O maestro Miguel Barkokebas era um mestre exigente, como de resto eram todos os do Ginásio Pernambucano. Confesso que não estava na lista dos que eu mais me lembrava, dentre tantos professores "catedráticos" daquele centro de excelência em educação. As estrelas eram Hilton Sette, José Brasileiro Vilanova, Cláudio Estelita, entre outros. Mas, dia desses, pesquisando sobre antigas agremiações carnavalescas do Recife, encontrei uma paixão que nos aproxima. O nosso querido mestre, como eu, também era um aficcionado dos blocos líricos. Compositor de hinos sacros para a Igreja do Rosário, no Bairro da Torre, ele não resistiu ao lirismo do Bloco Apois Fum, e dedicou-lhe a marcha "Esse Bloco é Meu". (vide João Montarroyos, Bloco Apois Fum: O lirismo e a ousadia de Momo).
Mas, o que tem a ver essa reflexão com poesia, que é o motivo principal deste blogue?
Tem tudo. Tudo a ver com a poesia e com as palavras.
Durante as animadas aulas de canto orfeonico, o prof. Barkokebas nos ensinava, como era de praxe naqueles anos de chumbo, todos os hinos pátrios, com aqueles versos solenes, quase sempre com sujeito posposto e recheados de palavras arcaicas. É claro que entremeava aos hinos cívicos, as suas modinhas e canções, sendo a que mais gostávamos, o dobrado Pindorama , com uma sequência em tons graves demais para nossas vozinhas infantis:
"Sou Tabajara nessa terra de Tupã
que tem arara, papagaio, maracanã
Eu tenho o céu, tenho os pássaros do céu
que mos deu foi Tupã, foi Tupã, foi Tupã..."
Sem esquecer da sua obra prima, o belíssimo hino dedicado ao Ginásio Pernambucano. Era na letra desse hino que estava, muito bem encaixada, apesar de proparoxítona e no fim de um fraseado musical, cheio de fusas e semifusas, a palavra antístite. Cantávamos de cor, o Hino do GP, num coral de fedelhos na faixa dos 12 ou 13 anos. Alguns se entreolhavam, com algum pasmo, ao solfejarmos aquela frase de difícil dicção, que dizia, mutatis mutandis:
"Ginásio Pernambucano (...)
por ti passaram Presidentes e Antístites"
Antístite: essa palavrinha misteriosa me acompanha até hoje, perfeitamente acoplada à sua frase musical. O mestre, que nos fazia repetir a melodia até a exaustão, também está em mim e na minha poesia. Ao engastar aquela proparoxítona, incomum e arcaica, no hino do colégio, ele sutilmente me ensinava a compor. Ritmo, sílabas tonicas, síncopes frasais, melodia... tudo estava inserido nessa frase musical que hoje emerge do fundo do meu subconsciente, ou, como diz o Caetano, do fundo dessa "força estranha que me leva a cantar" e que me fez compositor e letrista, desde os 16 anos, e, de lambuja, também me despertou a Poesia. Eis a força de um educador!
Salve o mestre Miguel Barkokebas, um verdadeiro antístite! Grato pelos duros carões que nos passava, quando errávamos a pronúncia daquela célebre frase do Hino do Ginásio Pernambucano. Serei teu eterno aprendiz!
Evoé, Mestre!
Miguel Barkokebas, pianista, mestre de música do Ginásio Pernambucano, Colégio Salesiano e outros educandários do Recife.
Nasceu no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 1902, sendo filho de turcos, Ali e Rosa Barkokebas.
Radicado desde a juventude no Recife, fez toda sua vida no magistério nesta cidade, onde deixou uma família de doze filhos, 54 netos e três bisnetos, quando seu falecimento, em 14 de agosto de 1978, no bairro da Torre, onde sempre morou.
Compôs para canto coral e, muito especialmente, para um repertório de música religiosa, que ele todos os domingos apresentava na missa das 9 horas na igreja de Nossa Senhora do Rosário da Torre.
É autor de verdadeiras jóias da música sacra - Achei Jesus; Bendito seja o santuário; É todo meu -, mas não resistiu ao apelo do Bloco Apôis Fum e, sob o pseudônimo de João sem nome, compôs Esse bloco é meu, além de outras composições no mesmo gênero.
Fonte : História Social dos Blocos Carnavalescos do Recife, Leonardo Dantas Silva, 1998.
Fonte da imagem:
http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Miguel+Barkokebas<r=m&id_perso=1930
Imagem do Ginásio Pernambucano (atual):
http://sp5.fotolog.com/photo/37/3/50/recife/1207975454_f.jpg
Ginásio Pernambucano, um monumento às margens do Capibaribe. |
O maestro Miguel Barkokebas era um mestre exigente, como de resto eram todos os do Ginásio Pernambucano. Confesso que não estava na lista dos que eu mais me lembrava, dentre tantos professores "catedráticos" daquele centro de excelência em educação. As estrelas eram Hilton Sette, José Brasileiro Vilanova, Cláudio Estelita, entre outros. Mas, dia desses, pesquisando sobre antigas agremiações carnavalescas do Recife, encontrei uma paixão que nos aproxima. O nosso querido mestre, como eu, também era um aficcionado dos blocos líricos. Compositor de hinos sacros para a Igreja do Rosário, no Bairro da Torre, ele não resistiu ao lirismo do Bloco Apois Fum, e dedicou-lhe a marcha "Esse Bloco é Meu". (vide João Montarroyos, Bloco Apois Fum: O lirismo e a ousadia de Momo).
