Uma Epígrafe
"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]
sábado, abril 09, 2011
Euterpe (escola de harmonia)
Ainda oiço trinarem os últimos pássaros,
abarrancados no que nos resta da mata atlântica,
quando os guardas florestais
voltam de sua ronda habitual...
Tudo parece sossegado.
Piam os anuns, no alto das imbaúbas.
Gritam os marrecos, em revoada.
As garças levitam pelo lago do castelo dos Brennand.
Sobre nossas cabeças um céu azul de lavandeiras.
Naquela linda nuvem, descansa o Bom Deus.
Tudo está bem...
Os guardas-florestais
voltam de sua ronda habitual...
As mocinhas da escola de música
solfejam suas flautas, doces e distraídas.
Nada aponta para um súbito armagedom.
Nenhuma sensação de que estamos
a pisar sobre falhas geológicas.
Não há qualquer possibilidade de avalanche.
O paiol está hermeticamente fechado.
E, como sempre, todos os esquizofrênicos
estão devidamente dopados
por benzodiazepínicos potentes.
Eis que , pontualmente,
a guarda-montada
regressa de sua ronda habitual.
Mas esse meu coração pressuroso
anda cheio de perplexidades.
Quem sabe exista, por aí,
um solitário ex-aluno,
esquecido de tomar os seus remédios e,
que, entrando em descompasso,
possa atentar contra toda essa harmonia ...
Decerto, a guarda-florestal está a postos.
E no portão, gravada em bronze,
Euterpe nos vigia.
Mas e o Bom Deus?
Eu o vi há pouco.
Ele cochilava sobre uma linda nuvem...
Ainda bem que todos na escola de música
recebem, religiosamente, a santa medicação...
Fonte da imagem:
Euterpe toca flauta
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8 comentários:
Ai EURICO!
Não sabe como me aliviou a alma! O melhor é que ficou lindo o poema.
Acho que Deus cochila mesmo. Depois da criação que foram apenas sete dias ele dormiu muito. Será que foi tão trabalhoso? Aquela bruxinha Samantha que torcia o nariz fazia tudo e não cansava tanto.
Nossa! Nunca me imaginei rindo do que chorei por dois dias.
Parabéns, poeta!
Você sabe contornar o desenho!
Beijos
Mirze
Mirze,
são pequeninas heresias, que espero que me desculpe o Bom Deus.
Minha alma está muito triste.
Há muitos Wellingtons por aí, feito andorinhas soltas... lendo lendas, absorvendo pregações recalcadas, e inflando feito um balão, até explodirem.
E a sociedade age como se todos fossemos normais. Ora, mas tudo fosse harmonioso e bom, não existiriam armas de fogo, nem complexos, nem psicoses... Que sociedade é essa que ajudamos a manter?
Ela nos dá tranquilizantes, antidepressivos e caminhamos todos, serenamente pro caos...
Nessa loucura, um ou outro há de se machucar ou morrer...
Paz e fraternidade, amiga!
Que bom entrar aqui para absorver todo o teu lirismo, teus poemas são bálasamos aos meus sentimentos.
Um beijo amigo e bom final de semana.
Carmen.
Lindo meu amigo!
Bjs.
cada um de nós faz a sua catarse, como pode. o poeta transforma o armagedon em lirismo. triste, é verdade. mas com um rasgo de esperança. afinal, no portão a Euterpe nos vigia.
eu, no meu pouco entendimento, digo: um dos mais belos poemas que li aqui.
beijo
Grato, Euza,
mas essas observações (poemas?) dóem muito. São leituras de uma sociedade, de uma civilização. Claro que num poema não cabem verdades absolutas... ai de mim rsrsrs
Mas precisamos urgentemente mudar de atitude. Eu preciso mudar de atitude radicalmente.
Lembras da história do meu filho?
Aquilo foi perseguição na escola, isso que agora dão um nome estranho aí.
Ele escapou, mas Deus sabe como...
E eu não fiz quase nada, além de arengar com a Diretora, que defendeu os perseguidores, gente de classe média alta.
Bem, mas não vou contar toda a história.
Meu filho agora está se formando em Sistema da Informação. E espero que tome os seus remédios como eu tomo os meus.
É assim que a sociedade trata dessas coisas, pelos sintomas e não pelas causas.
Então viva o Prozac, viva o Exodus, a Sertralina, e o velho e bom Lexotan.rsrsrsrs
Mas ninguém deve esquecer de tomá-los, religiosamente...rs
Abraço fra/terno.
Mas como é bom ouvir teu desassossego, Eurico.
Os nós de uma sociedade tão cheia de duplos ss longes do ego.
Quase um pedido de socorro, um SOS do ego.
Rejane,
vc foi fundo e leu o que esconde o poema...rsrsrs Eis que nas entrelinhas estão os conceitos freudianos, entrelaçados.
Gosto da tua leitura, amiga.
Me pegou em flagrante. rsrsrs
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