“(..)Queríamos dizer uma coisa bem simples. Tínhamos uma grande ambição, a saber, que até esse livro ( O Anti-Édipo), quando se faz um livro é porque se pretende dizer algo novo. Achávamos que as pessoas antes de nós não tinham entendido bem o que era o desejo, ou seja, fazíamos nossa tarefa de filósofo, pretendíamos propor um novo conceito de desejo. As pessoas, quando não fazem filosofia, não devem crer que é um conceito muito abstrato, ao contrário, ele remete a coisas bem simples, concretas. Veremos isso. Não há conceito filosófico que não remeta a determinações não filosóficas, é simples, é bem concreto. Queríamos dizer a coisa mais simples do mundo: que até agora vocês falaram abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de seu desejo. Então podem dizer: desejo uma mulher, desejo partir, viajar, desejo isso e aquilo. E nós dizíamos algo realmente simples: vocês nunca desejam alguém ou algo, desejam sempre um conjunto. Não é complicado. Nossa questão era: qual é a natureza das relações entre elementos para que haja desejo, para que eles se tornem desejáveis? Quero dizer, não desejo uma mulher, tenho vergonha de dizer uma coisa dessas. Proust disse, e é bonito em Proust: não desejo uma mulher, desejo também uma paisagem envolta nessa mulher, paisagem que posso não conhecer, que pressinto e enquanto não tiver desenrolado a paisagem que a envolve, não ficarei contente, ou seja, meu desejo não terminará, ficará insatisfeito. Aqui considero um conjunto com dois termos, mulher, paisagem, mas é algo bem diferente. Quando uma mulher diz: desejo um vestido, desejo tal vestido, tal chemisier, é evidente que não deseja tal vestido em abstrato. Ela o deseja em um contexto de vida dela, que ela vai organizar o desejo em relação não apenas com uma paisagem, mas com pessoas que são suas amigas, ou que não são suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto. Podemos voltar, são fatos, ao que dizíamos há pouco sobre o álcool, beber. Beber nunca quis dizer: desejo beber e pronto. Quer dizer: ou desejo beber sozinho, trabalhando, ou beber sozinho, repousando, ou ir encontrar os amigos para beber, ir a um certo bar. Não há desejo que não corra para um agenciamento. O desejo sempre foi, para mim, se procuro o termo abstrato que corresponde a desejo, diria: é construtivismo. Desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma saia, de um raio de sol…
CP: De uma mulher.
GD: De uma rua. É isso. O agenciamento de uma mulher, de uma paisagem.
CP: De uma cor…
GD: De uma cor, é isso um desejo. É construir um agenciamento, construir uma região, é realmente agenciar. O desejo é construtivismo. O anti-Édipo, que tentava…
CP: Espere, eu queria…
GD: Sim?
CP: É por ser um agenciamento, que você precisou, naquele momento, ser dois para escrever por ser em um conjunto, que precisou de Félix, que surgiu em sua vida de escritor?
GD: Félix faria parte do que diremos, talvez, sobre a amizade, sobre a relação da filosofia com algo que concerne à amizade, mas, com certeza, com Félix, fizemos um agenciamento. Há agenciamentos solitários, e há agenciamentos a dois. O que fizemos com Félix foi um agenciamento a dois, onde algo passava entre os dois, ou seja, são fenômenos físicos, é como uma diferença, para que um acontecimento aconteça, é preciso uma diferença de potencial, para que haja uma diferença de potencial precisa-se de dois níveis. Então algo se passa, um raio passa, ou não, um riachinho… É do campo do desejo. Mas um desejo é isso, é construir. Ora, cada um de nós passa seu tempo construindo, cada vez que alguém diz: desejo isso, quer dizer que ele está construindo um agenciamento, nada mais, o desejo não é nada mais.
(…)
In: Gilles Deleuze em entrevista a Claire Parnet, em 2005, sobre sua obra e parceria com Félix Guattari.
Fonte do texto:
Definição de Desejo (Deleuze)
Para ler a entrevista na íntegra, (vale a pena) clique aqui.
Ou, em O ESTRANGEIRO
4 comentários:
...pois Eurico, sobre este tema, tem a leitura do Micropolítica - Cartografias do desejo, do Félix Guattari e Suely Rolnik, se bem lembro a abertura é do Deleuze, caso ainda não leste, um belo norte, embora muito psicanalítico pro meu gosto.
Grato, amiga,
estou apenas sendo "iniciado" em Deleuze... rsrsrs Tenho tudo pra ler pela frente.
O que li dele foi aqui na net, muito rapidamente.
Grato, mesmo.
Gostei de ler, muita coisa fez sentido para mim.
Pensando em relacionamento de amor, por exemplo, por isso, que muitos buscam uma pessoa para amar...mais não é qualquer pessoa, este desejo vem com vários outros desejos e imagens, e muitas pessoas não vão se enquadrar naquele desejo.
Eurico, estou rindo. Daria um longa conversa, até porque pensei nisso hoje pela manhã.
abraço. Lembranças a Kelly.
Não sei se o que pensei, como captei, se faz sentido com o que está escrito.
bjs
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