Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, julho 21, 2011

SÉRIE: OS SENTIDOS (O SENTIDO) Nº 2




















DELÍRIO EM AZUL (poema nº 2)


Quando Ela nos alcança, cadavérica e terrível,
De nada adiantam as especulações ontológicas,
A teleologia
ou
a incognoscível redução fenomenológica;


Nada nos salva,
nem mesmo a transubstanciação eucarística.


Ela chega destruindo toda ciência,
toda consciência.
Ela ressoa no cerne mesmo
daquilo que os saciados chamam alma.


Aos poucos Ela invade o núcleo das células,
que se vão devorando umas às outras,
fugindo da inanição.
As sístoles e as diástoles se atropelam.
A Razão fraqueja.


E o Ser começa a delirar na cor azul.


Porém, quando Ela nos alcança,
o sentido profundo da vida se revela,
em imperiosa e urgente concretude,
pois Ela não falseia a realidade.
Ela é a coisa mais pura e verdadeira:


A fome, quando chega, não ilude.








 Fonte da imagem: FOME EM ÁFRICA




Para carpir, (ou penitenciar-se, se preferes): Lacrimosa, de Mozart

3 comentários:

Rejane Martins disse...

Não sentir um direito que lhe pertence,
sentir o resto, isso nunca vai ser digerido.

Unknown disse...

Lindo, Eurico!

Observe que o abutre não ataca. Aguarda pacientemente a hora para saciar a sua fome. Isto eu também aprecio.

A fome deve ser horrível. Não sinto fome normalmente, mas nunca passei por situações e lugares que por si só já abatem o ser humano.

Triste, e belo!

Beijos

Mirze

lula eurico disse...

Triste e belo, Mirze.
Um libelo.

Mas te prometo e aos teus sentidos algo mais ameno nos próximos dias.

Essa sintonia é muito grave.
E os meus sentidos exigem outras cores...

Abraço fraterno.