Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, julho 27, 2010

Broa (poema-escorço)





















(
...trazia a fome dos náufragos,
na mente,
e, de repente,
o gesto atávico
invadiu o trivial
:
alçou até a boca um biscoito,
subitamente antiqüíssimo;
um automatismo,
um quase ritual...
)

...emerge
em mim, remoto, um mot
:
broa
brote

brood
broot

(O gato dorme no convés...)

Talvez um déjà vu;
Um insight?
A brisa sobre o yacht.
Saudade...

Eu lanço um boat.







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Carlinhos do Amparo disse...

"Sobre teu processo criativo falo eu, compadre. Estás desobrigado de falar:
Essa palavra, escorço, já ouvi de ti, em outras prosas que tivemos. O termo escorço (escorzo) deriva do italiano scorciare, com tradução literal para encurtar, abreviar, resumir.
Mas, convivendo com os artistas d’Olinda, aprendemos escorço, pelo modo com que o tratavam os gregos, como perspectiva, tridimensionalidade, conceito ligado às questões da representação e da composição em pintura ou desenho; questões essas retomadas, depois, pelos Renascentistas.
Sei, no entanto, que ao definir esse texto como poema-escorço, não estás a falar da perspectiva meramente visual.
Trata-se da profundidade intelectual.
Aquilo que se obtém verticalizando a leitura, buscando enxergar além da superfície do texto, ou seja, buscando intelligere, ou ler dentro. O escorço, portanto, transforma a superfície da coisa (seja uma pintura, um poema, uma escultura) em algo virtualmente profundo. A obra de arte ganha, assim, uma terceira dimensão.

Ler Broa sem fazer um esforço de perspectiva, sem perceber o que há de escorço no poema, a tentativa de tridimensionalidade intelectual, deixará o leitor com um mero biscoito naval entre as mãos: visão rasa, superficial, da massa bolorenta e amarga. Um simples biscoito e nada mais.

Poema-escorço é também poema-alusão, potencializando as pequenas coisas visíveis no texto, breves, mas, densas, em sua perspectiva de profundidade temporal (histórica), espacial (geográfica), visual (gráfica) ou até auditiva (musical), e, por que não dizer, num sentido amplo, sinestésica.
Precisa-se também atentar para a etimologia dos verbetes, que, tão ao teu estilo, costumas chamar de arqueologia da palavra.

Creio que foi isso que discutimos, dia desses, à sombra de uma mangueira frondosa e centenária, lá no Sítio d’Olinda.

Abraço, meu compadre."

3 comentários:

Éverton Vidal Azevedo disse...

Rapaz, já me tornei seguidor do sítio d'Olinda.
Gosto das aberturas de perspctivas que o teu cumpadre dá.

lula eurico disse...

Depois te conto, por email, coisas sigilosas sobre esse compadre. rssrs
Mas adianto que ele é um hermenauta e filodoxo, ou seja, viaja muito no sentido lato da palavra e fala pelos cotovelos...
Bom é prosear com ele à sombra das mangueiras centenárias do Sítio das Quintas, que é o seu habitat. Aprende-se muito por lá.

Abraço fraterno.

Rejane Martins disse...

eu cria, um dia encontraria mesa farta de broas.