Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, outubro 15, 2006

Dolores (ou Das Dores?)


Amanheço nesse Dia do Senhor, 15/10/06,
vendo o canal 11, TV Universitária,
pois só nela se encontra um programa que trata
da disputa internacional dos recursos hídricos,
e, pasmem,
lá está, com um aparato de tanques e escavadeiras,
o todo poderoso exército israelense
a destruir as cisternas de duas indefesas famílias palestinas.
Motivo: é ilegal armazenar água da chuva sem a autorização de Tel-aviv.
Semi-deuses?
Meu estômago embrulha. Argh!!!
Existe diferença entre Ariel e Adolf?
Qual?
Desumanidade não tem pátria, gente!

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Logo cedo, coincidentemente, eu tinha esboçado dois poemas novos
pra compor o meu livro Ser Tão Profundo, ainda em andamento.

Lembro que em meados de 1988 larguei minha psicanálise,
pois a psicóloga considerou essas minhas preocupações poéticas como
"uma coisa que poucas pessoas se interessam”.
Deveria, segundo a mesma, desistir desse tema.
Tive vontade de mandá-la à merda e nunca mais voltei ao seu consultório.
E o doido sou eu, né?
Caso essas coisas não lhes interessem, nem leiam, por obséquio.
Prometo não lhes mandar à merda...

Esboço 1

Dolores

Simples:
Basta colar a boca na beira do barreiro
E sorver de vez o líquido quente, assim;
Com os dentes prender
Os grãos de areia e
deixar descer pela goela a água tépida
a decantar-se em argila na traquéia.
Se como ratos?
Lagartixas?
Gafanhotos, feito São João?
Por esse sol que me alumia, como sim,
sem ser profeta..

E essa máquina que filma minha neta,
Assim franzina
(sai, menina!)
brincando nessa terra ressecada,
(sai Dolores!)
zanzando ainda, comigo pelo mundo, Deus é pai!
grave um recado pros homens que governam essa terra...
ah, nojentos!
insetos no solado da alpercata!
Diga a eles que de fome se morre
Mas se mata!
Que a GENTE NÃO TEM SANGUE DE BARATA!

Esboço 2

O Fato

A Vasconcelos Sobrinho


O sol é exato, é fato.
A ciência apura: quantas, fótons.
E eu, cá embaixo,
Um fato.
Dado concreto, objeto dissecado.

No entanto, assistemático.
Quem mensura não me explica.
Que morra toda a estatística
E que a ciência estertore
Como fato de cabrita
Pendurada no curtume.

Sob o sol, nesses ardores,
Não calculem minhas dores.
Quero profetas,
Não, doutores.

O sol deveras é exato, lá no alto.
E eu, um fato ressecado no arame.

Um comentário:

Kelly disse...

Essa obra nos faz percorrer com requintes de detalhes e nos aproxima da realidade do sertanejo, algo que muitas vezes não conhecemos de perto.