Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, maio 24, 2013

DANÇA SEM CORPOS





















Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos, então o terão libertado dos seus automatismos
e devolvido sua verdadeira liberdade.
Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas,
como no delírio dos bailes populares e esse avesso será, seu verdadeiro lugar. (Antonin Artaud)



Convoquem-se os doutorandos pra dançar,
enquanto é dia...
Cantem-se os cânticos aurorais.
Dancem-se as danças circulares...
Que falem as crianças, os doidos e os poetas,
num intraduzível canto sem métrica,
à claridade, aqui, ali, à claridade,
enquanto se pode achá-la!

Dias virão em que fugiremos pros montes
com pavor de nossos filhos e filhas.
Eles já não nos ouvem e falam um dialeto de autistas,
um poderoso discurso para iniciados.
Salvem-se os jovens dessa seita academicista,
em que se untam de poder e de verdades.

Quando criança eu falava com as gramíneas,
com as formigas, com os insetos do quintal.
Estávamos entrelaçados, minhas raízes e eu.
Meus pais riam disso.
Doidices de crianças, diziam.

Loucura e poíesis, digo eu.

As crianças dessa nova era
estão tomadas por estranha terminologia,
e já não brincam como dantes.
Antes, fabricam-se modos de ver, de pensar, de existir.
O imaginário foi engarrafado.
Envasadas as enunciações poéticas
e as artes, em um discurso de infalíveis.

Urge que se convoquem os jovens doutorandos pra dançar,
sem corpos e sem órgãos,
Dançar deliricamente...
Em transe, com gritos primais.

Urge que cantem as crianças, os doidos e os poetas,
num intraduzível canto sem métrica,
à claridade,
Aqui, à claridade,
enquanto se pode achá-la!




Imagem:
Pieter Bruegel - Dança de Maio

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