Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, julho 14, 2009

Prece a São Tomé, das Letras




















Sou eu quem, outra vez,
Vagueia pelos teus versículos,
Abandonado e frágil
Sob o peso dessa dúvida, tão tua.
Desamparado e só,
Caminho a esmo, nas entrelinhas dessas ruas.

Chilreiam sobre mim (n)aves apócrifas?
Ou apenas ouço uivar o vento,
em certo lago (ou, mar) de Tiberíades?

Percorro a via dolorosa, a minha,
pelo vão dos arcos antiqüíssimos.
Tateio por esse chão de pedras nuas.
Releio os passos da verdade nua e crua.
Tateio, sim.
Mas, creio?

Deus, o que ouço, entre essas oliveiras?
Seriam sabiás?
Como se sabe,
As (n)aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá...

Mil carruagens de fogo já revoaram daqui.
Um vôo e a liberdade...
Se eu creio?
Não as vi!
E estou aqui, sem as imaginárias asas,
Folheando a minha (dú)vida.
Ou seria a minha fé?
Até quando serei eu, Tomé?

Ao pé de ti, oferto, compungida,
essa minha incerta e precária vida.
Abduzida?

Acolhe-me, ó suspeitoso santo,
com essa minha in/decisão...

Entrego-me.
Ou não...



Fonte da imagem:
Disco voador em São Tomé das Letras - MG

14 comentários:

Dauri Batisti disse...

Lindo. Assim, fácil de ler, água fresca em boca resseca. Palavras viscerais, muito mais do que conceitos.

Um abraço.

lula eurico disse...

DAuri,
vc sabe que conceituo. rsrsrs
Talvez nesse eu mergulhei mais um pouco nas coisas, mas...

Grato, amigo.
Muito grato.

Canto da Boca disse...

Carrego imbricado/a entre as vísceras tantas dúvidas, que assim plural, é tão minha, tão vossa, tão nossa (falo do colectivo)... E "as aves que aqui gorjeiam, também não gorjeiam como lá", vizinha, é o canto estridente e impaciente das gaivotas, como se fosse a voz do mundo clamando sem cessar, a nave que um dia, talvez, quem sabe, venha nos buscar... Tu credes nisso?


Dias lindos como só em Olinda `soem´ ser....

Cheiro!

lula eurico disse...

Boca, querida, de repente Saramago me fez descobrir um interessante santo. Tão esquecido quanto o pobre Judas, esse São Tomé.
Adotei-o.
Não apenas para usá-lo como sinônimo de desconfianças, de suspeitas, mas da própria dúvida, a humana e inescapável dúvida.
Frágil Tomé, que amava tanto o Rabi quanto os outros. Amava tanto que precisava tocar para crer que ele ressuscitara, para sair do pasmo, do espanto.
É vc mesmo, Rabi?

Imagine alguém que amamos e que tenha morrido, e nos surja assim, de repente?
Eu sou Tomé.
Sou fraco e necessitado de provas palpáveis.
Preciso ver a revoada dos pássaros de barro, para, afinal, crer.

Abraço fra/terno.

E um cheiro.
Dá abraço no meu xará.

lula eurico disse...

Boca, permita-me um pós-escrito:

Primeiro pra dizer que gostei do verbo "soer", como vc descobriu que cultivo palavras obsoletas, como quem cultiva orquídeas? Sou viciado em arcaísmos e cousas desse jaez... rsrsrs


Segundo:
Se creio em que? OVNIs?
Nem creio, nem descreio de nada. Como meu santo de devoção, prefiro a "desconfiança metódica". E se uma dia encontrar um ET, vou querer tocá-lo, como Tomé fez ao Cristo redivivo. rsrs

Abraço terno e fraterno.

Canto da Boca disse...

Vizinho (ali em cima é vizinha sim, moro à beira do Douro, e as gaivotas gritam, voam nas proximidades da minha janela... Barulhentas às vezes, são as minhas vizinhas).

