Os Magos Perdidos E. B. Brito |
É quase Natal.
Vou fugindo por essa estrada sertaneja, feito rês desgarrada.
As alpercatas ressecadas pisam pedregulhos,
os santos pedregulhos desse ser tão profundo.
Mas e o Oriente?
Pra que lado fica?
Sei que nada é assim tão fácil de crer...
Haverá um centro de convergência dos sentidos,
das significações dessa existência?
Isso que Adélia Prado chama de Deus.
Isso: essa experiencia poético-pensante do Ser.
Isso me entusiasma.
Logo, o que não me entusiasma, não é Deus...
Num radinho de pilhas, um homem
anuncia, com voz bela e empostada
:
"As vendas devem aumentar de 12 a 13%,
em relação ao ano passado.
A economia cresceu e o povo está feliz."
Eu não estou feliz.
Nem sei porque.
Minhas emoções estão impermeabilizadas.
Nenhum desses produtos me agrada.
Sou o 0% do consumo.
Sou o nada.
E por isso mesmo tomei o rumo dessa estrada interior.
Busco algo instintivo, algo sagrado em mim,
um religare introjetado em um gene qualquer.
O tal grão de mostarda.
A fé.
Mesmo que seja a fanática fé dos habitantes do arraial de Canudos,
ou dos que davam suas crianças em sacrifício, na Pedra Bonita.
A Fé.
Deve habitar em algum lugar psíquico.
Mas, sem essas luzes piscando.
Sem essa saturação de cores.
Sem esses monótonos clichês.
Fechar os olhos.
Retornar à estrada empoeirada.
Quem sabe pousar numa estrebaria.
Deitar entre a forragem de palmas, de mandacarus.
E achar ali um místico presépio,
um centro de irradiação de Deus.
Um delírio. Um desdobramento.
Algo menos ridículo que os feéricos presépios , nos centros de compras.
Por quem morreu o beato Antonio Vicente?
Por quem sangraram as mãos de Francisco Bernadoni?
Pela fé, pela loucura, por nada?
Há um centro de convergência das significações do ser,
disse Adélia Prado.
Dolorido, difícil de achar, mas, verdadeiro.
Guardo-o aqui,
em meu ser tão profundo,
num aboio distante,
na noite que cai,
no zurrar de um jumento,
e no chocalho dos bois.
Tenho aqui uma manjedoura verdadeira,
onde comem as cabritas e as ovelhas,
e em que acredito,
vejo e apalpo, como o bom Tomé.
Ouço-as até ruminar e balir.
Seria esse meu centro de sentido?
O meu nervo do divino?
Estaria aqui, também escondido, o Menino-deus,
com pavor dos fogos de artifício
e fugindo daquele obeso senhor de agasalho vermelho,
que sempre lhe rouba o dia natalício?
Não sei.
Sei que eu estou fugindo.
E aqui já é quase Natal...
Silencioso natal das solidões ancestrais.
Nos sertões, nas estepes, nos desertos há noites de paz...
Fonte da imagem:
ABARCA
3 comentários:
"Há um centro de convergência das significações do ser,
disse Adélia Prado."
(eu procuro...tu procuras e nos
abraçamos, entao!)
é o que temos pra hoje! rs
(poema mais lindo, li e reli)
Ai amigo, você vai em fugas, na verdade não se deixa capturar, você leva uma outra bandeira,de um outro mundo. Renovo-me também, pelas suas palavras encontro um amparo.
Siga, sua fuga é inteligente e potente.
Muito bonito.
Feliz Natal para você e familiares.
abraço
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