“Si vis me fiere, dolendum est primus
ipsi tibi”
ipsi tibi”
"Se queres que eu chore, é preciso primeiro
que sofras"
HORÁCIO
que sofras"
HORÁCIO
A José Guilherme Merquior
1
Vou passar a fronteira
entre oeste e leste mas o monstro
(de vidro)
invisível, impede o irmão
de ir abraçar o irmão sob o arco-
íris.
2
Magog pergunta a Gog:
por que, no teu laboratório
feérico
hemisférico
não paras de fabricar abismos?
Gog responde: se quiseres
que eu pare, pára tu primeiro.
Então serei teu companheiro.
Mas por mais que Magog interrogue
a Gog e Gog interrogue a Magog
algo os impede
de mútua confiança, de esperança.
É que o monstro de vidro
lhes suprime a opção entre antes
e depois, e se coloca,
irremovível, entre os dois.
3
Reúnem-se os dois numa mesa
de jogo.
A coexistência é azul
como um buquê de hortênsia,
sobre a mesa.
Mas o monstro de vidro, o Ninguém,
o Não-Objeto,
com a sua cauda invidrosível,
se interpõe
entre ambos, secreto.
E porque os naipes são de fogo,
a cartada se faz sem objeto.
E ambos vão dormir, de novo,
com um suicídio obrigatório
no corpo.
4
Onde está o monstro, que é de vidro
e, portanto, invisível, presente
mas simultaneamente ausente?
Na floresta que é, também,
de vidro.
Na cidade dos mútuos espelhos.
O seu nome: Ninguém.
Como o crismou o rei da Ítaca,
(ao seu tempo).
Mas, hoje: “Não-Objeto”.
É de vidro, mas não objeto.
Não objeto que por + concreto
+ secreto = não objeto.
Que adianta o meu objetivo,
a minha
objetiva de repórter,
se o meu objetivo é um não-objeto?
Se o que projeto, o mais concreto,
fica um objetivo sem objeto?
O Não-Objeto,
invisível, separa o irmão do irmão.
E muda a significação
das palavras
e dos gestos, através do vidro.
E amplia a configuração
das coisas
em seu vidro de aumento.
Para que Gog irrogue a culpa
a Magog e Magog a irrogue a Gog
em áspero atrito
de sílabas entre os dois
por um não querer fazer antes
o que o outro não quer fazer
depois.
Não-Objeto já agora abjeto
nele mora a não-arte, o não-evento,
o não-tigre, porém mais feroz
que um tigre espetáculo de ouro
para a minha (m)lira.
A idéia de o matar resultará
num projeto por falta de objeto.
Numa não-tigre que resultará salvo,
por falta de alvo.
6
O herói homérico matou
a hidra de sete cabeças num
relâmpago.
Belerofonte matou a Quimera
que lhe escapava à dimensão
do olho.
Teseu caçou o Minotauro ao dédalo
(touro áureo).
Quixote desbaratou os seus moinhos
de vento.
Jim Hull, montado no seu Boiazul,
saiu à caça do Acontecimento
que nunca está onde a polícia
o situa e institui (anacoluto).
Titov, em seu Vostok,
dá 17 voltas na órbita
da Terra,
vencendo o “poético” absoluto.
Como irei eu – olho de vidro –
caçar o monstro, que é – também –
de vidro
na floresta – também – de vidro?
Minhas 7 razões pra não chorar
(antiSamaritanas)
cercam-me na paisagem torta.
Exigem que eu lhes mostre
a minha pálpebra, o nervo ótico.
Os 7 cegos.
Da Babilônia me interrogam
sob a ogiva de um céu gótico.
Já perdido na selva de vidro
em busca do monstro de vidro
ved'io scritto al sommo d'una porta,
mas em “silk-screen”
queste parolé de colore oscuro:
“A MORTE É HOJE DIFERENTE
DA QUE COMETEU CAIM. O FRATICIDA
JÁ NÃO MATA, APENAS, SEU IRMÃO.
AQUELE QUE MATAR PRIMEIRO MATA-SE
A SI PRÓPRIO, AUTOMATICAMENTE”.
8
E lembro-me de que Magog
não queria parar a sua fábrica
(de abismos)
sem que primeiro Gog
parasse a sua.
Agora, a dialética é a mesma.
Como escolher, entre Magog e Gog
quem jogue a primeira pedra
se, AUTOMATICAMENTE, o homicida
é um suicida?
Se Gog já é o fim de Magog, até
na última sílaba?
Se o começo já será o fim?
Se por mais que Magog dialogue
com Gog ou que Gog dialogue com
Magog,
quem o Abel? Quem o Caim?
Na manhã desestreladalva
só a certeza de que nenhum
dos dois
se salvará é que nos salva.
9
Só assim, na entre-es (p) fera,
e porque Gog não quer que Magog
vá primeiro à Lua
nem Magog quer que Gog o faça
antes dele,
os dois farão a viagem, juntos.
E antes que Gog afogue o mundo
em fogo ou que Magog em fogo
o mundo afogue, a Lua
os pacificará, com
a sua alvura, o seu pudor
de flor, o seu dom
poético-magnético
(mediadora única e mediúnica)
E o monstro de vidro, o Não-
morrerá por falta
de objeto.
E para gáudio das crianças:
Leiam também: Ensaio para o Apocalipse, no blog Luz de Luma.
The Legend Of The Glass Mountain - Mantovani | Piano: Nino Rota
6 comentários:
...em tantos momentos sentimos-nos engolidos por convençoes e conveniencias....
(buscando o caminho do meio)
Que a Luz nos guie!
Abraço.
Sim, Margoh, há mesmo uma guerra interior/exterior,eu versus tu...
Mas cabe-nos transpor o muro de vidro em direção ao Outro.
A fraternidade é possível!
Essa é minha esperança...
Abraço fraterno.
EURICO!
Uma obra prima! O monstro de vidro continua presente e não o vemos, sequer o sabemos.
Belíssimo!
Beijos
Mirze
Esse poema é uma verdadeira saga do Homem através dos tempos!
O monstros talvez não seja tão invisível assim, embora seja de vidro não se quebra facilmente, cada um carrega o seu, às vezes sem o saber, noutras conscientemente!
Muito boas as imagens: a bomba de Hiroshima e a guerra do Vietnam ainda hoje nos sobressaltam, ainda não estamos livres delas, lamentavelmente...!?
Um abraço fra/terno
E hoje fazem 66 anos desta maldita bomba!
Ainda bem que á 66.... falta mais um.
Beijão lírico!
Mirze
Meu caro Eurico, vivemos um constante momento de guerra monstruosa e não atentamos muito para isso. Lamentável, o homem sem coração, mundo cão...Um belo e reflexivo poema, parabéns.
forte abraço
C@urosa
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