Sim, em ET´s, se tu credes? E antes que me pergunte o mesmo, salto logo com o que seria a resposta: creio sim! Mas não naquele ET estilizado; esquematizado; espectro de um robô ou algo assim; mas naquilo que é externo ao que meus olhos estão acostumados a ver, e penso ainda que seria muita prepotência minha, achar que esse mundão de meu Deus, deuses, deusas e Sãos Tomés, é habitado apenas por uma espécie que "se acha"? É desperdício demais de espaço, penso eu...
E ainda dentro da "disciplina desconfiança metódica", hihihihihi, há que desconfiar mesmo, porque até o baluarte da desconfiança, carrega na sua identidade (agora eu pergunto aqui: ele é, foi algum fugitivo das leis divinas e teve que usar disfarces?), alcunhas diferentes, vamos à elas: Tomás, Judas Tomé, Dídimo, Dídimo ou Santomé. Ou será um jeito de entrar naqueles países cuja imigração era tão neurótica e esquizofrênica como a dos U.S.A? De todo modo ele conseguiu ultrapassar algumas fronteiras, porque foi à Índia, levar a "Palavra"; passando disfarçado, ou sei lá como, com a ajuda do Pai do Céu, só pode, por essas barreiras internacionais e veio bater na América, estabelecendo contatos com os autóctones. Aí, o Tomé, deve ter conhecido algum seu ancestral, né não? Daí a sua "descoberta, ainda que tardia", por tal homem? E as pegadas - que são/é a sua identidade, ixi, que confusão, será que Tomé fez o teste do pezinho? - as digitais dele - desconfio, vizinho que Tomé era um
Australopithecus, e para não deixar muitas pegadas, começou a andar ereto...
E eu vou deixar de falar bobagem, é falta de café, vamos tomar um, vizinho?
Hihihihihihi!
Darei o amplexo no Cabeção, obrigada! Recomendações à sua senhora!

E aquele cheiro!!

lula eurico disse...

kkkkkkkkkkkkkk!!! Bem, comungo de teu pensamento, Boca, amiga.
O universo é muuuuuiiito grande pra tão pouca humanidade. Devem existir outros mundos habitados, conforme já preconizava o astrônomo Camille Flamarion.
Mas também irei querer tocar pra crer. E adotei o Dídimo, o Gêmeo, quer dizer, quer dizer o Tomé, como meu padroeiro.

Abraço e cheiro, Boca toda-sorriso.

Canto da Boca disse...

Hahahahhaa! Imagina essa prosa regada com a boa e velha água que arde? Só com café, essas perólas são libertas... Santa Boca de Olinda a falar bobagens! É por isso que a Boca é enorrrrrrme, pra falar mais que a rapidez dos pensamentos!
Boa noite, vizinho, descanse e que o dia amanhã seja mais um daqueles produtivos e felizes!

Ah, eu adoro essas palavras obsoletas também, e isso é desde pixototinha, deve ser por força da profissão e a cada vez que eu venho cá, falto é ter um delíquio, uma síncope ou um solilóquio de tanto rir... Além do quê a dona Hilda Hilst, tem esse verbo ("soer"), numa pedrada dela e os camaradas portugas, usam e abusam do português deles. Hihihihihi!

Canto da Boca disse...

Em tempo, se der tempo: o sr. Camille Flamarion (cheguei a pensar que ele era irmão da Camille a Claudel), tem parentesco com o historiador Ciro Flamarion?
Em tempo2: eu tenho uma orquídea tatuada donde começa ou termina a espinha dorsal - ali pertim do que o povo chama nuca, e eu chamo quase pescoço - de tanto que eu amo essa flor!

lula eurico disse...

Comadre Boca, num é que temos coisas em comum. Não, num tenho tatuagem na nuca, também não, menina. kkk O que tenho é paixão pelas orquídeas, tanto que não chamo a minha muié aqui de minha flor, e sim de minha orquídea. Chique né?
Fiz até uma modinha ao violão pra ela com esse nome: Orquídea das Olindas. rsrsrs


Só citei o Flammarion por lembrar que ele, francês, viajava por essas coisas de outros mundos habitados. É contemporãneo de Leon Denis e Jean-Hipólite Denizard Rivail. Este último fez a codificação das comunicações com outras dimensões, que desencadeou a doutrina espiritista, muito mais conhecida cá no Brasil, do que na Europa.
Não, o Camille Flamarion viveu no século XVIII ou XIX, nem lembro. E tanto é querido pelos espíritas quanto pelos ufólogos. rs

Abraçamigo e fra/terno.

