Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, abril 17, 2010

A velhice, a imanência... a morte.




























Quando meu velho amigo se foi desta vida
é que eu tentei entender porque ele vivia
totalmente enclausurado na matéria...
Creio que é disso que tratam certos filósofos,
quando usam a palavra imanência...
De fato, o meu amigo vivia seu mundo assim,
mergulhado na vida biológica.
Nunca questionava a história,
nem cuidava de genealogias...
Nunca lhe perguntei sobre Deus,
mas, creio que poderia ter sido agnóstico.

Aparentemente não tinha outra preocupação,
a não ser com o que comer ou beber...
(só bebia água, pois era naturalmente abstêmio)


"Não é a vida maior do que o corpo"...


Flanava pelas ruas, durante o dia todo,

por pura vadiagem.

"Olhai as aves do céu, elas não ajuntam em celeiros"...

Embora fosse muito inteligente
Agia sempre por seu lado instintivo,
e metia-se em muitas brigas, por qualquer motivo fútil,
mas, na verdade, tinha muito boa índole.
Meu amigo era um parceiro de todas as horas...
Sabia ser bom ouvinte, coisa rara

nesse mundo de pessoas ansiosas e verborrágicas...
e me ouvia calado, pachorrentamente, sem nunca questionar

essas minhas perfunctórias questões metafísicas...
Não se empolgava pelas analogias mais recentes: como as das gramíneas deleuzeanas.

Nem mesmo pelas gnosiologias seculares: como as da árvore da vida de Moshe de Leon...

Apesar de nos entendermos bem, só discordávamos quanto aos felinos.

Ele não suportava gatos.
Nisso nós éramos diferentes.
Mas essa era uma divergência de pouca monta,

pois, no fundo, ele tinha um enorme coração...
Era feito uma criança, o meu amigo.

Talvez seja esse o motivo da sua partida tão serena,
e em meio a uma velhice tão sossegada...
Na manhã em que ele partiu (lembro como se fosse hoje)

olhou-me fixamente.
Seus grandes olhos me pareceram mais úmidos do que sempre...
Aproximou-se do sofá em que eu lia os jornais

e, como de costume, deitou-se no chão atapetado.
Emitiu uns ininteligíveis fonemas guturais
e, de mansinho, cerrou as suas pálpebras... para sempre...

Morreu em paz e sem pecado.

Rex, era o seu nome.
Era verdadeiramente um rei, o meu melhor amigo...



Fonte da imagem:
http://br.olhares.com/melhor_amigo_do_homem_foto2558604.html
Foto de Paula Carolina Mariano Carvalho



18 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Assim morrem os grandes amigos, diante de nossos corações. Mas tudo se transforma, nada se acaba. Ficam as lembranças...
Bela homenagem!

Jens disse...

Bonita e emocionada homenagem, Eurico. Que o Rex descanse em paz.

Um abraço.

jac rizzo disse...

O Rex me lembrou a Nina de Carlos Heitor Cony. Grandes amigos esses, que nos acompanham silenciosos e leais.
Sim, isso é imanente neles!

E adorei o "não é a vida maior que o corpo"...
Sua homenagem, reverencia essa condição.

Grande abraço.

Jacinta Dantas disse...

Aqui vc me remete a outro velho. O meu velho pai, homem muito simples, que com o Rex em nada se parecia e passou seus últimos dias por aqui(um total de 57 dias hospitalizado) sonhando em sua desorientação própria da enfermidade, com lindos cenários e gente feliz por todos os lados. Em seu imaginário, tudo era festa.
E, eu, fico grata à Vida por ter lhe proporcionado um final com dignidade.

Muito bom te ler agora.
Grande abraço

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Luiz Eurico de Melo Neto

Quando meu velho amigo se foi desta vida
é que eu tentei entender porque ele vivia
totalmente enclausurado na matéria...


