CANTEIRO DE OBRAS:

quarta-feira, julho 16, 2008

Pequena Fauna Poética



Quando eu-menino ouvia

os lobos da ventania

soprando ovelhas nas nuvens.

Meu coração disparava

(me dava um medo esquisito,

seria isso um meu mito?)

e eu me abraçava, eu-menino,

a um vira-latas mofino,

que nem eu era, também,

franzino e desamparado.

E eu lhe dizia ao ouvido:

(não tenha medo Bandit,

mamãe foi ali, na feira,

papai já vem do trabalho).


*

Quando eu estava inquieto

me acalmavam lebristas

que nadavam em garrafas

translúcidas, ornamentais.

Ornamentais, os meus saltos

de pontes imaginárias,

a mergulhar nesse rio,

heraclitiano rio,

que não parava, e não pára...


*

Por esse tempo ainda

me andava a alma contrita

com as sensações de meu corpo:

um tio meu criava porcos

e eu os via javalis;

Minha avó bordava rendas.

Trago os bilros dentro em mim

e costuro pelo avesso

isso que ledes aqui.

Meu avô me dava livros:

Esopo, Andersen, Grimm.

Onde os trago?

E eu lá sei!


*

Mas emoções são perigos:

um dia quase me mato,

(se não fosse a borboleta,

a cochilar no casulo,

que me chamou a atenção...)

quase que, pássaro, pulo,

em queda livre e ligeira

do alto da pitombeira.

Mas não sabia voar.

Dançar? Dançar eu sabia,

essa dança ligeirinha

dos bodes nas cabritinhas,

bicho-do-mato que sou.


*

Vou lhes contar um segredo

há muito tempo guardado:

as emoções são crianças,

aprendem fácil a brincar

e gestam lendas e mitos

(que lhes sopram anjos bonitos)

de lobos, nuvens, cabritos.

Esses ditos viram escritos

que gente velha e sisuda

vai seu mistério estudar...


Se isso é poesia?

E eu sei lá!

*

Eurico
poema sem data

*

A imagem é um esboço em papel de seda
para um óleo sobre tela de autoria
de meu saudoso avô Luiz Eurico de Melo


4 comentários:

  1. Nossa! é Poesia e de primeira linha, Eurico, meu amigo empático. Como estou aqui, esqueleto de 38 quilos, tenho que fazer algo, então faço posts. Postei sobre um filme meio desconhecido, porém lindo.
    Apareça quando puder:
    wwwrenatacordeiro.blogspot.com
    não há ponto depois de www
    Um beijo,
    Renata

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  2. Eita que seu poema, hoje, me faz ir ao encontro de mim, na minha meninice, misturada que era a tantos irmãos, dividindo o que tinha e o que não tinha no espaço apertado, aguardando o momento de ouvir as histórias que nosso pai tinha para contar.
    Beijos

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  3. salve,querido amigo, poeta do perplexidade do primeiro olhar inaugural, a tudo que é irreal, sendo emocionalmente visceral, na sua gesta infantil, sideral, que estamos retomando a estrelar alegria do contato virtual.
    meu abraço,
    luis de la mancha

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