que já faço a ele pela segunda vez. Creio que em 2007 tb lhe fiz uma postagem.

Abraço fraterno.

lula eurico disse...

Euza,

o Carlos, o nosso Carlos, é aqui muito mais conhecido do que o João Cabral. Sabe pq? Era boêmio. Tanto que um dos bares centrais da cidade reserva ainda a sua mesa. E é bem no centro do Recife: o bar Savoy, que, infelizmente, está sendo fechado... Pra esse bar ele fez um poema inesquecível, que todo bebedor da noite recifense conhece, parafraseia, recita:

"CHOPP

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados."


Esse poema é o hino dos boêmios, comerciários, camelôs, bancários, escritores, etc. De todos que largam do trabalho e dão a devida paradinha para um chopp, uma gelada. Por isso o Carlos é um poeta inesquecível. E o Jorge Amado em suas farras pelo Recife, o apelidou de Berrito D'água, levando-o depois a escrever a magistral obra que virou minissérie global, há pouco: A morte e a morte de Quincas Berro D'água.


Abraço carinhoso e fra/terno.

lula eurico disse...

Valdeir,

tentei comentar no teu blog, desde q vc pediu socorro e não consegui.
Percebi que a verificação de palavras é o problema. Vc pode configurar os comments sem verificação de palavras, sem perder o direito à verificação prévia e autorização. Portanto retire a verificação de palavras, para ver se o problema fica resolvido.

Abraço.

clube opera disse...

Adorei seu blog!
Venha fazer parte desse fã clube de canto lírico prestigiando nossos cantores; participe do blog www.liricobrasileiro.blogspot.com você poderá fazer história com eles.
Bem Vindo ao Blog
Fã Clube.

Anônimo disse...

Gostei muito do poema Eurico.
Não conhecia o poeta.
Bjs.

Valdeir Almeida disse...

Amigo Eurico,

Agradeço-lhe muito pela ajuda. Retirei a verificação de palavras dos comentários. Fiz o teste e funcionou. Espero que funcione com você e todos os outros também. Pois está sendo muito triste não interagir com os outros blogueiros.

Obrigado pela força.

Abraços e boa noite.

lula eurico disse...

Fátima,
era um jovem muito querido dos intelctuais recifenses. E do povo também. Morreu tragicamente em acidente de carro em 1960. Mas deixou belissima obra, que Jorge Amado usa como epígrafe em duas estórias do cais da Bahia, no livro Os Velhos Marinheiros. Se era amigo do Jorge, imagina a qualidade, né?

Abraço fraterno.

Canto da Boca disse...

"Olinda é só para os olhos, não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo..."
Claro que ao lado do Soneto do Desmantelo Azul e do Guia do Recife, essa aí que eu citei acima, estao sempre comigo, e ainda nem falei de "Solução!"


...E imaginar que ele morreu bem antes de eu nascer... Mas sabe, Compadre Eurico, eu sou uma dessas pessoas que a sorte cola e pronto, colou! Sabes que eu peguei a 1ª edição do Livro Geral? Ainda em preto e branco, porque eu caí nas graças das tias do Carlinhos Pena, Asumpção e Nininha, elas moravam ali naquela casa bonitona de portão de ferro cheio de detalhes, em frente a casa do Olímpio Bonald, nos tempos do Espaço de Arte Franz Post, quase no comecinho da Ladeira do Bonfim?? Pois, e conversávamos e tomávamos chá... Eu até ensaei um poeminha, tímido e acanhado, para o Carlinhos Pena, em homenagem mesmo a ele, tá lá no Canto, e se chama "Um coração de Lápis-lazúli", quando eu ainda engatinhava na arte do blog e das palavras. Mas foi cheio de afeto, simplinho, simplinho, mas cheinho de carinho.

E olha, deixa eu te contar, cheguei agora do lançamento de um livro do Mia Couto, não sei se tu gostas? Com direito a autógrafo, fotos, uma boa prosa, e ainda falamos do Ariano, do Antonio Nóbrega e tudo... Um dia eu conto esse causo...

Tô com o café pronto, compadre, aquele cheiro pra tu e pra dona "Orquídea", o Cabeção tá na lida e eu vou retomar a minha é dja!

;))

Cecília disse...

Oi, Eurico!
A senha do blog do maracatu é a mesma do e-mail do gmail, a que o Luciano passou pelo e-mail... Vocês querem ter uma outra senha pra cada um postar com seu nome??
Se eu demorar a responder os e-mail é pq tenho entrado pouco na net, qualquer coisa me liga.

Tenha um ótimo final de semana!
Beijo

Érica disse...

Maravilhoso Pena Filho, li o livro Memórias do boi Serapião. Morreu tragicamente né? Uma pena.Mas ele ainda publicou seu ultimo poema no Jornal do Commercio antes de morrer, Soneto oco:

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.


Beijos

Dauri Batisti disse...

Aqui se aprende. Sempre.
Obrigado pela apresentação do poeta.


Abraço.

lula eurico disse...

Cecília, sinceramente, não lembro da senha. Me manda por email.

Um chêro.

Ilaine disse...

Lindo poema, Eurico.
Não conhecia Carlos Pena Filho.

Abraço e um bom final de semana.

GERFERSON NEFTALI disse...

Grandioso o carlos pena filho.

meu nome é gerferson e faço pós graduação em literatura brasileira. sou aluno de lourival holanda e corro atras de material de carlos pena filho para uma monografia. se o caro poeta dispor de materiais, seria muito grato pela gentileza em dividir, se algum seguidor quiser ajudar tambem, meu e-mail é g.neftali@hotmail.com tambem estou no blog: http://ventosbrandos.blogspot.com

agradeço a todos e parabenizo por este blog, com um pedido terno de licença para seguir seu blog.

lula eurico disse...

Claro, Gerferson. Aqui mesmo na net, tem um wiki sobre ele que linkei na postagem. Se quiseres uma boa antologia, procure a do Edilberto Coutinho, CARLOS PENA FILHO, que está na 4ª edição, publicada em 2000, pela Ed. Global, de São Paulo.
E o Google tem inúmeros sites com poemas dele, que te poderão ser úteis.

Receba minhas boas vindas e um abraço fraterno.
Volte sempre.

Diego Viana disse...

É uma enorme descoberta para mim. Belo poeta que era, e com o aval de Jorge Amado! Não tinha a menor ideia de que era para ele a dedicatória de Quincas Berro d'Água! Obrigado por essa pequena aula!

lula eurico disse...

Diego, eu chamaria de informação nova, não de aula, homem. Mas o fato da amizade entre eles, e outros baianos com o Recife, como é o caso do Dorival Caimmy, que até compôs "Dora, rainha do frevo e do maracatu", esse fato me leva a lutar contra uma tolice, que é a disputa entre esses dois riquíssimos estados do Nordeste. Minha gente, essa linha geográfica é apenas uma convenção. O Brasil é único, pela raízes, pela língua, pela formação da nacionalidade, que, inclusive não dever ser vista como algo fora de uma humanidade. Essa amizade entre o Jorge e outros escritores do Recife mostra o quão somos tolos ao separar o que é uno.
Bem, do que é mesmo que falávamos...

Abraço fraterno, Diego.
Contigo, sou eu quem aprende.