Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, maio 17, 2013

Augúrios (evocações de um Recife Antigo, Nº 7)












"Auspiciis hanc urbem conditam esse,  auspiciis bello ac pace domi militiaeque omnia geri, quis est qui ignoret?"
— Lívio, VI.41


                                   





A senha

I
Paira algo sobre a pólis tropicana,
ouvem-se verbos em um médium volátil;
Sibilos,
balbucios,
falas al(i)teradas.

II

A voz velada de um áugure
vaza a cidade, como a um túnel um trem.

Não é delíquio, tampouco paranormalidade.
Mas, aqui, in/augura-se a poesia enquanto fenômeno extraliterário.
O evocado:
Souzândrade,
de cujus, tectônico e tríbio,
saudoso amigo de um futuro antigo


III
Permitidos estão todos anacolutos, incluídos os de semântica!
As colagens em um mosaico (ele)mental!
As frases de alusão, com elisões incidentais!
Liberdade para as todas as anacronias
e superposições (intra)históricas!


***


AUGÚRIOS (derradeira evocação)


Os velhos arcos da cidade antiga
desdobram-se em novas artérias exangues,
essas avenidas esdrúxulas,
que arrastam os palafitas e soterram os mangues,
e abrem o flanco dessa urbe, aflita,
a demolir seus claustros e igrejas.

Os arcos... os arcanos.
Salvou-se a Cruz do Patrão,
registro de assombração
dos náufragos que buscam abrigo.
Talvez, porque está escrito:
Não removas os marcos antigos.

Um rio invade as tumbas de Santo Amaro das Salinas
e pranteia seus mortos.
Seus milhares de peixes mortos.
Um outro lava os batentes do Palácio da Justiça
e reclama a posse de suas margens urbanizadas.
Juntos, os rios transbordam no pátio de manobras do porto.
O mar, ameaçador, aguarda a maré alta e os ventos da ressaca...
É Agosto.

Ausculto o coração dessa urbe assustadiça.
E oiço vozes.
Palavras arcaicas.
Motes desusados.
Um vozerio no marco-zero da cidade.
Evocações sem nexo aparente.
Meras repetições do passado.
Herméticas e litúrgicas frases desconexas.
Monges entoando merencórios cânticos gregorianos...

Os fantasmas do velho casario colonial assombram
os novos locatários.
A brisa maurícia sopra os aventais dos pedreiros-livres.
E eu os oiço, creiam-me, oiço-lhes os ritos,
vozes vindas de uma sobre/loja,
a oriente de mim, num pardieiro
:
"Erguemos túmulos às margens dos rios
e os batizamos:
Cidades."







Fonte da ilustração:
Loja Maçônica em Recife (por trás do Edf. Tabira)


"Quem não sabe que esta cidade foi fundada 
somente após consultar as divindades, 
que toda guerra e paz, no país e no estrangeiro,
foi feita somente após consultar as divindades? "


— Lívio, VI.41

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