Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, setembro 29, 2009

Cora Coralina: aula prática de amor fraterno























Conclusões de Aninha


Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.


O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?


Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.

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Cora Coralina
(Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP). Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.

Sintam a admiração do poeta, manifestada em carta dirigida a Cora em 1983:

"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)." Editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás. No dia 10 de abril de 1985, falece em Goiânia. Seu corpo é velado na Igreja do Rosário, ao lado da Casa Velha da Ponte. "Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.


Texto extraído do livro "Vintém de cobre - Meias confissões de Aninha", Global Editora — São Paulo, 2001, pág. 174.


Fonte:

http://www.releituras.com/coracoralina_menu.asp

Imagem:
Casa Brasil Itapoã

20 comentários:

Paula Barros disse...

Oi, Eurico, está bem?

Já estou de volta, cheguei domingo, ainda não consegui atualizar as leituras e retribuir os comentários.

E cada um ajuda como pode, cabe ao ajudado entender. Eu as vezes não entendo. rsrs

abraços

Éverton Vidal Azevedo disse...

Um amém ao texto, expande horizontes mesmo. Nao conhecia a Aninha ainda.

Hoje eu recebi um email que vale postar aqui:Teoria é quando se sabe tudo e nada funciona. Prática é quando tudo funciona e ninguém sabe porquê...

É, pois é.

lula eurico disse...

Paulinha, seja bemvinda, andarilha querida!
Estou melhor do que mereço a Deus! rsrsrs

Obrigado.

lula eurico disse...

Éverton, meu jovem e sábio amigo,
vc é daqueles que aprendem em qualquer lugar, pq vc tem aquilo que im aprendiz precisa: humildade e coração aberto. Portanto, "examine tudo e retenha o que é bom", aqui ou alhures, dizia o apóstolo.

Abraço fraterno.

Ilaine disse...

Amor fraterno - Perguntar, indagar, aconselhar... Ensinar a pescar...

Cora Coralina! Linda poesia.
Obrigada, Eurico!
Beijo

Anônimo disse...

Cora Coralina é tudo de bom!
Bjs.

Euza disse...

Na prática, a teoria é outra!
E quem duvida que este seja o verso mais sábio deste poema? ata tirar os olhosdo próprio umbigo, né? rs...
Poeta, me perdoe as indelicadezas. Meu momento é de chutar pedras e segurar os pés à beira do abismo. Mas é primavera. Eu acredita em renovação, viu?
Um beijo carinhoso!

PS. maravilhoso o poema anterior! Qdo vi são tomé das letras, estive a um passo da minha são tomé, aqui do lado, com todo seu cheiro-vida dos anos 70. Qual não foi minha surpresa ao chegar ao fim do poema? ler o braile das feridas, além de uma imagem fortíssima é um achado semiótico dos mais preciosos!!!

Jacinta Dantas disse...

Nossa, Eurico. Aqui merece uma boa reflexão. E fico pensando se conseguimos distinguir o que é emergência e o que é urgência. Só com muito amor mesmo, o fraternal e o INCONDICIONAL é que a gente vai aprendendo e, quem sabe, nos tornando mais gente. A Aninha será o meu pensamento do dia.
Beijo

lula eurico disse...

Euza,
dessas letras aqui, sou eu o Tomé. rsrsrs Mas eu o admiro. Foi o próprio, segundo as Escrituras, o primeiro a chamar o Nazareno de "meu Senhor e meu Deus". É mole? Tocar as feridas do Próprio deve ter sido a mais profunda revelação a que um ser humano teve direito e oportunidade. Tomé é o cara!

E escrevi há pouco outro poema sobre a São Tomé das Letras, essa tua, aí vizinha! rsrsrs

Abraço fra/terno.
(Ah, Euzinha, tuas indelicadezas são delicadíssimas. Tão delicadas que as tomei por um afago.) rsrsrs

lula eurico disse...

Jacinta,
sei que segues o Caminho. E quem se lançou no Caminho sabe bem quem é o seu próximo; mesmo que ele seja aquele semita, tão semita quanto tu, contudo que não te reconhece como nada. Ele é o teu próximo quando tu encontras caído, depois de ter sido vítima dos assaltantes, quando te estende a mão aflita, a pedir um pão, quando te pede uma palavra, um alento, antes de saltar para o abismo. Mas, será que ainda há espaço e tempo para o Bom Samaritano, nesse pragmático século XXI?

Abraço fra/terno.

Jens disse...

Poema instigante, camarada Eurico, recomendado especialmente para alguns críticos do Bolsa Família, que defendem justamente a idéia de dar a vara de pescar a quem pede o peixe. Porém, certas carências - como a fome - não esperam, como bem destacou a poeta. Parabéns pela escolha e divulgação.

Um abraço.

lula eurico disse...

Jens,
camarada duplamente vermelho,
interessante tua observação. Aliás, desde os tempos da gloriosa, ouço dizer que o bôlo deveria crescer primeiro, para depois ser repartido. E isso ficava sempre pro futuro. O "Bolsa", que em verdade começou a ser distribuído em Brasília, pelo camarada Estevão Buarque, e depois copiado pelo FHC, e melhorado pelo Lula, talvez seja o "Bolsa" aquela fatia do bôlo que agora está chegando ao proletariado. O futuro enfim chegou, camarada! rsrsrsrsrs

Abraço fraterno e, como dizes: pra cima com a viga!

lula eurico disse...

Jens,
Onde se lê Estevão, leia-se Cristóvam. rsrsrs Errei de santo.

Beti Timm disse...

Eurico,
Adoro a Cora! O rosto dela é uma poesia, uma ternura infinda. Sempre que penso nela, tenho a sensação de que deitar no seu regaço, quando estamos aflitos, deveria ser um bálsamo. E tão sómente ela, poderia falar de solidariedade, de estender a mão. E relamente é algo bem complexo: doar ou fornecer caminhos? Acredito que fornecer os caminhos seria o ideal.


Beijos carinhosos

Rosemeri Sirnes disse...

Olá Eurico, Cora Coralina me dando as boas-vindas, isso é bom demais. Volto do submerso com energia pela metade, mas disposta.

Beijos

lula eurico disse...

Rose,
Seja bem-vinda. Vamos à luta!!!

Abraço cordial!

Jacinta Dantas disse...

Mudando de assunto, hoje quero que você passe lá no florescer e receba o meu carinho. Voando com graça e beleza.
um abraço

lula eurico disse...

Jaci,
já passei e trouxe o selinho.
Grato.

Valdeir Almeida disse...

Eurico,

Gostei do jogo de palavras com que Aninha finalizou a teoria dela: Na prática, a teoria é outra.

Pois é, são muitas sentenças e poucos atos concretos.

Amanhã é o dia da Coletiva "Professores do Brasil". Você estará contribuindo para a valorização dos professores.

Abraços.

lula eurico disse...

Não esqueci, Valdeir.
Ando meio atribulado, mas vou tentar postar algo lá no Cultura Solidária.

Abraço cordial.