Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, julho 09, 2011

DUAS VERSÕES D'A CRISTALEIRA










Para Manuel, Victorine e Claude Debussy,
que sobreviveram entre porcelanas...
(in memorian)












A Cristaleira
(1ª versão)

Na aresta
da sala
de estar
estava a cristaleira
A um tempo quieta e aflita
Equilibrando em prateleiras vítreas
finíssimos cristais...

Por trás
De olhos cristalinos
Trago o t(r)emor astigmático,
A tentação dos estilhaços
E a sensação de (ha)ver um gato

( O que traz um gato a este tema?)

Um sobressalto:
O espanto, o grito!
Um gato.

Cacos de vidro.

Súbito, um gato!
Pênsil, pingente, pendular
Feito o lustre no teto
Da sala, a aresta
estala
pela lente dos meus óculos,
Um salto ( ou a ilusão de um salto )

O sobressalto:
A cristaleira sob o gato.

O impacto,
Trinca-se-me o fotocromático, ante os meus olhos fitos, mil pedaços
Ou a ilusão dos estilhaços...



Eurico, 13.12.2000.


A Cristaleira
(2ª versão)

Na aresta
da sala
de estar
estava a cristaleira
A um tempo, quieta e aflita,
Equilibrando, em prateleiras vítreas,
finíssimos cristais...


Por trás
Dos olhos cristalinos
Trato,
retrato,
um remoto
t(r)emor astigmático,
a tentação dos estilhaços
e a sensação de (ha)ver um gato
(O que traz um gato a este tema?)


Um sobressalto:
O espanto, o grito.
Um gato.


Biscouits de vidro.
Bijuterias.
Súbito, um gato!
De porcelana,
pênsil no teto,
lustre pingente.
Na aresta
da sala de estar,
a cristaleira
estala inteira
à lente dos meus óculos.
No impacto:
trinca-se-me o fotocromático,
ante os meus olhos fitos, mil pedaços.


Um salto ( ou a ilusão de um salto )


O sobressalto:
A cristaleira sob o gato.


Ou a ilusão nos estilhaços...

Eurico, 13.12.2000

Ouçam o cristalino piano do Arabesque nº 1, do eterno menino Achile-Claude Debussy:


Nota:
Às vezes, no processo criativo, dá-se a angústia da escolha.
Deixo, pois, as duas versões, para apreciação do Mestre Diógenes,
conhecedor da Língua e da fragilidade dos cristais...
após conversa sobre nosso estranho ofício, essa brincadeira linguística:
aliterativa, sinestésica, metonímica,

e sei lá mais o quê.


Obs.: para o Prof. Diógenes,
e para meus dois ou três leitores fiéis. rsrsrs


Abs fraternos.
Eurico - 17/09/06

3 comentários:

Unknown disse...

Espetacular, Eurico!

Mas porque pensar no gato? Minha gatinha andava entre os cristais, com um cuidado maior que o meu. Nunca quebrou nada. A única coisa que ela quebrou, foi uma panela de vidro. Ela entrou dentro e dormiu. Acordou com o susto do barulho da panela. Aí eu comecei a divagar o que acontece com o corpo de um gato ou um ser, quando dorme. Será que engorda? Bem não entendo muito de física, mas que algo acontece para expandir, talvez o relaxamento.

Voltando à cristaleira.

A 1ª versão está fantástica e plena em absoluto.

Mas como em minhas poesias a pausa é evidente, talvez meu pensamento seja gago, ou eu soluce enquanto penso, então preferi a segunda, que deixa pausas para que se possa insinuar (no caso, o leitor) e imaginar do seu jeito.

Desculpe o longo comentário!

Beijos

Mirze

Rejane Martins disse...

Muito legal essa disposição pra se rever, nada mudou da última linha até o ponto de revisão a não ser você mesmo - e isso é tudo!
A transparência dos cristais no cuidado do Eurico. Ficou muito bonita essa tua revisão.

Rejane Martins disse...

Ah... havia esquecido: uma coisa é certa, Eurico, tu tens muito mais que 2 ou 3 leitores - Beach Soccer Lírico e Pequenos Nadas (que salvei no PC) promovem belas ressonâncias por aqui.
Um abração e obrigada.