Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, novembro 28, 2008

Pequena Fauna Poética (divertimento)


I - Auto-retrato: o tartaruga

O tempo
e
s
c
o
r
r
e
viscoso
feito melado de cana-de-açúcar
enquanto o poeta assobia a passos lentos,
tartarugalmente,
preguiçamansamente,
pachorrentamente,
velho amigo da perfeição.

O tempo
e
s
c
o

a
e-n-t-r-e-o-s-d-e-d-o-s...
...e os apressados não o sabem coar.Eurico
06/07/1994



***

II - Poemeto Chinês: o vagalume




Ora, deixa de queixumes, Vagalume,
tu também podes brilhar.
Deixa de olhar o sol com tal ciúme:
o sol nem sabe voar!


dedicado ao compadre Fernando Serpa
ano 1991
***

III - Poemeto Chinês - a aranha


A aranha urde a teia
porque vive
A aranha urde a teia pra viver
Urdir a teia é ser aranha
e o ser da aranha é o tecer...
Eurico
04/04/1994
*********************



IV - Patência nº 1: A Borboleta



Borboleta!...
Ó Borboleta!...
Tu também foste tecida
com milhares de partículas indivisíveis como eu?
E de onde vem essa tua multicolorida atomicidade?

Somos ambos filhos da larva e da morte...
Mas eu, absolutamente, não te sou.
E tu, verdadeiramente, não me és.

Tento palpar com as pupilas
o teu saltitar amarelado, flor em flor,
mas apenas esvoaço em ti, amareladamente.
Surpreende-me o subitâneo choque com o patente.
Isso, assombroso.
Isso, apodítico.

É evidente:
Nós somos!

Inexoravelmente:
Nós somos!

Nós somos, alada amiga!

Eurico
Pina, 22/10/1992
************************

17 comentários:

Ester disse...

Oi amigo,

que maestria brincar assim com as palavras, coisa de quem sabe mesmo!

Um ritmo delicioso, como um gole de água fresca sorvido de uma só vez..

A propósito, magnífico o seu comentário na página da Mai sobre o texto 'Alegria', fico orgulhosa de estar rodeada de pessoas tão talentosas quanto vc, Mai e outros..

lindo fim de semana para vc!

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, Eurico.

Criativa, eu?
Me conta outra, poeta-lindo!

Abraços.
Deixei resposta para ti, lá.

Miguel S. G. Chammas disse...

Eurico, vim conhecer o espaço de um novo companheiro do Amigo Oculto da Loba - 2008 e saio muito impressionado com tua forma tão visual de escrever.
Voltarei outras vezes, fique certo e, quando quiser e puder, apareça lá no meu cantinho de rabiscos.

Jacinta Dantas disse...

Seu "auto-retrato" é muito bom! (rss)
E o tempo escorre, vai levando de mim, mais um ano. E, insistentemente, continua me dizendo que o Tempo é hoje, é agora. E, eu, vou aprendendo, aqui e com o tempo.
Beijos

Canto da Boca disse...

Não sabem coar, nem colher os frutos e flores advindos dos processos construtivos que fazem-nos amigos; não sabem amadurecer, talvez sequer saibam envelhecer e trazer nas histórias os sentidos delas e os sujeitos envolvidos... E trazem em suas costas o mistério da vida, suas carapaças quem sabe escondem segredos que um dia descobriremos, e quiçá desejarem viver aí pelos 400 anos? Quem sabe em seus desenhos estranhíssimos, um quase hectágono, nos círculos de cores, possamos descobrir algo mais sobre a beleza da vida, hã?

Mas as tartarugas sabem virar para mirarem as estrelas... Risos.

O sol não voa e nem por isso deixa de viajar... Apesar do imenso frio que se faz nas bandas de cá, ele insiste e resiste no céu plúmbeo a brilhar, aquecendo os sorrisos que teimamos em dar para não deixar a vida acizentar...


Eis a natureza da aranha: tecer! Eis a natureza dos homens e das mulheres: tecer! Teias de afeto, de camaradagem, de cumplicidades, de entrosamento, de partilhas... Da natureza intricada e complexa do ser humano, surge a simplicidade das amizades, algo tão simples e tão distante na complexidade da teia humana, e o que parecia simples, urge compreensão, atenção, dedicação e um genuíno pedido de desculpas: estava a conhecer as terras de Sartre... E isso acumulou tarefas, além das tantas outras já acumuladas, e vir aqui não é simplesmente olhar, estar alheia e abstraída dos sentimentos. Estar aqui é uma carga de emoção profunda, por isso não é possível passar à francesa, risos. Quero é deixar cunhada nas suas paredes as marcas que me causas, quero sim escrever os rudimentares códigos rupestres que me imputas, quero sim a sofisticação poética que causas em meus versos a cada vez que venho de ti me alimentar... Perdão, misericórdia à uma Boca tão cheia de atribulações mas ainda assim uma das tantas felizes pessoas humanas. E deixo-te carinho e um beijo no coração.

