Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, novembro 09, 2008

LIÇÃO DE LEITURA SUBMARINHA

ou de como se deve ler um poema...

por Carlinhos do Amparo
in Eu-lírico nº 8 set/out 95























Comece pelo título, como parece óbvio.
Mas, não lendo, e sim, suspeitando dele.
Os títulos são armadilhas para os leitores incautos.
Depois, com a cautela de quem anda em terreno movediço, explore o primeiro verso.

Devagar: ler um poema não é como deslizar
em um discurso plano e informativo.
O poema é volumétrico.

Tem largura, altura, profundidade.
Principalmente, profundidade.
Poemas são oceanos. Lê-los é mergulhar.
As palavras, peixes de regiões abissais,
só se entregam na profundeza das águas.
Mergulhe, pois, em oceânicos abismos.
Entre os destroços submersos

estará o léxico de milênios.
Só se lerá um poema com a ciência

e a paciência de um arqueólogo submarinho.
Não, não tenha pressa.
Jamais alcançaremos o poema num átimo e sem étimo.

Calma: o poema requer remanso,
leitura de rede e sossegada.
Ouça o marulhar das palavras, seu ritmo,

sua feminina malemolência
(refiro-me aos vocábulos neolatinos).

Sim, a palavra é fêmea e prenhe de ubérrimos signos.
Mas, caprichosamente, veste-se de véus.
Aos amantes pacientes revelará sua nudez.
Fugirá dos apressados,
dos epidérmicos decifradores de bula e dos banais.
Desses se ocultará em veladas alcovas,
sob a proteção
do enigmático Hermes,
guardião do sentido.

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Como exercício de leitura submarinha
transcrevemos no post anterior
o poema drummondiano "Composição",
obra que satisfaz nosso apetite de plasticidade esferista.
Podem mergulhar!
Eurico
(um eterno aprendiz de leituras)
postagem dedicada às amigas Euza e Jacinta.


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7 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Esse seu compadre, sempre atento, cuidadoso e elegante. Que carinho gostoso essa postagem que, ainda por cima me diz para ter calma, ouvir o marulhar das palavras, seu ritmo,
sua feminina malemolência. Quer aula melhor que essa?.
Como já disse: vou aprendendo.
Beijos

lula eurico disse...

amiga Jacinta, esse meu compadre é uma criança grande.Gosta de brincadeira linguísticas. Conheça melhor o compadre lendo com atenção o post do marcador "biografia poética" na barra lateral do Eu-lírico.

Jacinta Dantas disse...

Pois é compadre,
muito bom ser brincalhão. Assim, a vida flui com muito mais leveza. Pelo estilo, eu já havia "desconfiado" que o Eurico utiliza suas roupas, sua cara, seu jeito...
Agora, tenho certeza.
Isso é muito bom.
Abraços Eurico/Carlinhos

lula eurico disse...

O compadre não vai gostar nada de saber que uso as roupas dele. Ele é mais magro do que eu...rsrsrs
Abração, amiga com nome de flor.

Loba disse...

Olha só como estou atrasada! Mas é sempre tempo de ler um texto como este!
Me lembrei dos tempos da faculdade e do meu professor mais querido.
Mas pensando aqui: embora ele fosse tão querido, embora eu goste tanto de literatura, embora tanta coisa... eu ainda não aprendi!
Quem sabe com o Carlinhos e caminhe um pouco mais, né? rs...
Beijocas e obrigada pela dedicatória, viu?

lula eurico disse...

Vixe Nossa Senhora! Valei-me! Lobamiga, tenho certeza que o compadre Carlinhos não teve a intenção de ensinar...mas de confundir...de brincar. Ele é uma eterna criança. Mas ensinar, não!
Aliás, ele escreveu esse texto em 1995, e quem dedicou fui eu!
Eu é que aprendo com vcs o tempo todo. Acabo de aprender agora...
Abraço, minha amiga, abraço bem grande!

Loba disse...

rs... aprender é um verbo que conjugamos infinitamente! Aprendemos todos os dias, com cada um que passa em nossa vida, com cada Carlinhos, com cada poema, né não? rs...
Eu entendi, querido! Vc pode ser hermético qdo quer, mas não é pretensioso! É amigo! rs...
Beijo, viu?