Canto da Boca disse...

Ei, Compadre Euro (ulia, quanto tá o real??), lá em África, sabe como chamam: "Racionalismo Cristão".
Eu sou apaixonada pelas orquídeas, para mim elas encerram o mistério, a beleza, a delicadeza e a força eterna daquilo que dura e perdura em nossa memória, no meu caso, inclusive a da pele, hehehe!

Chique demais, não era o caso de nós então conhecermos os versos dessa modinha?

Vamos ao café?? E um cheiro para ti e outra para a sua Orquídea.

;)

lula eurico disse...

A modinha sem o suporte da música fica meio sem graça, posto que é mesmo uma canção no diminutivo, que só se sustenta com os acordes do violão hehehe
Breve te mostro, cá na terra, à sombra de uma amendoeira, dessas que aqui chamamos "coração de nego".
Bem, espero te ver quando por aqui estiveres, com o Cabeção junto, claro, posto que levarei a Orquídea a tiracolo... rsrsrs Nós que temos uns cabeções somos muito apegados às nossas respectivas, acho que é pra contrabalançar o peso da cabeça. Vcs nos dão o necessário equilíbrio kkkkkkkk

Abraço fra/terno.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Meu pai. Gostei. Aliás, já é redudante dizer gostei aqui. Mas digo rs. E nao escondo, Tomé é um de meus santos preferidos. Um pouco de dúvida e descrença é essencial. E quando vejo na tv alguns (des)caminhos e resultados de algumas crenças eu faço a prece: Sao Tomé rogai por nós.

"Acolhe-me, ó suspeitoso santo,
com essa minha in/decisão...

Entrego-me.
Ou não..."

Eu admito. Ri bastante com este final. Coisa de doido né. Eu sou rs.

Inté!

lula eurico disse...

Éverton, meu jovem e estimado irmão,

eu tb brinco aqui com minhas fraquezas. Como não brincar. Eu diria que apesar de minha fé frágil, oscilante, eu salmodiaria como o Rei Davi:

"como o cervo brama pelas correntes das águas, assim minh'alma suspira por ti, ó Pai."
Salmos 42:1 (se o google não me engana, pois depende da tradução da Bíblia).

Abraço fraterno.

Ahh, adotei São Tomé por isso e pela coragem, ousadia mesmo em certos momentos. Ele queria ir com Jesus aonde ele fosse, mesmo arriscando a vida, e como o mesmo não lhe dizia como ir e aonde ir, foi Tomé quem fez a pergunta célebre, da resposta mais célebre ainda(mutatis mutandis):
Como seguir para o teu reino depois de Ti, se não sabemos o caminho?
A resposta vc sabe, e conhece o Caminho.
Mas, algo que me comoveu foi o destemor, a coragem de dizer a frase, que era uma blasfêmia para o contexto histórico em que viviam, exclamando, logo depois de tocar a chaga do Cristo:

"Meu Senhor e meu DEUS!"

Essa frase, em que se chama o Cristo de Deus, dita pela primeira vez dita na Bíblia, sai da boca desse apóstolo, que só é lembrado pela dúvida.
Motivo pelo qual acabo de adotá-lo como símbolo de uma dúvida metódica, mas, que também, depois da prova empírica, é símbolo de uma conversão profunda e única. Quem além dele tocou o corpo redivivo do Cristo? Eis a fé apodítica! Palpável fé de Tomé!
E eu, bambuzal que se dobra ante as dúvidas, tão humanas, brinco com o nosso São Tomé das Letras, que anda a querer tocar nos ET's. Olhe que são anjos em viagens interplanetárias, e logo, logo os mineiros tocarão nas suas asas luminosas. rsrsrs

Abraçamigo e fraterno.