Dauri Batisti disse...

Que coisa bonita! Faz bem ler coisas assim, enche os olhos.
A fauna é mais do que fauna, é um reino de preciosos versos.

Um abraço.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, Poeta.

Coisa doce isto.
Doce é o néctar que as abelhas zzzoam...a cambiar.
Mas é doce tua poesia.
Linda!
Sem palavras.
Obrigada, sempre.

P.S.
Bem, certamente nos encontraremos e, juntos, comeremos uma "tapioca-quentinha-quentinha" - mas hotéis cinco estrelas, não cabem em meu orçamento...
Tenho muitos familiares ai. na verdade, sou eu a única desgarrada...E
"...ando pelo mundo, prestando atenção em cores que não sei o nome. Flores de Almodóvar, flores de Frida Kalo, cores..."

Abraços renovados.

Renata Bomfim disse...

Olá amigo, vim retribuir a visita e olha, adorei o teu canto...
O Luiz Eustáquio está de mudança e sem net, mas logo estará on line novamente, ele é meu orientador do mestrado.
sabe que amo essa tua terra, tenho amigos no Recife antigo, em 2007 passei o carnaval por aí, eiata saudade...
Serás sempre bem vindo no letra e Fel
abraços fraternos
renata

lula eurico disse...

Grato pela informação, Renata. Eu escolhi vc para perguntar por ele, por conta de sus comentários no Cor Vadia. Leve o meu abraço fraterno com vc e o repasse ao Mestre Luís Eustáquio.

Zeca disse...

Vim ao Eu-lírico saber um pouco do Eurico, companheiro no barco que navegará dezembro em busca das surpresas que nos reserva o Amigo Secreto da Loba.
Saio feliz, diante da leitura de belíssimos versos, tratados com esmero e carinho. Aproveitei para dar um passeio por aquí e, a cada dia do passado, novas surpresas me aguardavam.
Só posso agradecer a oportunidade...

Grande abraço.

Sueli Maia (Mai) disse...

Amigo Eurico, voltei.
Estou tentando há dias seguir-te, como tu, a mim, também.
Já fui seguidora de homônimos-blogs.
O eu-lirico - Eu-lirico... e, óbvio, nenhum tão brilhante quanto és, tu.

O que eu faço?
Ouve: dá um jeito, quero seguir teu blog.

Outra coisa : deixa essa correria e escreve, vai...

Carinho, sempre.

lula eurico disse...

Descobri o lirismo em Bandeira.
Fiz do lirismo minha bandeira.
Mas ando a ver do que é capaz o lirismo, quando se permite mostrar num fraseado quase calidoscópico, como o teu Mai. Ou numa peregrinação poiética, como a do amigo Dauri.
Ando a seguir os dois. E aprendendo, e remoçando e me refazendo dos lugares comuns do meu texto.
Grato pela generosidade, moça.

À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

Adoreei!!
Lindo post, interessante o cultismo e conceptismo!!
Parabéns pelo blog!
Voltarei sempre!
Abraço.

Soninha disse...

Ola Eurico...

Vim conhecer seu cantinho! Muito legal!
Estamos participando do Amigo Oculto 2008, organizado pela Loba.
Li seus comentarios e fico feliz por vc entrar no ritmo das brincadeiras, expressando seu carinho e amizade, por todos.
Voltarei mais vezes em seu blog para ler todas os seus textos.
Muita paz!!
Beijosssssssssssss

Vivian disse...

...engraçado que eu te ví,
no poeta Paulo Leminski.

que poder fantástico de brincar
com as palavras de maneira
tão deliciosamente poéticas!

amei este encanto de canto.

posso voltar?

muahhhhh

lula eurico disse...

Que é isso, Vivian?! Não sou digno de atacar as sandálias do Leminski...
Outro beijo pra vc.

Dauri Batisti disse...

Voltei. Estou aqui lendo seus versos de novo. Bom. Muito bom. Vejo como você lida com as palavras, como constroi o som, o significado, a forma. O poeta teçe a ternura pra viver, parafrasendo um dos poemas.