Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, julho 01, 2009

Front e retaguarda (impressões ao ouvir Feux d’artifice)























Uma abstrata urbe abraça escombros
Duma praça
Sob bombardeiros
E abruptas rajadas

Na praça devastada, a fuga dos infantes
Sob bombas incessantes
Suas sombras cruzam
os campos (vietnamitas?)
Pipilam agourentas
Arapongas de fogo
Cabeças rodopiam
E há remoinhos dalmas
em chamas, as pequeninas vítimas.


Depois uma estranha calma
E um silêncio vago
Trégua em Nagazaki
Cessar fogo em Hiroshima
Como se estivéssemos a mil léguas
na retaguarda, com bálsamos pras dores.
E lenços brancos perfumados
Rodopiassem feitos folhas secas, sobre a praça (de guerra).

Súbito, volta à carga
O trom atroz, o ribombar dos bólidos
E o rastro pirotécnico
De Bagdá-Guernica
Inusitadas formas mutiladas, mortes sem sentido
(se algum sentido faz viver nesse cenário)
Sombras silvos sons funéreos
A urbe abraça e desabraça
A praça arruinada.

(Aplaca a dor mas dói, ouvir Debussy
Em feux d’artifice
Vendo esse belo e apavorado olhar

verde/vívido/dorido
dessa pequena orfã afegã... )




Fonte da midi clássica:
Feux d'artifice - Claude Debussy


Fonte da imagem:

Menina Afegã

Nota do autor:

Experimento uma série de poemas cujo processo criativo será ouvir Debussy e escrever em fluxo de consciencia, como se fosse um transe ou uma autopsicografia delírica.

Portanto, não me ocuparei da qualidade dos poemas, mas do efeito poético possibilitado por este processo.
Como sempre a postagem buscará um todo harmonico entre imagem, música e texto.
Chamarei essa série de dauriniana, em homenagem ao poeta Dauri Battisti.

Espero que os textos façam jus aos homenageados.



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6 comentários:

Anônimo disse...

Claude Debussy
Amoooooooooooooooooo!
Bjs.

Éverton Vidal disse...

Eurico,

Enquanto a página do seu blog ainda se abria o som de Debussy já saía. Eu o identifiquei, e pensei, "caramba Debussy por aqui", e a vontade é de ficar e ficar e ficar e nao sair. Porque é uma experiência incrível ouvi-lo. E achei curioso de sua parte esse experimento. Já fiz algo parecido com pinturas, e é claro, nao sou pintor rs (foi apenas por diversao, ou algo mais) nao ficou muito bom.

E mais uma vez (por incrível que pareça), quando lia pela primeira vez este poema, nas primeiras estrofes senti Guernica, e ri quando você a citou "Bagdá-Guernica".

Perfeito seu poema, sem nenhum exagero.

lula eurico disse...

Grato, Éverton, mas nem sei como chamo isso. Experimento, talvez. Ou fotopoema impressionista. rsrsrs

É, eu sempre ponho primeiro a música. Depois o poema e a imagem.

Foi assim que me veio a idéia. Já que o Debussy "sentiu" Mallarmé e fez um prelúdio em sua homenagem, eu tento inverter as coisas, só tento, e escrevo a impressão que tenho ao ouvir Debussy. É uma tradução intersemiótica? Um poema pelos ouvidos. Sei lá eu?

Grato então, Poeta.
Grato pela generosa observação.

Mírian Mondon disse...

Salve Eurico! Que bom te 'rever' e te reler!

Obrigada por compartilhar o lindo pensamento de Ortega!

Seu poema é belo, denso, apropriado.
Não o li ao som da música (tem gente dormindo aqui do meu lado :)
Mas voltarei com certeza para ouvir e tentar viver seu experimento.

Já tentei escrever assim e o resultado não foi nem de longe tão bom quanto o seu. Sem a musica meu texto ficou nú e desprotegido. Coisa que não acontece com seu belo poema.
Parabens!

lula eurico disse...

Puxa, Mirian, estou aqui a ver um texto nu e desprotegido. A música então veste o texto? São essas intuições poéticas que recriam a poesia. Grato pela generosidade do elogio.

Um abraço fraterno.

Anônimo disse...

Que beleza de poesia!!Encantadora e tocante!!!

Beijos, querido!!