Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, outubro 21, 2011

Tijolinho (in memoriam)




















I
Desci a ponte apressado,
perdi o bonde das cinco.
Volto pávido pra casa.
Mas não perdi a esperança.

II
Sei que os gatunos já espreitam
na Estreita do Rosário,
Os bêbados
Os operários
que jogam com palitinhos.
Aqui se dorme cedinho.

III
Conheci um motorneiro
cujo nome, Tijolinho,
sempre me cai na cabeça.
Meu pai, dizia: não desça,
antes de Tejipió.
Primeira vez, eu, no bonde,
andei só.

IV
O bonde aberto do lado.
Eu fora, dependurado,
com o guarda-chuva na mão.
Eu, de volta.
Eu, cansado.
Eu, eus, múltiplo, multiplicado.
Mil rostos,
mil e um pecados.

V
Eu, do Recife,
eu do umbigo mundo.
Eu, tão ambíguo, no mundo.
Vrrrummm! no bonde, um giramundos!

VI
Fui consultar u'a vidente.
Queria ver meu passado.
Meus trilhos. A ubiquidade;
Eu, tríbio.
Eu, sem idade.

VII
Num bonde andei.
Mas brincava sobre uma placa flutuante.
Um bonde é antes brincante,
f(l)ui, passageiro,
Eu passei...



Viagem poética, criada a partir de uma viagem real,
que fez o meu pai, Elias Eurico de Melo.
Meu velho, 86 aninhos, me conta seus causos d'infância,
nesses dias frios de 2010 em que, juntos, cuidamos
dos nossos corpos (e almas), alquebrados, mas serenos.


Fonte da Imagem:
Bonde de Tejipió
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1112501


Nota do blogueiro:
A reedição dessa postagem é em memória
do Sr.Elias Eurico de Melo  (31/08/1924 - 17/10/2011),
meu querido paizinho, que nos deixou saudosos.
Ao fundo, Taiguara - O Velho e o Novo:


Deixa o velho em paz
Com as suas histórias de um tempo bom
Quanto bem lhe faz
Murmurar memórias num mesmo tom


A sua cantiga, revive a vida
Que já se esvai
Uma velha amiga, outra velha intriga
E um dia a mais


Vão nascendo as rugas
Morrendo as fugas a as ilusões
Tateando as pregas
Se deixa entregue às recordações


Em seu dorso farto
Carrega o fardo de caracol
Mas espera atento
Que o céu cinzento lhe traga o sol


Ele sabe o mundo
O saber profundo de quem se vai
O que não faria
Pudesse um dia voltar atrás


Range o velho barco
Lamento amargo do que não fez
E o futuro espelha
Esse mesmo velho que são vocês


16 comentários:

Paula Barros disse...

Bonita construção poética, das lembranças do pai, que passam a ser lembranças suas.
Brinco dizendo que tenho saudade de um tempo que não vivi, só porque ouvi.

Não sabia deste seu momento recente da perda de seu pai. Um abraço amigo e de força.

Sandra Gonçalves disse...

Poxa aqui mora a poesia.
Me apaixonei por teus escritos.

Parabens poeta.Bjos achocolatados

zhubenedicty disse...

Lindo, Eurico. Boas imagens, saudades infinitas.

Dauri Batisti disse...

A vida mantem a flexibilidade por aqui, mesmo quando pende sob um peso, uma dor, uma saudade. Ah, a vida e o amor de ver mais, ver em demoras.

Unknown disse...

EURICO!

Essa marcou em brasa meu peito. O trem já é via de passagem. Esse amor e convívio entre pai e filho é algo que me comove, porque lembro do meu.

Muito bonito, imagem, poema e notas.

Receba meu carinho!

Beijos

Mirze

Rejane Martins disse...

E em memória de seu Elias, que seja feita a poesia na tua viagem real, Eurico, por aí, por aqui, por todos teus caminhos poéticos, que não são poucos.

Sinta-se abraçado neste momento difícil.

Unknown disse...

eis uma pasárgada, senti-me nela: em pedra, curva, zigue-zague, em passeio, um terno bandeiriano



abraço

Fred Maia disse...

Salve, Eurico!

Gostaria de expressar minha profunda admiração por sua linda e tocante poesia, assim como meus sentimentos pela passagem de seu querido Pai.
Receba meu afetuoso abraço!

Convido você a conhecer o blog que minha esposa e eu criamos:

http://konazrt-konect.blogspot.com/

Fred

Tania regina Contreiras disse...

Saudade de pai parece coisa arquetípica mesmo, eu gostei foi muito, os versos reproduzem em letras a imagem e a história. Saudades, saudades, ai ai...por onde também anda agora o meu pai?
beijos,

Lícia Dalcin disse...

Então andas por aí com o Dom da Sra. D. Ubiquidade. Bom para quem te lê.

Bj

Lícia

Obs.: vai pagar uma visitinha à reles trevadeira.

cirandeira disse...

Quanto amor e quanta poesia contém
esse bonde, Eurico! A dor da perda
de uma pessoa tão querida como o
pai ou mãe é tão profunda! e somente o Tempo nos ajuda um pouco
a diminuí-la!
Solidarizo-me à tua dor e envio-te
um forte abraço carinhoso e fraterno!

Érica disse...

Belíssimo!!!! Parece um cordel. Adorei passar por aqui hoje e ler tanta coisa bonita.

Beijos

Ilaine disse...

Linda homenagem ao pai querido. Sinto muito, meu querido, pela perda.

Tijolinho- leio e vejo um cenário brasileiro, belamente desenhado por suas palavras. Bonito demais!

Beijo, maninho!

Petra Maré disse...

Um abraço fraterno.
Sei comungar sua tristeza, pois conheço essa perda.
Quanto à poesia, ela pertence a um poeta!

VELOSO disse...

Parabens pela linda e poética homenagem! Tudo de bom em tudo, veio algumas lagrimas aos olhos pois lembrei do meu pai!

carmen silvia presotto disse...

Um beijo amigo, querido poeta, querido Eurico, entro, tomo acento em teu trem e lá vou catar a esperança, porque giramundo feito tu, sei que um dia sempre será mais um tempo no calendário...ou, um ato, um fato, e que seja poética a viagem!

beijos e sempre carinho

Carmen Vidráguas!