Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, julho 24, 2009

Fingere ao Microfone

























Eu não consigo recitar os meus poemas.
É que eu gaguejo quando a
Emoção me engasga.
Ainda não sei fingir que é dor
A dor mesma que me rasga.
Como empostar minha voz,
Em entonação pausada, eloqüente,
Quando tenho a voz rascante,
gutural, dilacerada.
Imaginem a dor falada,
fingindo não sentir nada...

Então eu fujo pro meu mundo.
(Eu tenho um mundo, num sabe...)
Ele é acanhado, estreitinho,
Um pequeno vão quadriculado,
Em que transita uma moça e cochila um cão sereno.
Lá posso transgredir a norma o/culta,
Lá ponho à prova o meu novo experimento.
E o experimento, lá, sou eu.
Só eu.

Lá eu aprendo como reelaborar o que é volátil,
O som da voz, coisa vibrátil,
Como rememorar aéreos verbos.
Eu faço assim, lá no meu mundo:
Eu os conservo, os fonemas, sobre um papel
Cortando-lhe as asas,
com uma afiada esfereográfica.
E assim, ápteros, cativos
feito aves de gaiola,
vou deixando que eles cantem
suas dores pela página,
que eles cantem por si mesmos,
que digam a dor que quiserem,
sob os olhos de quem ler.

Sei que assim dói,
Emociona, também, e é dor ainda.
Mas a tinta da caneta não gagueja, quando lida.
E parece tão piegas, engasgar-se
Com um fingere, ao microfone.
É por isso que reclamo
Se me pedem que recite.

Meus poemas, não declamo!


Eurico
24/07/09
(ainda, a crise)

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Fonte da imagem
Poesia ao Megafone


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17 comentários:

Ilaine disse...

Recitar poemas - a emoção engasga - a dor que me rasga... O teu mundo, teus experimentos, teu espaço. Poema! Eu-lírico. Este é bonito demais, Eurico.

Ouço música aqui... Vou levá-la comigo pelos passeios nesta rede. Levito!

Beijo

Anônimo disse...

Lindo Eurico!
Lindo mesmo.
Eu tb tenho um mundo e quem me derá conseguir falar sobre ele com alguém.
Bjs.

Euza disse...

Olhei tua foto "premeditando um poema" e em seguida li Fingere...
com gosto de Pessoa na boca, temperado com Drummond. No final, li Eurico, saído do vão quadriculado e expandido em verbos vibráteis!
Toda crise é renascimento. E esta sua está te dando asas ainda mais poéticas, né? Deixa que a gente solta a voz com estes versos, ainda que a emoção tb nos tome!
Beijo!

Canto da Boca disse...

Esse mundo-retiro, esse mundo infinitamente-particular, esse mundo-refúgio, esse bunker espitirual é bastante necessário para a meio-volta, porque ando a imaginar que estamos cada vez mais aos pedaços...

Dora disse...

Não. Não declame. Deixe seus poemas, "que fingem a dor deveras sentida", para que nossos olhos os leiam e nossas vozes os falem. Deixe seus poemas para usarmos de regador de nossas almas, de luzeiros para nossa escuridão, de lembrete para nossos passados, de cura para nossos doentios corações.
Deixe seus poemas como portadores de nossa paz, nos momentos em que buscamos quase desesperançados a beleza perdida desse planeta-Mãe.
Abraços e beijos.
Dora

Beti Timm disse...

Bonito moço! Mas adoraria um dia vê-lo declamando seus versos imponentes, soberbos, e vc com a sua docialidade pra dar um toque especial!

Beijos

Sueli Maia (Mai) disse...

Ô coisa linda de ler e eu li alto, me emocionei alto, também.
E esse teu mundo é um mundo de palavras que engasgam e essas palavras por vezes nos fazem gaguejar,mesmo, Eurico.
Homi,parece que não escreves com esferográficas, escreves com o coração e a tinta é um sangue que não é vermelho nem é azul,mas é dourado. Pingam gotas douradas e palavras de ouro escorrem de tuas mãos.
Vige eu viajo nos teus versos e me perco na emoção.

Racional aqui, não serei é nunca. Oxi!

lula eurico disse...

Gente, desculpem. Dei uma saída pra arejar a cabeça. Voltei agora, São 00:26h. Mas prometo amanhã, depois de fazer feira, comprar um mosquiteiro, que aqui tem muriçoca, pernilongos, sabem, tá demais. E essas chuvas ajudam na proliferação dos bichinhos. Acho que eles gostam do frio pra acasalar. rsrsrs
Bem, quando eu voltar da feira prometo que respondo a todos e todas.


Abraço fraterno.

Jacinta Dantas disse...

Eurico, amigo. Aqui me vejo por vários lados atravessando e atravessada pelos seus versos. O engasgo, que comprime as pregas vocais, por vezes nos trai aflorando a emoção, vertendo o corpo no que somos em água fluida, escancarando o lado de dentro no fora que pretendemos esconder. É triste, é bonito, é humano... é gente. Sou eu escutando a declamação desse poema.
Beijo

PS: Ah! qualquer dia pego emprestado esses versos e coloco-o lá no meu jardim, certo?

Sueli Maia (Mai) disse...

Amigo, o que responder se tuas palavras já dizem tanto?
Só queria que me dissésses como estás?
Tenho estado ausente porque faleci em meio aos papéis mais estás guardado em minha memória, em minhas vibrações.
Me fala alguma coisa, tá bem?
Amigos d'infância sentem à distância e fazem contato extra sensoriais, sabes disto?
Beijo e abraçamigo.

lula eurico disse...

Amigas e amigos, caalma. PC deu pane e tou numa LAN horrível.
Mai, cliquei lá no trabalhp em tecla errada e publiquei sem kerer.
Avisa a todos q estou bem e em 2 ou 3 dias o PC volta do conserto.

