Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, janeiro 05, 2012

DA VOZ (notas para uma fisiologia do sentido)



Tudo o que sai do corpo é corpo
e se faz verbo,
O gesto, a febre, o sopro, o suor, o pranto
o canto, a fala,
tudo isso é corpo e busca o ausente, o outro, um nexo
mesmo na escória, flor inglória e sem abrigo,
o corpo exala algo que é signo.

A voz..., volátil e aérea..., a voz
ainda é corpo em influxo ondulante, oco e vibrátil,
e mesmo assim, matéria
a ressoar dos vãos, dos antros
escuros e pleurais,
das grotas guturais até a boca.
A voz assim, fluída,
flatus vocis, vaporosa,
ainda é corpo.
:
É corpo esse sussurro,
e o último suspiro, o derradeiro e mesmo o urro,
o espirro, o berro pelo ar
que vaza nas vogais, das úvulas,
dos mantras que dimanam das fossas nasais,
dos lábios, entreabertos véus, dos céus da boca,
de hiatos entre dentes, estridentes atos, palatos
hálitos pulsantes, em consonantes
tubos, curvos, peristálticos,
em valvas que destravam valvas, dia-
fragmas elásticos,
redomas dissonantes, em labirintos, dobras
de bronquíolos, anelados bulbos,
tudo isso, esse ruído amorfo,
ainda é corpo.

A voz é carne, en/carnação,
é corpo em invisível esforço
de arfar
de fôlego
e de soar sentido,
em direção do outro
(mesmo que um proto
-sentido)
um cio
um balbucio,
um uivo, em fluxos acústicos
em ululo,
em guinchos de orifícios,
em sons da glote, engulhos
toda sorte de pruridos viscerais
em sons roufenhos
arrotos,
gritos
ronronares flácidos
rascantes regougos.

Vazou da carne é corpo.
A voz de tudo é corpo.
Corpo sem órgãos, ausente, ambíguo,
dúbio, mas, corpo.
Tudo que sai do corpo é corpo,
Mesmo o signo.



Estudos para o tema em:
Três Noturnos - Debussy, com audição especial para o coral feminino, Sereias, ao final:
Fonte do áudio:
The Daily Beethoven

8 comentários:

Tania regina Contreiras disse...

Fabuloso: tudo é corpo: o que prende, o que vaza, o que soa, ouve, canta, ausenta-se, estende-se da carne para um infinito sem nome...
Beijos,

Rejane Martins disse...

Mas que postagem oportuna, Eurico, poema sobre a voz e sua densidão - o soar volume e sentido. O coro de sereias... de uma força vital grandiosa, fértil em estrutura e brilho, tal como tua dita, tal como teu poema-voz-corpo.
"é corpo em invisível esforço
de arfar
de fôlego
e de soar sentido,
em direção do outro"
Ansiedade, necessidade, pulsão - em poema atento ao mundo - tudo aqui densamente diz, aponta, distende.

Cinthia Rodrigues disse...

Não lembro bem como encontrei seu blog, provavelmente nos favoritos de alguém. Não carece de explicação para quem gosta de arte, seja ela na música, dança, pintura ou na palavra escrita. E foi isso que encontrei no seu blog, belíssimas palavras.
Gostei especialmente desse ultimo poema, pois se tudo que sai do corpo é movimento então há dança em tudo e isso explica uma de minhas paixões, a dança.

Unknown disse...

Toda razão é sua, Eurico!

A voz é única em cada um de nós, como as impressões digitais. A voz é um registro Único, para que o guardador, reconheça seu rebanho.

A voz é energia viva e ativa e pode modificar o mundo.

No entanto, nem rudo que vaza do corpo continua corpo!

Beijos com os meus respeitos!

Mirze

lula eurico disse...

Mirze,
eu apenas brinco com os vários sentidos da palavra corpo.
A intenção é essa: provocar um estranhamento do que nos é familiar.

Abç fraterno.

Unknown disse...

Meu poeta querido!

Há princípios que se baseiam em corpo e em espírito.

Em 1972, uma equipe de cientistas suecos, fizeram uma experiência com um moribundo no qual haviam instalado um espectrógrafo com um dispositivo de dinamômetro acoplado a um osciloscópio, para as devidas leituras. Com o osciloscópio registravam as variações do campo orgânico, com o fim de localizar a vida no paciente; com o dinamômetro mediam a variação do peso do campo gravitacional. O resultado foi surpreendente, pois, examinando os registros da leitura nos aparelhos, verificaram que no exato momento da desencarnação, o paciente perdeu um campo cujo peso correspondia a 2,2 dam (decagrama-força), o interesse é que a experiência pode ser realizada por outros experimentadores abalizados, pois, esses aparelhos utilizados nessa experiência, são idênticos nas UTI e CTI.

Muitos foram os médiuns videntes que viram o corpo perispiritual ser exteriorizado e afastado do corpo físico, no momento da chamada morte, a experiência acima vem confirmar que, o fenômeno observado pelos médiuns são realmente verdadeiros e não fruto de alucinações visuais. A vida é muito mais que um amontoado celular em um corpo de carne, a vida espiritual é uma realidade que precisa ser percebida por todos, cientistas ou não, pois, a vida vem de Deus e nós somos seus filhos e já está na hora de aprendermos a respeitarmos as leis do Pai dos seres e das coisas.

Alguns cientistas e teólogos tentaram comprovar a saída, vazamento, do espírito enquanto se dorme. Provaram através do fogo fátuo, pelo qual se exorciza a matéria que fica definitivamente livre do espirito depois de sete dias. Esto é verdadeiro e há algum tempo num poema falei sobre isso.

Obrigada e espero ter-me feito entender, ou colocar mais dúvudas.

Um beijo!

Mirze

lula eurico disse...

Mirze, amiga querida. VC sabe quanto eu te admiro.
Mas não é a favor nem contra essa corrente que flui o poema. O poema não é teoria e nem quer ser. Na instância da arte não há verdade ou mentira... não há ciência ou teologia. Pelo menos assim penso eu.
Se há corpo-além-do-corpo não faço objeção. Mas a voz é vibração material e é sobre ela que habita o signo.
Sou arreligioso, mas não sou ateu. Embora os respeite, sobremodo quando são pessoas como um Betinho... o nosso solidário irmão do Henfil. Mas não trato de tema tão árduo e milenarmente discutido, no espaço de um poema. rsrsrs


Mas dá cá um abraço fraternal, amiga querida.
Viva Deus que pequeno sou eu! rsrsrs

Hosamis disse...

Buscando indícios de sentidos ainda a construir e ainda a perceber em conjuntos de mínimos, deparei-me com o seu blog. O simbolismo fonético atrai pelo mistério a desvendar e a construir.

Abraços,

Hosamis.

Se desejar, visite-me (climapoetico.wordpress.com).