CANTEIRO DE OBRAS:

quarta-feira, maio 06, 2009

UMA CRIATURA - Machado de Assis






















Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.


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Taí, Rosimeri Sirnes, um poema de teu conterrâneo,
só pra te mostrar a punjança desse incomparável vate,
em cujo estro a Língua-Mátria se engrandece.
Quem sou eu, menina, diante desse Mestre?

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Fonte da mid: (do tb conterrâneo da Rosi, Gonzaga Jr.)
http://www.belasmidis.com/Nacional/Gonzaguinha/OQueEOQueE.mid


Fonte da imagem
:
http://luaafricana.blogspot.com/2007_09_01_archive.html

Fonte do texto:
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/machado_de_assis.html


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18 comentários:

  1. Adoro Machado! Ah! Dá uma passadinha no meu blog, tem uma homenagem a você e ao seu lirismo doce e cadente(rs). Beijos

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  2. Magnífico. E gostei pensar sobre a questão de morte e vida para um mesmo fato ou momento.

    Uma boa dica a programação do domingo, vou tentar me organizar com minha filha e se for o caso te ligo.

    E o festival da seresta, está animado?

    beijos para você e Kelly.

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  3. Realmente isso é coisa de um mestre...Este é com certeza um daqueles poemas que diezemos que foi escrito com P maiúsculo...
    Salve Machado de Assis e todos aqueles que adimiram o trabalho deste colosso da nossa literatura.

    Abraços.

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  4. Eurico. Volto aqui para comentar seu post.
    Só vim lhe contar que dediquei um texto a você, lá no Pretensos.
    Beijos.
    Dora

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  5. Eurico. Belo poema, sim! A vida parece sinônimo de morte e não o seu antônimo! Porque, se a gente coloca o pensamento forte na visão da realidade, vai percebendo, que cada minuto vivido, é "um a menos" para o encontro fatídico...Morte e vida caminham juntas. Uma cede terreno à outra, devagarinho, para que os viventes nem percebam.
    E Machado filosofa em Poesia,
    sobre essa enganosa aparência: a morte se veste de vida. Os frutos doces e rubros de uma macieira são o retrato da vitalidade. Passe, ao pé dessa árvore, algum tempo depois, e sentirá o odor da podridão e o acre rastro das frutas murchas e enrugadas. A aniquilação chega e usurpa a idéia inicial...
    Sabemos disso. Todos nós. Mas, escrever com esse estilo é saber enganar a morte. Machado fez isso. Está aqui, vivo em nossa conversa...
    Beijos.
    Dora

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  6. Belo post. É sempre bom ler os clássicos, como disse Calvino.

    Um forte abraco.

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  7. Vim de passear pela blogosfera, e trago um ego enorme, um "egão", todo lampeiro das homenagens que recebi da Dora Vilela e da Rosimeri Sirnes.
    Quem é que não gosta de carinho?
    Eu gosto, e, apesar de estar lutando contra o apego a certos "teres e haveres", buscando eliminar certas ilusões do ego, não pude resistir a uma pontinha de vaidade! rsrsrs
    Fazer o quê. Humano, sou!
    Só quero agradecer mais uma vez, a essas duas irmãs dessa mesma confraria de poetas, pela homenagem, que é fruta doce e saborosa, saída de dois corações generosos por demais.

    Abraçamigo e fraterno.
    Saúde e paz!

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  8. E agora? Eu vou dizer o quê? Duma lapada só, encontro: Machado, Eu-ri-lí-(ri)co e a Dora? Que ousada criatura eu seria, se dissesse uma cousa que seja aqui nesse espaço de pura e aplicada poesia?
    Mas um abraço fraterno de grande alegria eu posso deixar, não posso?
    ;)

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  9. SEja bem-vinda, vizinha d'além mar! Abanque-se sob a sombra dessa árvore que eu trouxe de África e descanse as pestanas queimadas pelas leituras para as teses doutorais...
    Abraçamigo e fraterno.

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  10. salve, querido poeta, que o igual amor à esquerda e à direita, é desigual amor, iso é, é morte no lugar da criação; é é submissão no lugar da liberação; é roubo no lugar da cooperação é da comum distribuição.
    meuabraço,
    luis de la mancha.

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  11. http://max-etnias.blogspot.com/

    Vizinho, trouxe algo para ti... Uma beleza só!
    Obrigada pelos desejos, votos, carinho e vamos escrevendo, pq escrever é preciso (?), viver nao (plagiando o poeta).
    Domingo feliz!
    ;)

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  12. Eurico: Sou um leitor do blog da Rose, como ela escreveu um texto em sua homenagem, resolvi conferir o seu trabalho, o qual achei bom e de fato acima da média dos blogs que publicam poesia, inclusive do meu.
    A terceira estrofe de fato resume bem a obra do Machadão, Parabéns!

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  13. Grato, Fernando. A Rosimeri foi muito generosa comigo. Jamais vou poder agradecer-lhe a postagem que fez em homenagem desse poeta bissexto e menor.

    Abraço fraterno.

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  14. querido eurico, agradeço a presença, sempre sutil e inteligente, poeticamente. aproveito pra saber se chegou a ler o imeio q te enviei, falando um pouco dos pés...
    meuabraço,
    luis de la mancha.

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  15. Luís,
    Não li, mas vou lá ver se acho.
    Abraço.

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  16. Oi, amigo.

    Belo, imensamente belo e faz pensar...Te dizer que parei e lembrei do poema de Goular e tudo é mesmo uma questão de vida e morte.
    Isto é ARTE, querido. Arte!

    Recebe meu abraço,
    Mai

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  17. Oi amigo Eurico,

    Um Machado cortante, emocionante! E essa bela paisagem,
    sublime!

    Abs,

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  18. Machado visto pelo teu ângulo é de tirar o fôlego, Eurico. A gente viaja na influência do Bruxo do Cosme Velho na tua escrita.

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Grato pelo comentário. Receba o meu abraço fraterno e volte sempre!