Abraço fraterno.

Jens disse...

Eurico, ao poeta é permitido o silêncio da voz. Exige-se apenas que não deixe de escrever sobre os amores, as dores e as injustiças do seu tempo.
Um abraço.

Unknown disse...

Oi, passa lá no blog, tem um selinho pra ti.
Beijos
Maravilhoso poema como sempre!

Maria Eliza Marques disse...

Que lindas palavras! Identificação completa!
''É por isso que reclamo
Se me pedem que recite.

Meus poemas, não declamo!''

Mas os teus declamo em ''Em entonação pausada, eloqüente''.

Gostei muito!

lula eurico disse...

Oi gente de meu mundo. Sim pq vcs são parte desse mundo. Eu o habito desde cedo, aí pelos 12 ou 13 aninhos. Naqueles dias os olhos da meninas viravam lírios, jade, noites sem estrelas... rsrsrs O romantismo profundo e sonhador daqueles tempos não arrefeceu. Hoje sonho com um planeta em que meninos e meninas possam sonhar, descobrir os olhos uns dos outros, pegar na mão pela primeira vez, mas que tudo isso seja em paz, com ar puro e água potável, como de fato era naqueles idos de 1960. Pouco tempo pra tanta destruição. Ontem vi crianças depedrando uma escola pública. A nossa era um espaço lúdico. com um grande quintal arborizado. Nenhum de nós sequer imaginava em destruir aquilo, que era uma segunda casa pra nós. O que mudou?
A poesia é instrumento para essa compreensão?
O que faz a Academia, objetivamente, para resolver isso?
E os estudantes universitários, secundaristas, pq ainda não pintaram as caras?
Em 1960, o Brasil tinha um projeto, tinha um sonho, o Brasil iria evitar a favelização das grandes cidades, com a fixação do homem no campo. Pra mim isso soava como poesia! O fim do latifúndio, a economia solidária, o crescimento urbano feito com método, com tranqüilidade.
A idéia foi abortada.
E vejam no que deu: um só homem e seu clã é dono da vasta região do Maranhão, Amapá e Tocantins. Um só homem e sua família é dona da vastidão verde do norte do país. E esse homem foi um dos mentores do abortamento das reformas de base.
O que fazer agora que parece que o caos se instalou?
Crianças morrem, contud, pior do que isso, se embrutecem, matam também, sem nenhum valor que lhes prove a razão de não matar.
E as pessoas continuam a fingir que tudo está bem. Por isso nossos jovens se drogam, saltam dos prédios, mergulham no alcoolismo.
O sonho de 1960 tinha Darci Ribeiro, Paulo Freire, Josué de Castro, Dom Hélder Câmara, e outros tantos sonhadores. Todos morreram sem ver a mudança. Vivo estão os Sarneys e Maciéis, mentores disso que hoje chamam democracia, mas que na verdade é patrimonialismo, corporativismo, cinismo, egoísmo e outros ismos.
Precisamos nos indignar.
Não é de guerra que falo. Indignar pela não-violência, mas pela retomada de valores, mesmo que eles representem uma desobediencia civil, mas valores de paz e de fraternidade. Algo precisa ser feito. Um dique precisa ser contraposto à torrente, antes que ela nos arraste e a nossos filhos e netos. E nem podemos contar mais com os políticos de esquerda. Parece que todos estão deslumbrados com a tentação bíblica do poder e da riqueza, e hoje estão prostrados diante dessa maléfica conjuntura.
Há solução?
Há.
Somos nós.
Nas escolas.
Nas universidades.
Nos blogues.
Nas esquinas.
Nas conversas de bar.
Uma nova ordem precisa ser disseminada. Que seja de paz, de fraternidade, de verdade. Interessante que a palavra Sathyagraha quer dizer isso: firmeza na verdade. Mas ajunto a essa firmeza a última expressão da verdade: o amor fraterno.
Precisamos ser firmes, independente de religião ou política, na defesa da fraternidade e da verdade.
Por isso não basta apenas depor um senador latifundiário, precisamos tirar de nossa nação a possibilidade de outros golpes nos sonhos, como o que causou esse atual estado de coisas. Nosso povo precisa voltar ao campo, desfavelizar as grandes cidades, sohar com uma pátria agrícola, e com uma economia solidária.
Sei que é utopia... mas melhor morrer sonhando, do que indiferente e abúlico, vendo o país despencar no abismo, sem sentir tremer um músculo da face...

Abraço fraterno em todos.

(PC consertado. Estou de volta à minha praça pública.
Mas prometo-lhes poemas e não comícios rsrsrs
As mensagens estarão aí, porém serão subliminares. rs)

Éverton Vidal Azevedo disse...

Uma coisa que gosto nos teus poemas é que você, me parece, está sempre aludindo muito criativamente a outros poemas, poetas e livros. E isso me faz querer lê-los - os aludidos - também. Foi assim na "série" Joao Cabral de Melo Neto, ou na Debussy, só pra citar dois exemplos.

Os poetas estao sempre fazendo isso né, e vocè faz de maneira admirável.

Ainda não sei fingir que é dor
A dor mesma que me rasga.


E sobre as normas o/cultas, interessante que escrevi faz tempo um texto sobre elas. Eu tive uma professora que chamava Norma que ensinava normas rs.

E usar lan é trsite. Eu nao tenho pc, uso lan, é cada uma...

Abraçao.
Inté!

lula eurico disse...

Puxa, Éverton, vc faz aquela beleza de blogue numa LAN? E eu a reclamar da vida...
Parabéns.
Não fico á vontade numa LAN, e fui numa com teclados horríveis...

Mas fica com um abraço fraterno.