Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, julho 14, 2010

Bosquejos






















Porque agora vemos por espelho, em enigma,
mas então veremos face a face;
agora conheço em parte,
mas então conhecerei como também sou conhecido.
...............................................................1 Cor 13:12




Ninguém, nunca jamais, viu qualquer coisa inteira.
As coisas são metades, como, à noite, a lua.
Não é possível apreender totalidade alguma...

Senti isso, em certo dia, ao me embrenhar num bosque.
Depois de um caminhar inútil, por clareiras,
Restou-me então, do bosque,
essa impressão de coisa impenetrável:

Algumas árvores mais próximas
ou em perspectiva,
Até onde a vista humana pode ir. E só.

E descobri então que
Os bosques nos escapam sempre.
Os bosques que pensamos ver
são apenas bosquejos, alusões de uma
mata, selva ideal,
jamais vista em sua inteireza.

Um bosque é abstração de manchas,
Coisa sempre in fieri.
Um bosque é fugidia sensação de luz e cor.
A mesma que se tem ao olhar um Manet:
Alusões a vigorosas pinceladas.
Mas sempre alusões.
Assim, um bosque é quase nada.
Metade dele nunca é.

É a mesma ilusão (de ótica) de quem,
no espelho
encontra a face do mistério,
ou seja, a parte dele que se pode ver.
E o que é essa parte que não se pode ver?
Eis a questão!

O ser do bosque é assim,
Face no espelho;
Aquela que se pode ver.
No entanto, o bosque, mancha esverdeada,
É ainda mais que nós.
Somos a outra metade do nada,
Escorços de uma face invisível e azulada.
Eternos quase-nós.


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Fonte imagem:
Almoço na relva - Édouard Manet


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Concluo essa série de impressões , com a citação de Giulio Carlo Argan, que encontrei em O Pensador Selvagem (com minhas sinceras desculpas pelas imperfeições dos trabalhos):


"(...)Se o artista se propõe a exprimir a sensação em estado puro, antes de ser elaborada e corrigida pelo intelecto, é porque ele julga que a sensação é uma experiência autêntica, e a noção intelectual uma experiência não-autêntica, viciada por preconceitos ou convenções. A sensação, portanto, não é um dado, mas um estado da consciência; ademais, a consciência não se realiza na experiência vivida e refletida, e sim na experiência que se vive. Identifica-se, pois, com a própria existência."
.............................................................Argan



Nota:
a reedição de Bosquejos se deu pra comemorar o novo modelo do blogue.
Esse bosque de bambus é de um lirismo profundo e reflexivo...

11 comentários:

Soninha disse...

Olá, Eurico!
Adorei o visual do blog.
O poema...lindo. Bom demais a reedição.
Realmente, não podemos ver tudo, mesmo porque, temo óticas diferentes para coisas iguais e diferentes...
vixe...
Mas, adorei mesmo!
Saúde pra você
Muita paz! beijossssssss

lula eurico disse...

Grato, irmãzinha.
E Sampa, tá muito fria?
Abraço no Miguel.

Anônimo disse...

Oi amigo querido,
o blogue tá lindo e combinou direitinho com o poema e a trilha sonora? Nem se fala!
Bjs.

Dauri Batisti disse...

Bambu é uma planta linda, tanto de perto quanto de longe, e o barulho do bambuzal ao vento... Nossa! Tenho lembranças tão bonitas...

eternos quase-nós... prá pensar

O blog esverdeado se tornou ainda mais acolhedor. Verde-lírico

lula eurico disse...

Grato, Fatima. Bondade tua.
Esse teu coração mineiro sempre me louva além do que mereço.

Abraço fraterno.

lula eurico disse...

Dauri,
meu caríssimo poeta,
bom estar por aqui, compartilhando essa palavra.
O blogue se inspira na natureza. Os verdes e azuis nos refrigeram a alma...

Insisto no verde.


Abraço fraterno.

Anônimo disse...

Que beleza em palavras, meu querido!!

Grande abraço

Canto da Boca disse...

A sensação ímpar causada na chegada ao seu espaço, é de tranquilidade, vento suave e calmaria. O verde tranquilizante da paz.
Depois fui deixando o poema me engolir, e engoliu tão profundamente que não sei mais onde chega esse poço sem fim que somos... Quantas metades somos? Sei apenas que a superficialidade já é por si inexaurível, quiçá os profundos e ilimitados labirintos humanos e tudo o que sequer imaginamos.

Vizinho é sempre muito prazeroso sua presença no Canto.

Abração!!

lula eurico disse...

Vizinha,
eis uma resposta ao que é a proposta do novo (e do velho) visual deste zineblogue: calma, aconchego, prosa sob a sombra das árvores, e a brisa suave nos bambuzais...
Seja sempre bem-vinda e é sempre bom te visitar lá no Canto da Boca.

Abraço fraterno.

Sueli Maia (Mai) disse...

Ficou tudo tão harmônico, Eurico...
Sou suspeita, mas sincera.

Somos incompletudes em busca de outras metades.
tenho bambu em minha casa, as hastes me ensinam a flexibilidade.

verdes cheiros
tb gostei do novo design do blog.

lula eurico disse...

É verdade, Mai,
o bambuzal nos ensina a flexibilidade e a resistência. Uma bela analogia nos acena dos bambuzais. Uma lição do E/terno.

Verdes cheiros, no sentido pernambucano da palavra rsrs