Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, março 30, 2017

EIRA DE URZES (linossignos em quase-prosa)

Cio da Terra - E. B. Brito



Lavra-se u'a idéia, 
como a qualquer outra eira, 
arando e revolvendo os conceitos,
até se obter uma textura granulosa e fértil. 

A semeadura dá-se 
durante as horas d'ócio, 
solitariamente, 
quando eclodem 
os brotos  iólipos.

Esses linossignos 
surgirão aos molhos, 
morfemas copiosos, como os dos cegos de feira; 
Então deve-se usar um esboiceiro ou boiceira, 
de modo a separar deles a baganha ou bagulho, 
pelo modo com que se retira do linho a linhaça. 

Assim, segregado, metapoéticamente, 
o molho de morfemas será colocada num cesto 
e deixado ao sol durante dias, 
por forma a aloirar bastante 
e estar pronto para entrar na tessitura.
Depois disso, há de ser guardado
num canto aquecido, protegido por pedras, 
durante cerca de três dias consecutivos,
até quebrar a casca, 
feito um pintainho de quelônio. 

Retirado da gruta, , 
grandioso ou sem graça,
é deixá-lo correr num relvado, 
divertindo-se ao sol 
para curar imperfeições congênitas. 

Nos dias seguintes, 
será gramado na grama, 
malhado com a malha, 
esmagado, 
tasquinhado 
e, duramente, ripançado no ripanço, 
para que assim, entremeadas pelos brotos comuns,
se possam urzir raridades, 
que, por sua vez, devem ser
fervidas com água e cinza 
dobadas em dobadoiras, 
para escoimar impurezas; 

Leva-se, então, ao bem fundo d'alma,
para tentar re/alçar...

Colher-se-ão, enfim, as impalpáveis luzes, 
essas que, improváveis em pedras,
surgem,
algo de espanto,
lumes estranhos, nisso 
que fulge.
Ó, bardo, em que, afinal, tu urdes?





Imagem:
Cio da Terra

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