Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, maio 04, 2008

Mitopoese IV: Tubal-Caim




Gênesis IV, 20-22



I
Acordo cedo
e acendo a forja.
Sopro-lhe vida,
a plenos pulmões.
Espanco a peça
na qual trabalho,
com marteladas
(nietzcheanas?)
numa bigorna.
Minha obra, arranco
da impura gusa,
p/arte abstrusa,
que, esbraseada,
quer ser forjada.
Por isso luto,
tarefa insana,
(opus alchimicum?)
contra a matéria
bruta, que em brasa,
cresta minh’alma,
na lavra lenta
das raras peças.
Eis o motivo
da obra escassa.

II
Como eu invejo o artesão da palha,
Fácil manejo, nas mãos, na mente.
Dedos velozes dançam nas tramas,
trançando em ramas o todo e a p/arte.

Também invejo o cantador de motes,
aquele da poesia num repente,
que embola versos agalopados,
deixando boquiabertos os feirantes.

E os cordelistas, pluviosos vates,
gosto de vê-los, nas rimas tantas!
Fazem chover versos aos milhares.
Canções de gesta, como enxurradas
que invadem ruas, feito as enchentes.

Ai...se fosse assim meu árduo ofício...


III
Lavoro às chamas, queimando em febre,
tisnada a pele, olhos ardentes.
Lavro a escória do ferro gusa,
com essa pa/lav(r)a quase vulcânica,
Logos brasil,
Verbum incandescente,
Léxico de hermética metalurgia.

Eis minha sina, eis o meu fado,
(e com que enfado vos digo isso):
fundir a gema, pétrea e absconsa,
(e o Transcendente está nessa Idéia),
entre o crisol e a crisopéia.



IV
E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...



Eurico
metapoema sem data


20 E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.
21 O nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
22 A Zila também nasceu um filho, Tubal-Caim,
fabricante
de todo instrumento cortante de cobre e de ferro; e a irmã de Tubal-Caim foi Naama.
poema dedicado aos poetas itabiranos, Euza e Drummond
***

7 comentários:

Carlinhos do Amparo disse...

Meu cumpadi, primeiro de q tudo vc perdeu o niver de dona Iolanda! Segundo: ao ler o teu poema, (q vc não datou, mas sei q é de hoje mesmo, e só por isso perdôo tua ausencia no niver), bem, ao ler o teu poema me veio à mente a velha frase q jah te disse em mesa de bar,mil e uma vezes:
"o escritor é um leitor que enlouqueceu"
Vc é um deles! rsrsrs
Vide o engenhoso fidalgo cervantino, leitor de livros de cavalaria, que pirou e foi lutar contra os moinhos de vento...rsrsrs
Tu vai ficar doido, cumpadi.
kkkkkkkk

Loba disse...

A poesia prescinde de comentários. Mas poemas assim, nascidos do laborioso trabalhar das palavras, merecem uma tese. E a Euza, esta que pegou carona na fama e terra de Drummond, reverencia e agradece ao poeta pela beleza do presente, pelo carinho do amigo. Beijo e beijos.

lula eurico disse...

Em resposta ao comentário do compadre Carlinhos do Amparo,
que me aponta a loucura do Quixote-leitor, que julgo ser a mesma
do Cervantes-leitor, apresento o poema abaixo, em que está explícita a loucura de Dom Sebastião, que deve ser a mesma do poeta-mor, que assina a obra:

Quinta/d. Sebastião,
rei de Portugal
20-02-1933


Louco sim, porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Fernando Pessoa
in Mensagem

P. S.: a amiga Loba é generosa e merece a dedicatória no blog, pq me instigou a escrever esse poema.

Jacinta Dantas disse...

Meu Deus!
fico meio perdida em meio à maestria dos seus versos. Da complexidade das marteladas nietzcheanas? à simplicidade do artesão que trabalha sua palha, a luta com as pedras,
será pela palavra.
Isso me faz lembrar um verso do poeta Dauri Batisti que diz:
"Retornei no alvorecer com essapalavra que lá talhei
com sopros e respiros suaves e outros profundos
na pedra menos áspera que encontrei"
Acho que isso resume o meu comentário.
Um abraço
Jacinta

Ilaine disse...

Nossa, poeta! Você e as palavras... Palavras lavradas, manejadas, acendendo forjas e soprando vidas. Este é um poema maravilhoso, Eurico. Eu, na verdade, não sei nem como comentá-lo. Contemplo-o tão somente. E admiro você.

Com carinho
Ilaine

Amei sua visita no baú. Obrigada.

* hemisfério norte disse...

a vinda aqui, vale pela música e pelos textos.
MT BOM!
bjs do outro lado do hemisfério
a.

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Ainda bem que te adicionei aos meus favoritos. Nossa que bela poesia.Tocou fdundo! Hoje fiz postagem nova,apareça por lá, será sempre muito bem vindo.Um abraço