Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

segunda-feira, julho 05, 2010

Beach Soccer Lírico (futebol e poesia)



















Quando o mar arrebenta nos recifes
Do litoral da minha terra
As ondas tentam articular uma palavra.
(percebo isso, nitidamente,
num súbito acréscimo de receptividade)

Sempre...
balbucia a arrebentação.

Caminho por essas praias há muito tempo.
Costumo apalpar os grãos de areia com as pupilas.

Estranho fenômeno.

Sinto o fulgor da presença das coisas.
E isso assusta a minha frágil individualidade.

Estou no fenômeno.

Tocar as coisas com as palavras. Impossível.
Tocar as coisas é fazer filosofia.
Mas sou profundamente lírico.
Fenomenologicamente lírico.
Não há lirismo em epoché.
Minha consciência, irredutível,
abraça-se às coisas, liricamente:

Eu sou o fenômeno.

Os infantes jogam a péla secular,
Chutes de viés cruzam o horizonte.
E eu apreendo algo de musical,
nas variadas combinações dessa opereta de praia.
Danço com eles, volições entre parênteses,
eu-inteiro driblo, chuto e agarro-me à pelota.
Impossível suspender o juízo que faço de mim e das coisas:
Sou o próprio juiz que joga o jogo.

Sou a irrevogável consciência-das-minhas-circunstâncias.

As sensações são esses pequeninos crustáceos marinhos.
Ora afloram, ora escondem-se em mim.
Certas vezes empalideço de emoção, com a arte de um lance .
Mas choro mesmo, ao ver essas crianças tão raquíticas;
Me arreto, quando as ondas arrastam essa bola.

A bola rola e o planeta.
Passam-se as horas.

Agora a tarde cai sobre meus ombros
E sei que estou me despedindo das paisagens daqui.
(Sou o que vejo.)

Sinto-me um preso
Rumo ao degredo.
As ondas, ou algo indefinível,
Tentam iludir-me, ainda,
sussurrando essa palavra.

Sempre...



Fonte da imagem:
http://www.flickr.com/photos/namourfilho/2208612063/


Nota do blogueiro:
Sobre o verbête "péla" (bola), acentuado, leiamos o interessante sítio abaixo:
http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11548

5 comentários:

Zilda Santiago disse...

Lindo e profundo poema!!!Parabéns.

Anônimo disse...

Meu querido amigo,
e a vida? Tudo caminhando bem?
Espero de todo coração que sim.
Bjs.

lula eurico disse...

Fatima, amiga das Gerais,... a vida?
A vida é bonita... rsrsrs
Fico com a beleza na resposta das crianças: a vida é sempre bonita.
Mesmo quando a gente não enxerga essa beleza, por limitações de nossos olhos. E a minha vai caminhando bem.
Feliz por ter vc por aqui.

Abraço fraterno.

Jacinta Dantas disse...

Rapaz!
essa sua capacidade me encanta. "O fenômeno sou eu". Forte demais esse acolhimento.

PS: acompanho daqui a tragédia que se abateu por aí. Sigo na torcida para que a vida volte à normalidade dos dias.

Grande abraço

lula eurico disse...

Estamos na luta, Jacinta! Reergueremos as cidades em lugar melhor. O povo é forte e não desiste! Estamos solidários com os irmãozinhos do interior!

Paz pra ti.