Mas, o que tem a ver essa reflexão com poesia, que é o motivo principal deste blogue?
Tem tudo. Tudo a ver com a poesia e com as palavras.
Durante as animadas aulas de canto orfeonico, o prof. Barkokebas nos ensinava, como era de praxe naqueles anos de chumbo, todos os hinos pátrios, com aqueles versos solenes, quase sempre com sujeito posposto e recheados de palavras arcaicas. É claro que entremeava aos hinos cívicos, as suas modinhas e canções, sendo a que mais gostávamos, o dobrado Pindorama , com uma sequência em tons graves demais para nossas vozinhas infantis:
"Sou Tabajara nessa terra de Tupã
que tem arara, papagaio, maracanã
Eu tenho o céu, tenho os pássaros do céu
que mos deu foi Tupã, foi Tupã, foi Tupã..."
Sem esquecer da sua obra prima, o belíssimo hino dedicado ao Ginásio Pernambucano. Era na letra desse hino que estava, muito bem encaixada, apesar de proparoxítona e no fim de um fraseado musical, cheio de fusas e semifusas, a palavra antístite. Cantávamos de cor, o Hino do GP, num coral de fedelhos na faixa dos 12 ou 13 anos. Alguns se entreolhavam, com algum pasmo, ao solfejarmos aquela frase de difícil dicção, que dizia, mutatis mutandis:
"Ginásio Pernambucano (...)
por ti passaram Presidentes e Antístites"
Antístite: essa palavrinha misteriosa me acompanha até hoje, perfeitamente acoplada à sua frase musical. O mestre, que nos fazia repetir a melodia até a exaustão, também está em mim e na minha poesia. Ao engastar aquela proparoxítona, incomum e arcaica, no hino do colégio, ele sutilmente me ensinava a compor. Ritmo, sílabas tonicas, síncopes frasais, melodia... tudo estava inserido nessa frase musical que hoje emerge do fundo do meu subconsciente, ou, como diz o Caetano, do fundo dessa "força estranha que me leva a cantar" e que me fez compositor e letrista, desde os 16 anos, e, de lambuja, também me despertou a Poesia. Eis a força de um educador!
Salve o mestre Miguel Barkokebas, um verdadeiro antístite! Grato pelos duros carões que nos passava, quando errávamos a pronúncia daquela célebre frase do Hino do Ginásio Pernambucano. Serei teu eterno aprendiz!
Evoé, Mestre!
Miguel Barkokebas, pianista, mestre de música do Ginásio Pernambucano, Colégio Salesiano e outros educandários do Recife.
Nasceu no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 1902, sendo filho de turcos, Ali e Rosa Barkokebas.
Radicado desde a juventude no Recife, fez toda sua vida no magistério nesta cidade, onde deixou uma família de doze filhos, 54 netos e três bisnetos, quando seu falecimento, em 14 de agosto de 1978, no bairro da Torre, onde sempre morou.
Compôs para canto coral e, muito especialmente, para um repertório de música religiosa, que ele todos os domingos apresentava na missa das 9 horas na igreja de Nossa Senhora do Rosário da Torre.
É autor de verdadeiras jóias da música sacra - Achei Jesus; Bendito seja o santuário; É todo meu -, mas não resistiu ao apelo do Bloco Apôis Fum e, sob o pseudônimo de João sem nome, compôs Esse bloco é meu, além de outras composições no mesmo gênero.
Fonte : História Social dos Blocos Carnavalescos do Recife, Leonardo Dantas Silva, 1998.
Fonte da imagem:
http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Miguel+Barkokebas<r=m&id_perso=1930
Imagem do Ginásio Pernambucano (atual):
http://sp5.fotolog.com/photo/37/3/50/recife/1207975454_f.jpg
Etimologia:
Antístite: do latim Antistes, "chefe, o principal"; ou, ainda, do latim Antius, "o que está na vanguarda.
OBS.: no trecho do Hino do Ginásio, acima citado, significa chefe eclesiástico, pontífice.
Fonte: Revista eletronica PUCRS
2 comentários:
Ao maestro Miguel Barkokebas, minha reverência. E um agradecimento especial pra ti, Eurico, por apresentá-lo num texto bonito, amoroso e profundo.
..."mutatis mutandis", quase um mantra! :) Mudar o que precisa ser mudado. Se fizéssemos traduzir este significado em gestos claros e transparentes na vida real - coisa mais linda seria!
Ah ! Que saudades do nosso querido Ginásio Pernambucano, dos anos 60 e 70,onde éramos felizes e não sabíamos. Saudades de todos professores da época: Claudio Estelita, Terezinha, Hilton Sette,Manoel Correia de Andrade, dos bedeis: Indio, Macário etc.e especialmente ao gênio Barkokebas. Um abraço em todos que tiveram o prazer de conviver com esses mestres sagrados do Ginásio Pernambucano.
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