A gente procura tantas respostas para a perda de um amigo ou familiares, e sempre ficamos a deriva, mas você conseguiu falar o que sentia, adorei vim aqui hoje.
Estive ausente pelo batizado da netinha, e minha vinda para New York, agora serei presente ,
Efigênia Coutinho

Paula Barros disse...

Eurico, que texto bom de ler, trazendo essa enorme diferença nossa para os animais ditos irracionais.

Ou seremos nós os humanos os irracionais?

abraço com carinho

Anônimo disse...

Olá Eurico.
Como sempre, parabéns pelo espaço!
Passa lá no Deslimites do Ser, para pegar um selo.
Forte abraço

Anônimo disse...

Olá Eurico

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Boa sorte!!!

Passageira disse...

Bom dia, amigo! Que texto bonito, que gente bonita é o Rex.
Sabe que, meses atrás, eu tb não o entenderia? Hoje sim. Mas mais do que entender, eu o invejo. Estou lutando pra tirar de mim o que passei a vida aprimorando. vous comprenez?rs...
Beijo, querido! E obrigada pelo carinho de sempre, viu?

lula eurico disse...

Euza, que bom saber de ti!
Amiga se isso que vc "passou a vida aprimorando" não te serve, joga fora. Há coisas que inconscientemente vamos construindo, boas e más. Se são más devem ser mesmo retiradas da vida... faz pouco tempo que tirei uns intrusos de meu corpo físico. Agora estou refazendo a saúde... rsrsrs

Muita paz procê, Euza!

Soninha disse...

Olá, Eurico!

Bons amigos são aquelas almas generosas que Deus coloca em nossa vida, para caminharem conosco...Sejam eles cães ou homens...
Aliás, os bichos costumam ser mais fiéis, não é mesmo?!
Linda homenagem ao seu velho amigo!
Muita paz! Beijosssss

Vivian disse...

...você me fez chorar.

quanta sensibilidade para
homenagear o melhor amigo.

que o Rex descanse em paz.

bj, poeta!

Andreia Alves disse...

Eurico meu querido amigo,
linda homenagem ao seu companheiro Rex, que ele descanse em paz.
As lembranças e o seu amor o manterá vivo em sua memória e em seu coração.
Fiquei muito feliz com sua visita e desculpe minha ausência querido.
A vida anda corrida demais e por conta dos estudos não estou conseguindo visitar os amigos.
Saiba que te gosto muito, és um ser muito especial e de muita luz!
Fique com Deus e terno beijo na alma...

Jacinta Dantas disse...

Olá Eurico, bom dia!
por aqui um friozinho gostoso, daquele que ordena ao corpo que fique mais um pouquinho na cama. Mas eu já estou de pé e aqui, para dizer que todo dia tem que ser Um Bom Dia.
Grande abraço

Ilaine disse...

Eurico, amigo, perdoe a demora!

Que lindo past! E triste também. Perder um amigo é um vazio sem tamanho. E que amigo, o Rex! Que ele descanse em paz, sossegado, como foi seu jeito de ser. E você fica com as ricas lembranças. Preciosas.

Abraço

Sueli Maia (Mai) disse...

Você está leve. Que escrita invejável!
O Rex era mais do que foi e nem pensou... Mas, ele era mais, porque está aqui neste texto com honras humanas.
Sabe, Eurico, teu amor por ele foi tamanho que o humanizaste e, de tal modo isto se deu que, até o final do texto eu esperava saber quem era, saber o nome.
O nome era Rex e ainda bem... Se fosse 'Franz' ou 'Half' eu iria rezar por seu espírito... Imagine...Seria um mico.

Abraçamigo e muito carinho de tua amiga d'infância.

Paula Barros disse...

Um forte abraço.
Se cuida com carinho.

beijo e abraço

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Luiz Eurico de Melo Neto

PASSANDO PARA DESEJAR UM

FELIZ DIA DAS MÃES
COM AFETO

EFIGENIA COUTINHO