Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, julho 12, 2011

ROLIMÃS (rondó do eterno-retorno)


























Há frestas no mundar-do-mundo,
por onde flui a flor
das formas inefáveis
:
A luz de um jorro d’água
despenca contra o cântaro;
e o ontem se expande, ôntico.


Um galo na aurora, introjetado,
essa presença e um fluxo,
um quase-estado.


O tempo,
rangendo as dobradiças no equinócio;
o eixo desgastado,
do carro de mneme, em rolimãs.


Manhãs,
cama de molas, mãe,
fuga da escola e a bola,
retumbando no zinco dos portões.


Há ecos luminosos ...
Há mesmo luz na voz
do antigo chafariz;
Arcos reflexos, folhas de flandres.
Latas vazias esperam;
em quântico, o universo se expande.


O vento nas anáguas,
réstias do Sol na água,
Há luz!
Há luz nas coisas compossíveis!


Aldravas, velhas casas,
alfinetes em almofadas,
ferrolhos que se abrigam;
As mangas nos quintais
Alpendres, cercas vivas.
Nesse impalpável mundo, a chuva cai.


Uma antiga voz de jorro em latas d’água,
o chafariz
deslizam rolimãs ladeira abaixo,
ladeira acima,
Olinda.
A chuva no telheiro
dum pardieiro.
A Bica do Rosário.
O Bispo do Rosário.
Tempo feliz.
Ecos distantes...
a mesma voz de jorro d’água
do mesmo chafariz;
raios do mesmo Sol, em enfileiradas latas de folha de flandres.
Um mesmo e antigo Antes,
recentemente introjetado, ,
e um tempo,
rangendo nos seus eixos desgastados,
num trilho da memória.
Em rolimãs...



(poema em fluxo de consciência, inspirado na obra de Arthur Bispo do Rosário)



 
Fonte da imagem:
Bica do Rosário - Olinda - PE (in Senhora História)

4 comentários:

Unknown disse...

Bárbaro, Eurico!

Adoro o Bispo do Rosário com seu manto estandarte-escarlate....

E assim vou conhecendo minha terra...

E entendendo o que e porque as palavras são plasmas.

Você é grande, meu amigo!

Beijos

Mirze

carmen silvia presotto disse...

Fardo da Memória

Casa grande de imensa frestas
por onde ecoavam esperanças
que abrigavam meu frio.
Em casa peça alguém ouvia...

Lançada ao mundo!

Fabriquei fortes paredes.
Isolei o vento, porém a casa aumentou.
Esfriei a alma..
Perdi as fendas da infância.
Dou aos olhos outros caminhos

e sigo descobrindo palavras..

Beijos Eurico, gracias por tua poesia.

Carmen.

Marcantonio disse...

Era para que a existência de um Bispo do Rosário mudasse as idéias dominantes sobre arte, não é? No entanto, o nome dele frequenta círculos que usualmente não o tolerariam e que talvez nem reconhecessem um outro artista semelhante ainda em atuação. Nestes tempos de academização da arte contemporânea...

Abraço.

Rejane Martins disse...

Arthur Bispo do Rosário, esse era o cara!! Puxa, quase ninguém mais fala nele! Há um mundo sensível aberto e sem porteira (como se diz na minha terra), mas quantos de nós estamos dispostos a pagar o preço do acesso? Eurico em rolimãs.
um abração pra ti.