Lembro que, a certa altura do interessante filme Febre do Rato (Cláudio Assis), a personagem Eneida (Nanda Costa) joga na cara do poeta Zizo (Irandhir Santos) uma frase que o deixará encafifado, durante todas as próximas e belíssimas cenas em preto e branco, da fotografia de Walter Carvalho.
A frase surge de supetão, quando o poeta pergunta o que sua musa acha de um poema feito pra ela:
“Como poeta tu és um bom publicitário!” diz Eneida, divertida.
Saída da boca de uma colegial meio sem juízo, que convive com aquele grupo “cabeça”, inspirado nos poetas marginais das décadas de 80/90, essa frase parece deslocada. Dá a impressão de que a personagem é apenas uma boneca de ventríloquo do bom roteirista Hilton Lacerda, que, aliás, assina os belos poemas do filme. Essa frase deslocada, que passará despercebida, posto que escondida na fala de uma jovem maluquinha, mais parece uma crítica velada e sutil, aos poetas da cena recifense, tão escrachadamente pintada nas cenas de um realismo chocante de Febre do Rato.
Quem já viu o filme, veja de novo, e atente para essa frase curta da bela e venenosa Eneida. Não é à toa que o poeta Zizo ficará desnorteado até o fim do filme. Eneida acerta na veia dos poetas que confundem engenhosidade e trocadilhos com poesia. Que, a despeito de pouco conhecer a sintaxe, vivem de arremedar os bigodes do Leminski, numa copiosa multiplicação de slogans poéticos, que mais parcerem as costumeiras loas que são ditas antes da lapada de cachaça, aqui no nordeste. Mordaz, a crítica da personagem, apesar de improvável, naquele universo de farras e de sexo livre. Apesar disso, a frase nos leva à uma necessária reflexão sobre a poesia contemporânea do Recife e, só por isso, parece ser o mais interessante momento, desse contestador Febre do Rato. Afinal, o filme trata, fundamentalmente, da poesia e dos poetas.
Sem olvidar que há poetas e poetas. Há um Recife de Alberto da Cunha Melo, de Audálio Alves, de Celina Holanda, sem falar de Carlos Pena Filho, Mauro Mota, João Cabral e tantos outros, que não são publicitários, nem nada. São poetas!
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