Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, junho 19, 2009

Hino ao Vazio




























Se algum dia, ao guiares por uma avenida,
Peixes inesperados
pairarem por sobre tua cabeça
Se os edifícios, de repente, se tornarem bambuzais...
E sons de cristais liquefeitos
surgirem como estranhos algoritmos
Invadindo-te o labirinto...

Se, de súbito, sentires um frêmito
Em teu córtex cerebral
Se pequeninos filamentos piscarem em tuas órbitas
Se uma subitânea Andrômeda arremeter contra a Terra
Se sob teus pés sumir o chão...

Creias, já não és mais teu.

Canta, pois, ave fugaz,
Que estarás livre de ti.
Canta e dança como quem ouve Debussy.
Desliza por um tobogã de brumas.
Salta com os carneirinhos nas nuvens de algodão.
Já não és mais teu!

Todas as tuas posses
Teu cadastro de pessoa física
Teu veículo-passeio
Tua pertença e teu nome
Tudo que te fazia ser teu
Toda essa simbologia que te dava nexo
Nesse dia, já não será mais.
Já não serás.

Folga, pois, ave liberta,
Trinta raios rodeiam a roda
Mas só o vazio do eixo a faz rodar.
Rejubila-te!
Tu serás um vaso vazio.

Os entraves e os entreveros;
As avenças e as desavenças;
Tudo sumirá.
As coisas todas derreterão sob uma luz quântica.
Tudo avançará sereno para o nada.

Esvaziado serás livre...

E eterno
como o Tao.

*********************************

Deixo para meditação dos leitores o Poema XI, do “Tao te King”,
tradução de Emmanuel Carneiro Leão:

Trinta raios rodeiam um eixo
mas é onde o raio não raia
que roda a roda.
Vaza-se a vasa e se faz o vaso.
Mas é o vazio
que perfaz a vasilha.
Casam-se as paredes e se encaixam portas
mas é onde não há nada
que se está em casa.
Falam-se palavras
e se apalavram falas,
mas é no silêncio
que mora a linguagem.
É o Ser que faz a utilidade.
Mas é o Nada que dá sentido.

*******************************

Encontrei no
Entre Textos a seguinte glosa do Rogel Samuel:

"Os raios seguram e convergem na roda, mas não a são. No vazio do vaso é onde encontramos a água, posta em vasilha. A roda roda no vazio dos seus raios, o vaso envasa no vazio de seu bojo, entre as paredes há o espaço de nossa casa, as palavras se costuram na linha do discurso, em continuidade: mas a linguagem não tem som, tem sentido, e o que é expresso se encontra no seu conteúdo – no vazio do vaso da fala, na poesia da linguagem, o seu silêncio."



Fonte Poema XI e da Glosa:

http://www.45graus.com.br/entre-textosp.php?id=24672

Fonte da imagem:
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=465768






6 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

O tao da paz.
E o tudo é nada e o instante é infinito e o vazio é pleno e mais puro som encontra-se no silêncio.
Belo, Eurico, Belo!.
Não tenho palavras.
Chegaste em minhas 'avenidss'desabitadas e repletas.

Carinho,
Mai

Claudinha ੴ disse...

Olá Eurico!
Apreciei de imeditato as cordas e o sopro, como o próprio vôo no vazio da mente que medita. O poema... Uma libertação ou uma fusão do ser com a criação...Beijo e ótimo domingo!

Paula Barros disse...

Eurico

Quando leio algo assim, que entendo e não entendo, me instiga o pensamento. Fico filosofando, inventando outros sentindos, vendo o cheio do vazio, o vazio que nos preenche. Dou umas escorregadas.


abraços, ótimo domingo.

Dauri Batisti disse...

Este teu hino ao vazio é para se ler, ler novamente, reler, ler outra vez, ir e voltar, ir e voltar, ir e voltar. Então, descobrir um espaço de paz no próprio coração.

Veleu.

Um abraço.

Sueli Maia (Mai) disse...

Olha, amigo Eurico, que vontade da 'gota serena' de estar nessa estrada, preenchendo o meu vazio e esvaziando o que me estárepleto.
Vou te dizer que vir aqui em tua praça pública me faz um bem que nem imaginas.
Mas, ultimamente tem sido uma caminhada quase que 'obrigatória' à minha psique, minha paz e refazimento.
Tu és um bruxo ou o que?
.
Abraços, amigo.
Fica bem.

lula eurico disse...

Mai,
Sou um maluco. Um poet'antena e isso às vezes dói. Como no poema que irei publicar ainda hoje.

Feliz por te fazer bem. É que estamos no mesmo momento da eternidade. O hoje está necessitado do Vazio.